Capítulo Único

Conto criado pro desafio RomanceLP
Espero que gostem ^^


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Na primeira série, a professora de Carina vivia elogiando-a, dizendo o quanto era inteligente e teria um futuro brilhante, assim como seus parentes e os amigos da família. Agora, ela culpava a todos eles por terem deixado que desenvolvesse um ego tão grande.

Se não fosse tão obcecada por provar que superstições eram algo idiota, jamais teria comprado o gato preto, ou quebrado aquele espelho, sete anos atrás. Talvez nem tivesse aquela mania de guardar as vassouras atrás da porta, o que, segundo a avó, servia para espantar as visitas.

Era lá que seus materiais de limpeza estavam quando Carina o vira pela última vez, ele trouxera a sexta péssima notícia dos últimos anos.

A moça sentia que o destino estava zombando dela, fazendo-a pagar por todas as vezes que rira da avó, da mãe e das tias por jogar sal por cima dos ombros. Fora a tia Marta quem pedira à Carina de dezessete anos para tomar cuidado com o espelho do estojo de maquiagem. "Dá sete anos de azar" ela dissera, só para ver a sobrinha desgrudar o espelho do estojo e o arremessar no chão.

Fora uma atitude idiota até para os padrões de Carina, ela se desculpou com a tia e limpou os cacos.

Quando as coisas começaram a dar errado, Carina se perguntou se as duas coisas poderiam estar relacionadas, algo que jamais passara por sua cabeça antes, afinal superstições eram bobagem.

No primeiro ano, o colégio onde estudava pegou fogo.

No segundo, teve que se mudar de cidade porque o ex-namorado era um stalker maluco.

No terceiro, a avó morreu.

No quarto, o ex-namorado a encontrou e foi preso depois de invadir a república onde ela morava.

No quinto, conheceu William, mas tiveram a maior briga de todos os tempos e ficaram seis meses sem se falar.

No sexto, ele apareceu no apartamento dela e disse que tinha recebido uma intimação, estava indo para a guerra.

No sétimo, tudo parecia dar errado.

O ano começara com a morte da mãe. Depois seu gato, Harry, - o gato preto que comprara na adolescência para irritar a mãe - tinha ficado doente, Carina amava o bichinho e gastou metade do seu salário do mês para vê-lo bem. Cinco meses atrás, fora chamada para conversar com o diretor da universidade e dessa vez não tinha nada a ver com suas boas notas, ele queria informá-la que sua bolsa de estudos tinha sido cancelada e precisaria pagar a mensalidade integralmente. Por último, a menos de dois meses, tinha falado com ele pela última vez.

Era bem cedo, ela tinha levantado rápido ao ouvir o celular tocando, feliz por ver o nome dele na tela do aparelho.

Seu sorriso só aumentara ao ver o rosto brincalhão de William. O cabelo castanho estava crescendo e ele tinha uma nova cicatriz do lado esquerdo do rosto. Ela estava tão feliz em vê-lo que nem mencionou, perguntou como estava, se precisava de alguma coisa, se estava se alimentando direito.

Ainda que fosse grossa e irritada na maior parte do tempo com as outras pessoas, ela parecia outra pessoa com ele, alguém mais feliz e centrada. Ele era o que lhe dava equilíbrio. Era o único que a inspirava a ser uma pessoa melhor mesmo quando não sabia que precisava.

-Eu sinto tanto a sua falta, Will - ela disse, o sorriso sumindo aos poucos e sendo substituído por uma careta magoada.

-Eu também sinto a sua, Carina. - ele dissera. - São só mais uns meses. Tenho certeza que você consegue aguentar e, se não conseguir, cola minha foto em um travesseiro.

-Você é tão tonto - ela rira. Ele a fizera esquecer completamente da tristeza de segundos atrás, mesmo que só por alguns minutos. E ele era a pessoa cercada por violência e morte. Ela não o merecia, certo?

-Um tonto que você ama - ele mandara um beijo para a câmera. - Ei, Cari, você sabe aquela pulseira que te dei antes de vir pra cá?

-Sei sim.

-Você acha que tem como... - eles ouviram um estrondo no fundo, Will olhou para trás e Carina se mexeu debaixo das cobertas, preocupada. - Tenho que ir. Depois a gente se fala mais, ok?

E, desde então, ela não tivera mais notícias do namorado. Nenhuma ligação, nenhum email. As pessoas com quem tentaram falar diziam que não sabiam de nada ou que não estavam autorizados a falar.

Ela vivera os últimos meses em ansiedade e angústia, olhando para o celular constantemente e checando sites de notícias três ou quatro vezes por dia.

E, para piorar, não conseguia achar a bendita pulseira. Ela via toda a coisa do espelho e da superstição como uma brincadeira, um jeito de explicar por que tudo estava dando errado, mas quando não encontrou a joia em sua penteadeira, se convenceu de que alguma força superior do universo estava mesmo rindo dela.

A pulseira fora presente de casamento do avô de Will para a avó dele, depois de terem fugido da Bélgica por causa da desaprovação de suas famílias. O rapaz jamais a perdoaria por perder o objeto. Carina já tinha revirado a casa toda, tinha até se pegado perguntando para o gato onde mais poderia procurar.

Era o melhor e mais bonito presente que ele lhe dera, cheio de significado e amor. Um símbolo da conexão entre eles. Carina não sabia se voltaria a ver William e, só de pensar nisso, sentia vontade de chorar e se amaldiçoava por ter perdido a pulseira.

