3. É sempre bom colocar uma vassoura atrás da porta para evitar visitas indesejadas
Li Yue fazia ao menos uma refeição por dia, mas não tinha ânimo para mais que isso. Tomava poucos banhos e não trocava de roupa, continuava usando os mesmos robes para dormir. No entanto, as criadas viam como uma grande evolução porque ele voltou a ganhar carne nas bochechas e seus olhos não estavam mais fundos, porém o rosto continuava vermelho e inchado dos choros noturnos. Seu companheiro fiel era o jarro de vinho, apesar de não ser muito efetivo.
— O senhor não está autorizado a entrar! Por favor, senhor! — Li Yue ouviu a voz de Ming Yi no pátio.
As portas foram abertas e na entrada surgiu ele. Sim, ele mesmo.
O rosto jovem e bonito com olhos cristalinos, cabelos finos e escuros como penas de corvos, pele de jade e esbeltas pernas. O cultivador entrou sem ser convidado, a fragrância de jasmim invadiu o cômodo com sua brisa, o cabelo preso em um alto rabo de cavalo destacava suas feições delicadas, os robes azuis claros e suaves como o céu de outono feitos da mais pura seda e no cinto um belo pingente de jade e ouro presente do próprio imperador.
— O senhor não pode entrar! — Ming Yi e Mo Qin pararam na frente do rapaz, exatamente entre ele e Li Yue.
O cultivador apenas as ignorou e continuou andando.
— Li Yue — disse assim que parou na frente do bruxo que tomava o desjejum na mesa da sala.
— O senhor não pode chamar Sua Graça desse jeito — Mo Qin falou irritada com os punhos cerrados.
— Senhor, por favor, vá embora... — Ming Yi pediu com a voz trêmula.
Era como se as duas criadas não existissem para o cultivador, Mo Qin parecia pronta para socar alguém e Ming Yi parecia prestes a chorar.
Li Yue ergueu a mão e elas ficaram em silêncio de imediato, ele terminou de engolir o congee e limpou a boca com um guardanapo. As criadas limparam a mesa e deixaram a sala só para os dois.
— Você já deve imaginar o porquê eu vir aqui. — Gu Fei falou.
Ele observou a atual imperatriz: olhos fundos, rosto macilento, o cabelo bagunçado de quem acabou de acordar e o forte cheiro de álcool. Suas roupas ainda eram de dormir e provavelmente não tomou banho esses dias. Uma imagem patética. Esse era mesmo o tal Luar Branco e Gentil Brisa Noturna?
Os dois homens eram o oposto um do outro. Gu Fei cintilava em orgulho enquanto Li Yue afundava em autopiedade. O cultivador mais jovem quase teve pena, mas sentiu que estava fazendo um favor ao acelerar e esclarecer as coisas.
— Você está dificultando a vida do imperador.
O Ex-Luar Branco não respondeu, o que era bom. Gu Fei continuou:
— O imperador sofre muitas intempéries e não pode perder tempo com problemas triviais. Seu comportamento o atrapalha e você o prende com suas ameaças infantis.
Infantil? Li Yue pensou, esse moleque estava chamando-o de infantil?
— O imperador poderia ter maior qualidade de tempo, se não fosse por você.
Li Yue gostaria de saber que tempo ele estava tomando de He Ruocheng, pois o próprio só se dignava a vê-lo poucas vezes no ano. Já ficaram mais de cem dias sem sequer olhar um na cara do outro morando no mesmo palácio.
— Você se recusa a cooperar com Vossa Majestade e o atrasa. Não acha que está sendo egoísta? Está impedindo o desenvolvimento do país.
Agora Li Yue era uma ameaça nacional.
— É claro que deve ser difícil para você desapegar do passado e das suas lembranças, mas isso não está levando ninguém a lugar nenhum. Você está aqui nesta parte do palácio há quanto tempo? Três anos? Quatro?
Há bastante tempo.
