A visão
Deitado em sua cama, com a cara afundada no seu travesseiro, Lucas chorava. Era um choro silencioso, para que não fosse visto chamando atenção dos empregados ou de mais alguém que passasse pelo corredor e ouvissem seus soluços. Já fazia muitos minutos que estava ali, solitário, sozinho e arrasado pelo que acontecera com seu pai. Afastou o rosto do travesseiro molhado por suas lágrimas e baba quando ouviu a porta se abrir, e irritado se virou em direção à porta e seu invasor.
— EU NÃO QUERO RECEBER NINGUÉM! — despejou sua raiva no senhor Olavo que acabara de abrir a porta, e impressionado olhava ele naquela situação drástica. Lucas se sobressaltou, se recompondo imediatamente e sentando na beira da cama tratou de se desculpar. — Me desculpe senhor Olavo, eu pensei que fosse outro... — explicou envergonhado e limpando o rosto com a camisa.
O senhor Olavo estava preocupado, e mesmo não sendo convidado entrou e fechou a porta lentamente.
— Meu anjo de luz — apoiou um joelho no chão, segurando suas mãos crispadas. Lucas fungava, tentando engolir o choro, e se acalmar. Já estava sendo muito difícil para ele suportar tudo aquilo que veio como uma tempestade sobre sua cabeça. A tristeza e desilusão que tivera com Felipe... a arrogância de David... e agora o pior de tudo, a morte de seu pai num acidente de carro na estrada.
— Nada não, eu só estava lembrando-se de algumas lembranças que vivi todo esse tempo com meu pai... — revelou-lhe, ocultando metade da razão de seu sofrimento. Não tencionara contar sobre seus sentimentos a ele... se nem a seu pai ele teve coragem de contar, e agora jamais teria essa oportunidade.
— Isso é doloroso Lucas, eu sei que é, mas quero que fique firme, logo isso vai passar — respondeu ele, fazendo um carinho em seu rosto com a costa da mão.
Lucas sentiu o rosto arder como brasa, e o olhar do senhor Olavo estavam penetrantes, como duas perolas negras brilhantes.
— Eu... eu... agradeço por você se me entender, em me apoiar... — e sentiu vontade de abraça-lo e o fez, e o senhor Olavo apertou-o sobre seu tronco, e Lucas aconchegou seu lado da cabeça no seu ombro, sentindo-se protegido, amparado e seguro... não estava mais querendo sair dali, e nem queria saber se o senhor Olavo estava sentindo dores por apoia-lo naquela posição por tanto tempo. Lucas não sabia explicar, mas o corpo do senhor Olavo estava quente demais e aconchegante para sair. Sentiu-se sendo carregado por ele, em seu colo, e de olhos fechados, sem força para abri-los, sem entender o porquê achou curioso quando ouviu a voz solene, pura, mansa do senhor Olavo cantando uma canção que não conhecia, muito menos o idioma em que ele cantava. Só sabia que a canção estava penetrando fundo em seus sentidos, invadindo a sua alma, tocando em seu coração, lhe dando uma paz nunca antes sentida. O medo e a solidão estavam sendo extraído, como se a música as obrigassem a sair, e tudo ficou calmo, leve, e Lucas adormeceu.
"Onde estou?" Lucas estava no meio de um imenso campo de flores. Miosótis e Girassóis preenchia o ambiente no qual ele se encontrava, de trajes limpos, e de um tecido deslumbrante, que resplandecia um dourado-prata, e estava descalço.
Caminhava pelas flores que se agitavam por causa de uma brisa refrescante, um sopro calmo, ameno e tranquilizador. Escutava a sua frente um burburinho de água corrente, especificamente em queda. Foi a sua direção, curioso e se deparou com uma rocha grande, atrás dela, uma pequena mina. A poça de água era límpida e era possível ver no fundo dela uma luz forte. Era como se um fogo estivesse ali debaixo daquele recinto formigando.
Lucas achou aquilo fascinante, e se ajoelhou a borda de terra para espiar mais de perto, quando num descuido escorregou para dentro, mergulhando para o fundo, e começara a ser puxado em direção aquela bola de luz.
Alguém o agarrara pelo braço, e o puxara para a superfície, e tirado para fora da água. Deitado de costas no gramado, ele respirava ofegante, e uma sombra o cobriu, e ajustando o seu campo visual descobriu de quem era a sombra.
"Você não pode encostar naquela luz" avisou David com os mesmos trajes que Lucas estava usando, também estava descalço.
"Mas ela era linda, e tranquilizadora" retrucou Lucas e sentou.
David sentou ao seu lado.
"Prometa-me que não vai tocá-la Lucas, por favor, isso é muito importante para mim" pediu ele.
"Mas porque eu não posso?" queria saber.
"Se você tocá-la... eu..." ele sumiu antes de concluir. Lucas se levantou assustado, gritando por David e correu a volta.
