O cortejo fúnebre
O enterro estava marcado para as 15h30, e o padre da cidade começou seu a cerimônia fúnebre as três em ponto. Todos estavam reunidos ouvindo o sermão do padre, explicando a importância de aceitar o ciclo da vida, sem revoltar contra Deus, e que a partida era apenas o começo de uma grande continuação em outra vida, em outro mundo, cheio de paz, amor e sem tristeza.
Lucas estava ao lado do senhor Olavo, que ouvia com atenção e concordava com as palavras do Pároco, e confortava Lucas num abraço de lado.
David e Felipe estavam no pátio do velório, sentados num banco de cimento, fuçando seus celulares.
Felipe observara as últimas mensagens que recebera, e estranhou uma que não havia visto, e nervosamente desligou seu aparelho, e se levantou.
— Aconteceu alguma coisa? — David achou estranho sua reação perturbada.
Felipe olhou para ele disfarçando seu nervosismo.
— Ah... eu preciso ir ao banheiro cara — disse.
— Aquele docinho não fez bem, não é? — David perguntou, massageando o estômago. — Tomara que não me dê uma diarreia.
Felipe riu.
— É não seria nada legal — e voltou para dentro do prédio. Passou pelo corredor lotado de gente de pé ouvindo o sermão do padre, e pedindo licença seguiu pelo corredor ao fundo, passando pela sala de descanso, e procurando o banheiro masculino. Estava vazio. Entrou e trancou a porta, e abaixou a tampa da privada e sentou. Vasculhou melhor a mensagem do seu celular e suas mãos tremiam. Lera a mensagem de Camila, e estava visualizada. Não lembrara de ter olhado a mensagem... mas não sabia como aquilo tinha acontecido, quando lembrou de Lucas indo ao seu quarto buscar seu celular... e encaixando as peças na sua mente, percebeu que ele havia olhado seu celular, e isso explicava o comportamento estranho e hostil de Lucas com ele...
Passara a mão pelos cabelos, tentando se controlar, e reaver seus pensamentos em dúvidas... teria mesmo Lucas fuçado em seu celular? Então como ele não apagara a mensagem após ser lida? Assim não teria deixado nenhum rastro de suspeita... Seu coração batia forte. Se Lucas tivesse mesmo lido, teria percebido que ele e Camila tinham uma relação, e que David poderia saber através dele e as coisas irem de mal a pior.
Lucas estava deixando as coisas mais arriscadas, sua necessidade de possuí-lo antes de David estava lhe custando muita dor de cabeça, e não imaginara que seria tão difícil de transar com ele. Mas era aquela sensação de perigo que o motivava a ficar naquele jogo. Também sabia que David iria investir pesado para pegar Lucas antes dele. Era uma competição válida, mas se David soubesse que ele pegou a Camila seria o fim de sua amizade, e não teria mais volta. Claro que ele sabia que mesmo que Lucas o denunciasse, ele e Camila negariam tudo, e David ficaria entre a espada e a cruz.
E não sabia se Lucas teria como provar alguma coisa... decidiu ficar atento e observar mais de perto o comportamento de Lucas antes de decidir o que faria. Contar a Camila sobre suas suspeitas só deixaria ela preocupada.
Respirou fundo e excluiu a mensagem definitiva. Por horas sabia que Lucas estaria sofrendo pelo luto do seu pai, e teria que continuar próximo a ele, oferecer seu consolo, até ele abaixar a guarda e conseguir transar com ele.
Tinha um extinto provocante em fazer as pessoas caírem nas suas cantadas e charme, e logo sabia que Lucas não resistiria.
Saiu do banheiro e voltou para ficar com seu amigo no pátio.
As 15:30 o caixão fora fechado, e Lucas sabia que nunca mais o veria novamente, apenas em suas lembranças e fotografias. Sua mãe o acompanhou ao seu lado, abraçando-o, seguindo o carro fúnebre levando o caixão para a entrada do cemitério que ficava no fim da rua, a 200 metros do velório municipal.
A rua estava impedida para o cortejo, e as pessoas vinham com seus guarda-chuvas se protegendo da fina garoa que caia.
— Dizem que quando chove num cortejo fúnebre, é que o céu também está triste — disse o senhor Olavo ao seu lado, próximo ao seu ouvido.
As lágrimas desciam, marcando seu rosto judiado.
— Nesse caso não poderiam estar chorando, e sim alegres, por receber meu pai lá com eles, não acha? — ele respondeu sorrindo.
O senhor Olavo levantou as sobrancelhas e concordou.
— Com certeza Lucas e pode apostar nisso.
David e Felipe vinham logo atrás.