— Totalmente isolado e descartado. O imperador não ama mais você. Foi esquecido. Seu poder está apenas no papel e ao invés de facilitar a vida de todo mundo, fica colocando mais e mais obstáculos. Não seria mais fácil pedir o divórcio e seguir com o que resta da sua vida?
Não gostou dessas últimas palavras.
Gu Fei via o estado patético do outro e como ele nem sequer se defendia, ficando cada vez mais para baixo. Suas palavras tornaram-se mais venenosas:
— Não seria melhor para você simplesmente deixar tudo para trás ao invés de perseguir um homem que somente o suporta? Olhe para este lugar, esses são os aposentos de uma imperatriz amada pelo imperador? As pessoas estão com pena de você.
Esse palácio era muito simples, sem qualquer adorno e a imperatriz tinha somente duas criadas para servi-lo. Não havia celebrações pelo seu aniversário ou qualquer banquete em sua homenagem, também não recebia nenhum presente do imperador ou das visitas. Ninguém vinha visitá-lo, afinal de contas.
— Por que manter o imperador preso com suas ameaças? Desistir da sua parte do tesouro seria o melhor, dizem por aí que você tem grandes habilidades, apesar de ninguém ter as visto. Vim aqui alertá-lo.
Os grandes olhos cinzentos de Li Yue foram para o pingente de jade na cintura de Gu Fei que percebeu e soltou um risinho:
— Lindo, não é? O próprio imperador mandou esculpir especialmente para mim. Um excelente e único trabalho. Ele tem um gêmeo. Pergunto-me o que ele fez com o que usava anteriormente? Era uma coisinha tão feia e rústica. Ah, ele jogou fora no rio quando fizemos cultivo duplo pela primeira vez, mas não se preocupe.
O peito de Liu Yue doeu, seus olhos transbordaram mágoa. O pingente de jade anterior que o imperador usava foi um presente que Li Yue passou noites esculpindo e refinando. Era o símbolo do laço que compartilhavam e da promessa de ficarem juntos para todo o sempre, no entanto He Ruocheng descartou-o assim como todas as palavras que jurou para Li Yue.
Gu Fei viu o rosto do outro encher-se de tristeza e ficou satisfeito. Li Yue era realmente alguém fácil de se quebrar, não merecia os títulos que tinha. Decidiu avançar:
— Senti pena de você, por isso recuperei o jade. — Tirou de dentro da manga o pingente e jogou-o sobre a mesa como se não valesse nada. Era um jade barato afinal.
O jovem cultivador tinha uma expressão de vitória.
— O próprio imperador não tem mais qualquer tipo de sentimento em relação a você, não seria mais fácil desaparecer e facilitar a vida de todo mundo?
Toda a expressão de Li Yue era dor, Gu Fei não havia contado nenhuma novidade, mas atingia-o mesmo assim.
O jovem cultivador viu que Li Yue estava na beira do abismo, praticamente derrotado, ele não passava de um fantasma no império e na corte. Cabisbaixo, arruinado e decadente. O tempo dele havia passado, não era sequer a sombra de si mesmo. Gu Fei sorriu satisfeito.
— É melhor deixar as pessoas certas ficarem ao lado do imperador. — Havia ganhado. — Não fique triste por ouvir a verdade. É difícil para um homem saudável como o imperador se contentar com alguém que é como uma tábua na cama.
O Ex-Luar Branco estava para desmoronar. Jurou que ele choraria.
— Talvez esse seja o grande motivo, ele achou em mim o que a esposa não faz.
Gu Fei fez um som satisfeito com a garganta vendo o outro totalmente humilhado.
Li Yue abriu a boca pela primeira vez:
— Você se acha muito especial, não é?
Gu Fei ficou sem reação, não esperava que o outro lhe respondesse depois de tudo. A expressão do Ex-Luar Branco mudou de dor para puro desprezo tão rápido que Gu Fei não conseguiu acompanhar:
— Pensa que é o primeiro que He Ruocheng tem interesse? Pensa que é o único e verdadeiro amor dele? Você só é mais um de uma longa lista.
