O outro

O delegado sabia de quem se tratava a pessoa que estivera ali no condomínio naquela mesma noite e achou muito curioso, e adentrou no seu carro onde o sr. Olavo Odebrecht permanecia no banco de trás em silêncio, avaliando tudo que acontecia.

— O senhor não me contou que um amigo do seu filho esteve na mansão poucas horas, não é?

Olavo olhou para ele sem entender.

— Ninguém foi em casa hoje, exceto o senhor e seus homens.

— Tem certeza mesmo? — inqueriu duvidoso. — Talvez o senhor esteja tentando encobrir o responsável pelo desaparecimento daquele seu mordomo.

Olavo riu de ironia.

— Você deveria escrever um romance policial, tem cada imaginação!

O delegado pegou o seu celular, e discou para um contato, imaginando que não teria muita colaboração do empresário Olavo Odebrecht, enquanto a viatura continuava seu trajeto para a delegacia.

Lucas acordou com o barulho de uma discussão. Parecia que dormira há horas, mas teve a certeza de que não passou de minutos. Pelo barulho do lado de fora, pela música, sabia que seus sequestradores estavam dando uma festa, mas agora os gritos altos dos homens chegavam até onde ele estava, preso naquela cadeira amarrado e caído de lado. Se ao menos ele conseguisse se soltar.

O dia estava para clarear, e ninguém o acharia ali. Isso o atormentava.

David percorria a pé as ruas, atento com o aparecimento do carro que tentou atropelá-lo. Estava indo desesperadamente para a casa do seu amigo Hélio, para se esconder. Quando passava ao lado de uma casa em construção, numa rua bem acalmada para aquele horário da noite, um vulto rápido cortou a sua frente, saindo de trás de uma pilha de tijolos, surpreendendo-o.

— ESPERA DAVID SOU EU! — gritou e David estarrecido a ponto de atacar o sujeito que aparecera a sua frente, ficou confuso ao conhecer a voz.

— Felipe?! — mal acreditava no que conseguia ver, já que a luz do poste estava mais afastada do ponto onde eles estavam. — C-Como você chegou até aqui, e por Deus como saiu do hospital?

David estava petrificado encarando o amigo pouco mais de 2 metros de distância. Viu que ele estava bem lúcido, forte e ágil... não parecia nenhum pouco com o rapaz que levara um tiro a menos de 24 horas.

— Eu não sei explicar David, mas sei que precisamos sair daqui — disse ele depressa.

David não se mexera. Desconfiou.

— Como vou saber se não era você dentro daquele carro que tentou me matar?

Felipe deu um passo para frente, sem entender, e David deu dois para trás, em alerta.

— David do que é que você está falando? Eu jamais tentaria te matar... somos amigos!

— Você estava em coma Felipe... o delegado disse que você saiu do hospital pela janela... e era para você no mínimo ter se quebrado todo devido a altura, mas agora está aqui, na minha frente, em pé... e como sabia onde eu estava?

— Eu estava indo para a casa dos nossos amigos, Paulo e Gabriel — disse, e ignorou o restante do que David lhe falara. — Eu sei que alguma coisa aconteceu com o Lucas, mas não me pergunte como sei, porque eu não sei te explicar.

— Isso está tudo muito estranho Felipe.

— Sim eu sei... mas eu não vou ficar aqui debatendo isso com você — disse e se virou para ir continuando. — Você tem que confiar em mim David.

E saiu correndo para outra direção. David ficou sem saber o que fazer. Se continuava o seu caminho ou se ia atrás do amigo que também estava foragido e agora estava ali.

— Me espere Felipe, irei com você! — disse sem muita certeza se estava fazendo o certo.

No subsolo da mansão, a metros de profundidade havia um corredor pouco iluminado e nele se encontrava Alfredo caminhando até chegar a uma porta de ferro, pesada. Era um lugar que ninguém mais tinha acesso ou conhecimento de sua existência, exceto ele e uma pessoa a quem morava ali há bastante tempo...

O jovem escutou o ruído da porta de ferro ao longe se abrindo e adentrou no seu quarto escuro, onde não tinha nenhuma janela, apenas uma tubulação onde o ar da superfície era sugado, direto da fonte do quintal, para aquele cubículo de espaço.

Alfredo vinha mancando, machucara a perna na queda, e precisava se repousar.

— Você está aí não é? — perguntou ele dirigindo a porta aberta do quartinho escuro. — Eu sei que saiu do esconderijo.

Ele puxou uma cadeira e sentou, esticando a velha perna e massageando-a.

— Eu sai sim, não queria perder toda a diversão — respondeu a voz masculina, porem jovial de dentro do quarto escuro.

— Estou cansado de dizer a você para não ficar fazendo isso, mas você não parece mais me escutar — disse num tom serenamente calmo.

— É fácil para o senhor falar, não é você que tem que dormir noite após noite aqui dentro desse buraco! — a voz ficou mais áspera.

Alfredo sorriu, encostando a cabeça na parede de tijolos de pedra bruta.

— Eu imagino o quanto tem sido insuportável viver aqui, a vida inteira, enquanto ele está em cima desfrutando o que lhe pertence... mas é tudo uma questão de tempo para você recuperar tudo que é seu por direito, e se vingar.