— Eu odeio funerais — cochichou Felipe para David ouvir, e ele olhou para o amigo.
— E quem gosta? — perguntou David parecendo surpreso.
— Tipo eu sei que é algo que não queremos, mas somos forçados a participar, mas eu pergunto, do que adianta tudo isso?
David o olhava interessado.
— É um rito, assim como qualquer passagem em nossa vida, por exemplo, uma festa de aniversário? Aquela cerimônia toda e combinada, até chegar o dia em que nós decidimos como será a nossa comemoração, pode haver festa, com bolo e a música dos Parabéns para Você ou nada disso, mas uma coisa terá sempre, um abraço de alguém que se importa com você felicitando por seu dia.
Felipe o olhou surpreso. Nunca ouvira David falar daquela forma antes.
— Bem, por esse lado você está certo, não dá para querer transformar um funeral em uma festa Rave.
David deu ombro.
— Depende da última vontade do falecido, se ele quiser que em seu velório aja uma festa — disse e Felipe riu. Uma senhora que andava ao seu lado, o olhou com censura.
Felipe a encarou com ódio, a fazendo desviar seu olhar para ele, incomodada.
— Esses velhos... se intrometem demais — murmurou com rispidez para David que abafou uma risada.
— Relaxa, a coitada tá no bico do corvo, deixa ela se sentir.
Todos chegaram à entrada do cemitério. O carro descia até chegar no centro de uma tenda grande.
Alguns homens se reuniram e tiraram o caixão do carro funerário, e três em cada lado do caixão seguraram nas orlas e foi carregando por um corredor ladeado por fileiras de túmulos.
Lucas chorava em silêncio, a medida que o caixão de seu pai chegava a cova aberta, onde o coveiro esperava para fazer seu sepultamento.
— Está chegando ao fim... — murmurou Lucas, sentindo a dor da separação crescer mais e mais. — Sei que ele já se foi, mas vê-lo ser enterrado dá uma agonia que... nossa não sei se vou conseguir suportar!
O senhor Olavo segurou sua mão com força.
— Lembre-se das palavras do padre Lucas, é apenas o recomeço... a nossa carne volta ao pó, dela fomos tirado e dela temos que voltar... mas a sua alma viverá eternamente.
Lucas o olhou com desamparo.
— O senhor.... realmente acredita nisso, nesse negócio de vida eterna?
O senhor Olavo sorriu e confirmou.
— Sim, acredito, e tive experiências em vida de que isso é real Lucas.
Lucas ficou surpreso.
— O senhor... — ele parou de prosseguir quando um grupo de senhores e senhoras a sua frente parou. Lucas desviou sua atenção do senhor Olavo à sua frente. Haviam chegado ao local do sepultamento.
O coveiro junto com dois funcionários instruíram os homens a por o caixão ao lado da cova, e se afastaram, abrindo um espaço para Lucas e sua mãe se aproximar do caixão que ia sendo preso a cordas.
Lucas não soltou da mão do senhor Olavo e o levou junto. David e Felipe andavam por cima dos túmulos enquanto uns olhavam com indignação pelas atitudes dos jovens que não se importavam.
— Filho chegou a hora — sua mãe apertou seu ombro, dando a ele uma rosa, enquanto o caixão era levantado e cuidadosamente abaixado dentro do buraco.
Lucas segurou firme a emoção e jogou a rosa, caindo na madeira, e o coveiro pediu licença a eles, e começou a tampar o caixão por uma fina parede de cimento.
Lucas abraçou sua mãe com força, e o senhor Olavo uniu seu abraço entornos deles, e os três saíram.
David e Felipe se afastavam andando por cima dos túmulos, ao ver Lucas voltando.
— É ele deve estar bem arrasado... — comentou Felipe, e derrubou um vaso de cima de um túmulo.
— Cuidado para não acordar os mortos, hem? — advertiu David num tom de zombaria.
— Não devemos brincar com isso David — censurou Felipe, engolindo a risada.
David o empurrou e Felipe pulou uma imagem de uma santa.
— Nossa essa foi por pouco hem? — riu surpreso.
— David você quer parar com isso — irritou Felipe, e David desviou seu olhar, quando recebeu um tropicão de Felipe, desequilibrando e metendo o joelho numa lápide, quebrando o vidro da moldura de uma fotografia de uma senhora.
Felipe não aguentou e riu.
— Sete anos de azar e de brinde a visita do fantasma da velha te cobrando.
David massageou o joelho.
— Vai se lascar Felipe.
Os dois deram a volta do outro lado, observando de longe o sr. Olavo, Lucas e Melinda retornando.
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