— Estamos juntos há três anos.
— Pfff! Grande coisa. Ele está com você há três anos e há cinco com muitos outros. Só porque conseguiu uma posição na corte acha que é importante? Logo ele se cansa e lhe troca por uma versão mais jovem e bonita.
— Como aconteceu com você? — retorquiu.
— Mas eu casei. O que acontece se ele decidir lhe largar de repente? Porém, você sabe disso e por isso veio aqui me convencer a deixar o caminho liberado para ambos irem cavalgando para o pôr-do-sol. Só que não vai acontecer.
— Você está atrapalhando o imperador.
— E você é de grande ajuda para quê exatamente? Não lembro de você na guerra. A única coisa que você faz é andar para cima e para baixo fingindo ser importante.
Gu Fei ficou profundamente indignado. No momento, ele tinha muito mais poder político do que aquela imperatriz velha, amarga e decadente.
— Quem pensa que é?! Ninguém se importa se você vive ou morre na corte. Nem mesmo o cozinheiro lhe obedece!
Li Yue ficou de pé, seus olhos carregavam uma enorme intenção assassina.
— Quem você pensa que é? — Cuspiu. — Veio aqui tentar me intimidar e me humilhar, logo eu que ajudei a derrotar o Imperador Demoníaco e fiz meu nome no Jianghu antes dos vinte anos! Pensa que pode me assustar? Pensa que é melhor do que eu? Um moleque cujo o único mérito na vida foi ficar de quatro para o cultivador certo.
— O quê?! — Gu Fei ficou muito ofendido.
— Está triste por ouvir a verdade? — zombou.
O rosto do jovem cultivador ficou vermelho de raiva, ele levou a mão ao punho da espada e estava prestes a sacá-la:
— Você não pode... — Algo atingiu sua bochecha esquerda com força e velocidade.
Só sentiu quando o vulto saiu da sua bochecha, a dor era latejante e aguda, então percebeu que Li Yue segurava um fino cilindro flexível de bambu. Ele tinha estapeado-o com uma vara de tirar teias de aranha!
— Está na hora de alguém colocá-lo no seu lugar — Li Yue estava de pé próximo dele. — Para uma putinha, anda muito arrogante.
— Você que é uma concubina descarta-
Levou outro golpe da vara, desta vez na bochecha direita. Gu Fei segurou o rosto ferido sem acreditar na ousadia daquela concubina amarga. Estava boquiaberto, então sentiu o sangue escorrer pelo golpe na bochecha esquerda.
— Você vai pagar por isso! — Puxou a espada.
Ele avançou com um golpe perfurante, Li Yue desviou rapidamente e chicoteou a vara nas coxas de Gu Fei que ficou ainda mais irritado. O queridinho do imperador era um bom cultivador, melhor do que a maioria, mas ele não conseguiu acertar nenhum golpe, Li Yue era mais rápido todas as vezes. Toda vez que Gu Fei errava, ele era atingido de forma impiedosa pela vareta. Era como se Li Yue estivesse fazendo troça de suas habilidades.
— Você devia continuar de quatro para cultivadores mais velhos, é a única coisa que tem talento — falou assim que atingiu-o na nuca. A vareta fez até uma curva. Ela cortava o ar com um som alto.
— Velho maldito!
Avançou novamente, mas com dois golpes rápidos de Li Yue no seu pulso, foi desarmado e a espada voou para longe, cravando-se na parede. A vareta foi apontada para o seu olho. O Ex-Luar Branco não gastou sequer uma gota de suor com ele.
— Vai me matar? — desafiou. — O imperador não ficará feliz.
— Vá embora e não volte mais. — Acenou. — Anda.
Li Yue abaixou a vareta e Gu Fei virou-se para partir, no entanto, no último instante, ele fez um selo com a mão e sua espada voltou. Ele girou para atingir Li Yue de surpresa.
Não deu certo.
