𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗩𝗜𝗜𝗜 - 𝖮 𝖱𝖾𝗂𝗇𝗈 𝖽𝗈𝗌 𝖢𝖾́𝗎𝗌 𝖤𝗌𝗆𝖾𝗋𝖺𝗅𝖽𝖺𝗌.

Ela voava em um grifo marrom. Ao seu lado, aquela mulher, de todos os seus sonhos, também. Dessa vez Eveline se sentia confiante, e não temia a altura que estavam. A mulher também aparentava estar despreocupada, e mais focada em se divertir. Sorrindo, a garota sentiu algo em sua barriga formigar e uma sensação deliciosamente desconhecida a instigou a se aproximar.

Contudo, a paisagem se tornou a mais pura escuridão.

Eveline percebeu que deveria começar a se acostumar logo, com a movimentação fora da casa de Thomas. Já era a segunda vez que despertava com as conversas, que entravam pela janela.

Ela girou na cama, sentindo um colchão muito mais confortável embaixo de si, isso ocasionou em seu cérebro pensar mirabolantemente na noite anterior. Ela não lembrava de ter trocado nada em seu quarto. Na verdade, ela só recordava de seu sonho maluco em que ia para um mundo mágico.

Eveline girou novamente, sentido a coberta descobrir seus pés, e sua camisola enroscar em suas pernas. O vento frio fez cócegas em suas panturrilhas. Remexendo para se cobrir, notou que o tecido era muito mais pesado para ser sua camisola.

Seus olhos abriram. Por um segundo visualizou, de forma borrada, a janela larga de seu antigo quarto. Um sufoco atingiu sua garganta, como se os dois dias morando com Thomas tivessem sido apenas um sonho. Todavia, assim que a janela pegou forma, Eveline, percebeu que, não se tratava de seu antigo quarto, ou da casa de Thomas, afinal, nenhuma das opções lhe dava visão de uma montanha pedregosa.

A garota se ergueu na cama, vendo que, realmente, não estava de camisola, muito menos em casa. Olhou ao redor, enxergando um homem, de cabelos longos e brancos, estirado numa cadeira. Os olhos estavam fechados, e a boca levemente aberta, como se estivesse roncando há poucos minutos, as pernas estavam abertas, uma mão segurava seu rosto e a outra estava jogada além do braço da cadeira.

Uma melancolia correu por seu corpo, assim que entendeu. Tudo, exatamente tudo, aconteceu, e nada poderia ser feito. Claro, a alternativa de ir embora, veio em sua mente, mas a sensação de passar o portal...

A recordação da caverna brilhou em sua mente, assim como os olhos de Leander nela. Sem enrolação, percebeu que havia algo diferente em si, e que Leander havia notado no dia anterior.

Avistando um espelho retangular na parede atrás do homem, ela se levantou e andou até o objeto sem encará-lo, estava muito apavorada com o que veria para fazer tal ato.

Seu coração acelerou.

Mordendo os lábios, ergueu o olhar.

Sua boca abriu, ou melhor, escancarou diante do que via.

Meu santo violino...

Seu cabelo bicolor, agora, estava mais em evidência, sendo um belo platinado na raiz e um castanho escuro nas pontas. O nariz antes reto se tornou levemente mais arrebitado e sua mandíbula estava mais marcada que o normal. Mas o que fechava o pacote de beleza era seus olhos, dois orbes verdes-acinzentados brilhavam de volta para ela.

Havia uma hesitação em seu peito. Era exatamente a mulher de seus sonhos que a encarava de volta. Eveline teve que se movimentar diante o espelho para ter certeza de que se tratava mesmo de um reflexo e não de uma foto ou... Magia... talvez.

Estava prestes a tocar a superfície, quando ouviu um ronco alto. Leander havia deixado sua cabeça tombar para fora da mão, que a segurava. Seus olhos abriram assustados.

Line...

Sua cabeça virou, abruptamente, a procura da garota, levantou claramente apavorado e quando enfim a achou atrás de si só faltou agarrá-la.

Eveline o observava pasma.

Está aí... — O suspirar dele foi audível — Dormiu bem?

Depois de franzir levemente o cenho, voltou a olhar o espelho e notou que sua túnica estava um pouco menor.

— Nem percebi que, havia dormido. — Ela ajeitou os cabelos — Você não parece ter dormido bem.

— Ah... Isso — Olhou a cadeira — Digamos que aqui estava lotado, não queria deitar-me ao seu lado...

Eveline voltou a encará-lo.

— Ainda bem que não fez isso, teria sido espancado antes de acordar... — Seus braços cruzaram e ela percebeu que seus peitos estavam levemente mais fartos que o normal. — Mas não era você o príncipe de... Desse continente? Como não conseguiu mais um quarto?!

— Nunca afirmei nada.

— Ah, para. — A careta de Eveline arrancou uma risada dele.

— Eu consegui uma roupa maior para você, parece que você cresceu um pouco desde a última vez que nos encontramos. — Rindo, ele fez um movimento como se comparasse as alturas, e apontou o vestido pendurado numa arara — Clássico celestiano, vista-se, vou esperá-la no saguão.