Uma mão pálida com os dedos bem finos, segurou no batente da porta, e pouco a pouco uma cabeça foi saindo do quarto, com os seus cabelos compridos tampando o lado do seu rosto.

— Eu quero tudo que foi dele, inclusive ele...

Alfredo endireitou o seu corpo na cadeira fitando a metade do corpo que estava no vão da porta aberta.

— Você se refere a quem?

A cabeça se ergueu, e um rosto mais fino e ossudo se revelou, porem era muito parecido com o do David.

— O filho da babá...

— Você desistiu da Camila? — ficou levemente impressionado.

O rapaz estava usando uma camisa preta com a gola aberta em forma de V e uma velha calça jeans bem surrada, e botas pretas. Parecia um gótico, mas não era.

— Não a quero, porque o meu irmão não a ama mais... ele ama aquele garoto, e é ele quem eu quero.

Alfredo olhou para o desejo incontrolável de Isaac e percebeu que não conseguiria fazê-lo desistir de sua ambição.

— Tudo bem, depois do nosso plano concluído, você aparecerá para reclamar a sua parte na herança, e como você é a cara do seu irmão, nem precisará fazer DNA e como também é o filho mais velho, terá o controle de todas as ações deixadas para a sua mãe, que não irá hesitar em reconhecê-lo como filho e dar a você o que é seu por direito — disse o mordomo Alfredo. — David é um garoto que não pensa em seguir a carreira profissional do senhor Olavo Odebrecht, só o que ele quer é farrear com os amigos enquanto gasta o seu dinheiro.

— Amigos esses que eu também irei requerer... — sussurrou Isaac.

— Você terá amigos melhores do que aqueles patéticos que seu irmão tem, não se preocupe — disse.

Isaac não gostou da resposta e se atirou contra o mordomo, empurrando a cadeira com ele contra a parede.

— Você não entendeu... eu quero tudo que meu irmão teve e tem hoje, igualzinho, nada de diferente... alias, somos gêmeos e isso tem que ser levado em conta.

Alfredo engoliu seco, e concordou.

— Claro, claro, tudo bem, você é quem manda... sabe que sou apenas seu fiel servo...

— Não seja hipócrita, você não é fiel a ninguém exceto aos seus próprios interesses! — o jovem Isaac soltou da cadeira e Alfredo endireitou o corpo.

— Por favor, não diga isso... sabe muito bem quais eram os planos do seu pai quando decidiu sacrificá-lo em troca de poder... eu te salvei sem que ele se quer imaginasse que a criança que fora morta em seu lugar era outra... e te protegi esse tempo todo.

Isaac já ouvira aquela história centenas de vezes, enquanto crescia ali dentro, no subsolo da mansão... só saindo as escondidas e em poucas ocasiões.

— Sei, sei, aquela velha história do sonho que você teve, antes mesmo de eu nascer, sobre eu ser o escolhido de Lúcifer, para o seu plano inicial — desdenhou, virando-lhe as costas.

— Você sabe que é verdade! — levantou o mordomo enfurecido. — Lúcifer lhe apareceu em sonhos, você mesmo me disse àquela vez!

Isaac sorriu, dando de ombro.

— De tanto que você encheu minha cabeça com essa profecia maluca, era de supor que eu acabasse sonhando com o diabo confirmando tudo isso para mim, não acha?

Alfredo se aproximou dele, e segurou em seu ombro, forçando ele se virar.

— Não venha dar uma de descrente agora Isaac, não vai funcionar comigo, pois você viu o que eu e seu pai somos capazes de fazer — avisou.

Truques! Apenas truques de mágica! — explodiu. — Se fosse assim eu não estaria vivendo esse tempo todo aqui, escondido, como um rato!

Alfredo suspirou.

— Você sabe que isso levaria tempo para ser concretizado, e que não podia adiar nenhum passo, se não tudo seria em vão.

— Eu esperei 24 anos, não importo esperar mais uns dias.

— Ótimo eu conto com isso — ele sorriu e seu olhar recaiu no bolso da jeans do jovem Isaac e irritado tirou a chave antes mesmo que ele pudesse perceber. — Você saiu do condomínio novamente e usou o carro?

Isaac sabia que não podia esconder nada agora.

— Não vai acontecer novamente.

— Você tem se arriscado demais Isaac, não coloque tudo a perder agora!

— Chega de me dar ordens! — bufou Isaac irritado. — Eu não fui descoberto esse tempo todo, porque eu iria ser agora?

Alfredo sentou novamente na cadeira, coçando a cabeça.

— Aquele dia você se arriscou muito quando adentrou na mansão e trancou a senhorita Camila no quarto.

Isaac lembrou e riu.

— Que por sinal foi bastante divertido ouvi-la esperneando.

— Mas já imaginou se uns dos empregados tivessem lhe visto?

— Não viu, pois eu conheço a casa na palma da minha mão.

— Só promete que não irá mais fazer isso, por favor, espere só mais um pouco, estamos quase lá — implorou.

Isaac lhe deu as costas e adentrou ao seu quarto sem dizer mais nada, se entregando a escuridão total e acolhedora.


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