Li Yue interceptou o golpe e desarmou-o novamente. A espada voou para longe mais uma vez e cravou-se no chão. O Ex-Luar Branco pegou Gu Fei pelo rabo de cavalo, bateu atrás de seus joelhos com a vareta e fez-o cair.
Puxou-o pelos cabelos para trás, expondo o rosto contorcido em dor. Bateu nas bochechas dele diversas vezes com a vara. Os gritos de Gu Fei enchiam o palácio tal qual seu perfume de jasmim.
— Pare! Pare! Pare!
Deu o derradeiro golpe que fez a vara arrebentar em pedacinhos que feriram a bochecha macia dele. Li Yue jogou o resto do bambu fora e puxou o pingente de jade que o amante carregava no cinto. Gu Fei ainda gritava de dor quando Li Yue enfiou o acessório na sua boca.
— Gosta tanto desse jade? Por que não fica com ele para sempre então?
Li Yue empurrou o jade para o fundo da garganta de Gu Fei e em seguida tampou sua boca com força para que ele não tivesse outra alternativa a não ser engolir.
— Coisinhas como você vêm e vão toda hora — Li Yue falou e cada uma das suas palavras eram cheias de veneno cruel. Olhando-o de cima, ele parecia muito maior que Gu Fei. — Eu fiquei com ele por quinze anos e ficarei por outros mil. Não porque o amo, mas para vocês jamais terem o que querem. Relegue-se ao seu lugar, Gu Fei. Nunca será nada a mais do que alguém que ele gosta de brincar.
Os olhos de Gu Fei ficaram aterrorizados ao perceber que engoliu o pingente e não tinha mais como cuspir-lo. Li Yue era um completo louco e Gu Fei não sabia mais se sua vida estava a salvo. A imperatriz não parecia ter vontade de deixá-lo ir. Como ele pôde fazer isso?! Como ousou levantar a mão para ele e ainda humilhá-lo dessa forma?! Todos os loucos são corajosos.
— O imperador saberá disso! — falou segurando a garganta doída e lagrimando pelo esforço.
Levantou-se para correr para longe dali.
— Isso não ficará assim!
— Isso, isso mesmo! Vá e conte! Assim quando ele vier tirar satisfações, eu bato em você e nele!
Gu Fei saiu aturdido do palácio da imperatriz esquecendo a própria espada.
Li Yue foi até ela e pisou com energia espiritual. O metal partiu em diversos pedaços. Cansado mentalmente, sentou-se no chão entre os escombros dos móveis. As criadas saíram correndo da cozinha preocupadas.
— Sua Graça! Sua Graça! — Ming Yi aproximou-se para colocá-lo de pé.
Li Yue acenou dizendo que não precisava e não pretendia levantar. Apoiou os braços nos joelhos.
— Sinto muito, Ming Yi. Quebrei sua vareta de limpeza.
— Não tem problema, Sua Graça. O senhor está bem?
O estômago de Li Yue grunhiu.
— Estou com fome.
— É claro que Sua Graça está com fome depois de ensinar uma lição para aquela fada atrevida. — Mo Qin recolhia os pedaços de um vaso quebrado.
— Não fale assim de Mestre Fei! — Ming Yi pediu temerosa.
— Você também não gosta dele! Esqueceu do que ele mandou fazer?! Ele acha que tem um rei na barriga! — Mo Qin estava irritada há bastante tempo com as atitudes arrogantes de Gu Fei. — A surra foi muito bem feita! Espero que doa muito para o pingente sair. O que Sua Graça quer comer neste dia especial? Basta pedir e terá.
— Vamos comer bolinhos de osmanthus. Não precisam limpar isso, apenas façam os bolinhos e cuidaremos disso depois.
Mo Qin acenou com um sorriso e indicou Ming Yi para seguir-lá.
O que acharam do capítulo? O que esperam a seguir? Deixem seus comentários, teorias, críticas e elogios!
Obrigado por lerem.
Bjinhus!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top