Corria com toda sua força, procurando por David, mas ele não se encontrava em lugar algum, e à medida que ele corria, e olhava para trás, deixava um rastro seco e sem vida das flores outrora lindas e perfeitas, e no seu lugar crescia um espinheiro.
Lucas não entendia o que estava acontecendo, e agora não corria apenas a procura de David, e sim para que o espinheiro não o pegasse.
"Eu não quero isso, por favor, me deixe em paz" implorava ele, aos prantos, quando tropeçou e não tentou mais se levantar, pois sabia que não daria tempo e...
— Lucas... LUCAS! — ele despertou numa cama de casal, totalmente encharcado de suor. A voz que o despertara era conhecida.
— Mãe?... Onde estou, cadê os espinhos? — perguntou atordoado.
— Acalme-se querido, você teve um sonho... está tudo bem agora, relaxa, meu amor...
Lucas tentou por as ideias em ordem na mente perturbada e confusa.
— Eu estava no meu quarto... — se recordava. — O senhor Olavo foi me ver... depois eu adormeci ouvindo uma música que ele entoava... o que realmente aconteceu mãe... o papai ele está mesmo... morto?
O olhar da sua mãe não precisou nem de resposta, e ele afundou o corpo entre as almofadas da cama, tão pesado quanto uma pedra.
— Filho, eu lamento muito... eu... — começava sua mãe, mas Lucas virou de lado na cama.
— Ele não queria que eu ficasse aqui nessa casa... ele estava preocupado e muito bravo comigo... — murmurava.
— Não foi culpa sua meu amor, eu deveria ter avisado ele antes, desculpe-me... — disse ela, parecendo culpada.
Lucas se virou para ela.
—Porque ele não queria que eu ficasse aqui mãe?
Ela estalou os olhos.
— Não sei meu filho... eu não sei...
Lucas observou a sua estranha reação e seu modo de responder, e não se convenceu na sua resposta, mas antes que pudesse pressioná-la mais, a porta se abriu e ele se surpreendeu com a aparição de David.
— Oi... será que posso entrar? — ele ficou na vão da porta olhando para ele, esperando sua permissão. A mãe de Lucas se levantou aliviada, e Lucas sentou na cama.
— Eu vou sair e deixa-los a sós, por favor, não se exalte amor — disse ela, e David lhe deu passagem para sair.
— Lucas eu vim aqui para...
— Não quero seu consolo David, por favor... sua voz me machuca mais ainda.
David adentrou e fechou a porta levemente.
— Eu soube do que aconteceu com seu pai... eu só lamento de verdade, juro, queria que me perdoasse pelo que aconteceu horas atrás, na piscina.
Lucas abraçou os joelhos.
— Não importa aquilo, eu já deveria saber que minha presença aqui não significa nada para ninguém... — respondeu tristemente. — Ao menos seus pais gostam de mim.
David sentou na beira da cama.
— Eu também gosto de você, é sério, eu disse aquilo porque... — Lucas olhou para ele. — Eu só queria por você contra o Felipe... eu conheço ele e sei que ele já percebeu que rolou alguma coisa entre eu e você.
Lucas pareceu confuso.
— Como assim?
David suspirou.
— O Felipe é muito esperto e sei que ele tem inveja de mim, sempre quis me superar em tudo, nos esportes, em quem pegava mais mulheres nas festas... e acho que não é diferente o que ele quer fazer com você.
Lucas ficou surpreso.
— Então ele não estava sendo sincero comigo... — respondeu mais para si mesmo que para David, mas disse numa altura suficiente que pudesse ser ouvido.
— Não sei o que ele disse, ou o que ele tem tentado fazer, mas você tem que me escutar Lucas, por favor, você não pode se envolver comigo e com meus amigos, você não merece sofrer... sinceramente não somos o que se pode dizer de uma boa companhia.
Lucas o ouviu e percebeu que era verdade. Infelizmente.
— Por um breve momento eu pensei que poderia sim... — disse entristecido, e secou uma lágrima com a mão. — Eu estava me deixando convencer que o Felipe era alguém legal... quero dizer, ele deve ser, mas do jeito dele, diferente do que eu quero para mim.
David olhou para ele, surpreso.
— Você se apaixonou por ele? — Lucas ficou em silêncio. Abraçou mais forte os joelhos evitando olhar para ele. — Você não vai responder?
Lucas suspirou.
— David, meu pai faleceu... e estamos discutindo sobre o Felipe?
Ele se tocou e pareceu sem graça.
— Verdade, eu... desculpe-me Lucas, eu vou descer agora, se precisar de mim, ou se quiser que eu faça algo, por favor, me mande chamar.
E Lucas não se virou e apenas ouviu seus passos atrás, e ele fechando a porta do quarto onde ele ficaria chorando por mais algum tempo.
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