Ela não conseguia nem imaginar uma pessoa mais azarada que ela naquele momento. Ok... Conseguia sim, mas aquele fora o pior ano de sua vida e, influenciado por espelhos quebrados ou gatos pretos ou não, só queria que acabasse logo. A situação precisava mudar, nem que ela tivesse que fazer isso por conta própria.

Começaria corrigindo suas atitudes, depois ajudaria os outros, e então... Ela pensaria depois. Agora estava sentada de frente para a escrivaninha, com uma caneta roxa nas mãos e olhando para uma folha em branco de um caderno velho.

Ela batucou com a caneta por alguns segundos antes de começar a escrever rapidamente. No próximo ano ela seria uma pessoa melhor e escreveu ali tudo que desejava mudar ou melhorar em si mesma e o que esperava do próximo ano. Sete anos de azar eram muito.


1- Ser uma pessoa melhor.

2- Não culpar os outros pelos meus problemas.

3- Ser paciente com as pessoas.

4- Dar mais abraços.

5- Falar mais com a minha família.

6- Ajudar quem precisa de verdade.

7- Passar mais tempo me cuidando.

8- Respeitar a opinião dos outros.

9- Ter mais tempo para descansar.

10- Viajar com o Will.

11- Descobrir se vamos nos casar logo. Espero que sim.

12- Não brigar com ninguém organizando o casamento.

13- Ser feliz.


Carina soltou uma gargalhada curta ao perceber que sua lista de desejos tinha exatos treze itens. Era o número do azar, mas ela estava usando para algo bom, o universo precisava deixar essa passar.

O celular acendeu ao lado do caderno, mostrando uma mensagem da tia Marta. "Carina, os meninos vão me levar pra passar o fim de ano na praia. Sei que você tá apertada com a faculdade, mas é mais do que bem-vinda pra passar as festas com a gente".

A moça encarou a tela por alguns minutos. Agora teria que passar o Natal e o Ano Novo sozinha. A passagem para sua cidade de origem ia caber no orçamento apertado, mas fora isso não tinha dinheiro nem para ir à cidade vizinha, quem dirá para outro estado. Seus primos não podiam dar esse presente para a mãe em outra ocasião?

Ah, lá estava ela, sendo egoísta de novo.

Foi a gota d'água. Ela sentiu uma lágrima brotar e não fez o mínimo esforço para detê-la. Deixou que escorresse e logo vieram os soluços, fortes e curtos. Carina empurrou o caderno para o lado e apoiou a cabeça na mesa. Não se importou em reparar quanto tempo passou assim, chorou pelos últimos sete anos, de saudade da mãe, por vergonha de como agira, por tudo que tinha acontecido.

Quando as lágrimas cessaram, ela ainda se sentia envolta por uma nuvem negra de tristeza e solidão. Continuou com a cabeça escondida entre os braços, sem coragem de se mexer. Ela ouviu um barulho na cozinha e torceu para que Harry não quebrasse mais um prato.

-Nossa, e eu achando que ia te pegar de surpresa falando de casamento - ouviu uma voz conhecida ao seu lado.

Carina levantou a cabeça rapidamente e encarou a parede, viu a silhueta masculina com o canto dos olhos, mas tinha medo de olhar e não ter nada ali. Devagar, ela foi virando o corpo até estar frente a frente com ele, que lia cada item da lista da moça.

Ela pulou da cadeira em direção a ele e o envolveu com os dois braços, apertando-o mais forte do nunca, com medo de que ele fosse desaparecer se o soltasse. Sabia que era um sentimento infundado mas continuou ali, não se afastou quando sentiu as lágrimas voltarem e encharcarem a camisa branca de William.

Carina nunca se sentira tão segura quanto agora, o rapaz passava uma mão por seus cabelos e usava a outra para segurá-la pela cintura, puxando-a cada vez mais para perto de si.

-Eu não acredito que é você mesmo - ela sussurrou.

-Sou eu, sim. Para de chorar, odeio te ver triste - ele falou, olhou um pouco mais para o rosto da namorada e franziu a testa. - O que foi, Cari?

-É só... - Tudo, completou mentalmente. - Estou tão aliviada por te ver. Mal chegou e já está xeretando nas minhas coisas - ela abriu um sorriso fraco que sumiu quando ela se lembrou do comentário dele e da lista. - Will, me desculpa. Eu perdi a pulseira que você me deu. Eu sei que era da sua vó... - ela parou para respirar e tentar se acalmar.

-Não perdeu não - Will limpou as lágrimas do rosto confuso de Carina. - Lembra que o fecho quebrou? A pulseira tá lá na minha casa, Cari.

-Mas... Se... Então por que você perguntou se eu lembrava dela? E por que não me respondeu mais? Eu tava tão preocupada, Will.

-Na verdade, tem a ver com um certo item da sua lista, que achei ótima, aliás - ele sorriu. Deus, como ela sentira falta de ver aquele sorriso de pertinho. - Depois explico. Vamos ter tempo de sobra pra falar sobre isso depois, agora só quero olhar pra você - ele a apertou contra si novamente.

Carina se ergueu na ponta dos pés e o beijou. Não podia acreditar que Will estava ali, junto dela. Novamente, ele fazia toda a tristeza desaparecer, não para sempre, claro, mas dava a Carina forças para enfrentar o que viria pela frente. Ninguém poderia pará-los.

-Parece que a minha sorte está finalmente mudando - ela riu. - Estou tão feliz por te ver.

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