Ele se espreguiçou, coçou a cabeça e caminhou até a porta, sumindo a atrás dela depois disto.

Eveline estava dividida em ficar irritada e ficar grata pela generosidade. Mas suas indecisões evaporaram quando ela caminhou até o vestido, seus dedos roçaram-no com receio.

O tecido verde-água era tão leve que fazia a garota achar que a qualquer momento ele desmancharia. Um cinto de ouro se ajustava a cintura, e dele saíam ramos que caíam sobre a saia do vestido e outras subiam decorando o busto e o decote, pouco expositor.

Eveline se olhou no espelho analisando o vestido que caia em seu corpo como se tivesse sido feito para ele. Ela colocou o par de sandálias que descansavam perto da arara. Seus pés se sentiram como se pisassem em duas nuvens. Nunca se sentira tão bela como naquele instante.

Sua mente vagou em possibilidades de comentários que, sua mãe, poderia fazer sobre a sua nova aparência. Nenhuma a agradou muito. Mesmo assim ela tentou sorrir para seu reflexo. Alisando o cabelo bagunçado, começou um penteado simples.

Sua mãe nunca se pronunciara sobre as roupas e acessórios que ela usava, mas algo dizia a Eveline que talvez se Helga a visse, havia muitas chances de ela pelo menos esbouçar uma expressão diferente do rosto rabugento de sempre. Por que sua mãe era tópico de seus pensamentos, agora? Estava a tanto tempo fora de casa assim, para estar com saudade? Ela sabia, mesmo que voltasse Helga seria apenas carrancuda e terminaria de castigá-la.

Eveline bufou irritada, quando sua mãe seria que nem as outras? Talvez nunca.

Bateram à porta.

Line! — Ela não precisou pensar muito para identificar a voz. — Estrelinha! Já está pronta?

Eveline terminou de amarrar seu meio-coque, enquanto caminhava em direção a porta.

Estrelinha, está na hora do...

A porta se abriu, e a boca de Leander escancarou. Seus orbes violetas subiram e desceram pelo corpo da garota, que continuava a segurar a maçaneta.

Eveline tentou sorrir, mas sua barriga roncou dolorosamente.

— Vamos? Estou morrendo de fome.

Leander fechou a boca e abriu espaço para ela passar.

Ela suspirou e deu o primeiro passo ficando exatamente na frente dele. Pronta para continuar, seu coração descompassou bruscamente fazendo-a arregalar os olhos.

— Tudo bem?

Leander se deslocou para o lado para olhá-la nos olhos. Seu coração voltou ao normal.

— S-sim, Vamos...

A hospedaria era maior do que parecia. Descendo dois lances de escadas, do corredor, chegavam no saguão que estava bem movimentado naquela manhã. Havia duas moças uniformizadas de roupas verde-esmeralda e detalhes dourados, ambas tinham asas plumadas que sumiam em duas frestas nas roupas. Uma estava de cabelo trançado e a outra tinha um coque-alto, eram idênticas.

— Olá, eu sou Míra! — Disse a da trança.

— E eu sou Lari! — A do coque sorriu largamente.

Eveline, encantada, observou as duas de pele morena, achando-as elegante.

— Como podemos ajudar!

— Como podemos ajudar!

Disseram uníssono.

— Queremos saber se nossa mesa já está livre para comermos. — Leander sorriu.

Depois de um suspiro maravilhado, Lari olhou algo no balcão.

— Já está sim, Senhor Alaric! — Míra estendeu a mão — Eu levo vocês até lá.

Pronta para sair do balcão, Míra foi impedida por Lari que segurou sua trança firmemente.

— É a minha vez de levá-lo a mesa, Míralin!

— Você sempre vai, Larissa! — A garota tentou se soltar, mas Lari continuou a segurar a trança.

Leander olhava a briga desinteressado, já Eveline estava prestes a entrar em pânico, ninguém fazia nada para interromper as duas que, estavam quase arrancando os cabelos uma da outra.

Eveline deu um passo à frente, quando Leander a interceptou com o braço.

— Vai por mim, caso se intrometa a briga só vai se expandir para você — Disse numa voz baixa.

O confronto piorou, todos no saguão pararam para observar as irmãs que se xingavam e puxavam os cabelos. Tudo por uma mesa.

— Vamos ficar apenas assistindo? — Eveline olhou Leander com receio. — Não podemos fazer algo?

— Tenha calma, isso aqui vai acabar rápido, observe.

Ele olhou para uma das portas atrás do balcão, e foi como se aquela frase tivesse poderes de convocação. A porta do meio abriu e de lá saiu uma coruja, aparentemente irritadiça.

— Calem a boca!

As gêmeas pararam de brigar, Eveline quase caiu de costas e Leander riu com a reação da garota, passando o braço por sua cintura para segurá-la.

— VOCÊS DUAS NÃO CONSEGUEM SE CONTROLAR NÃO?! — A coruja estava sob o balcão — JÁ PERDI AS CONTAS DE QUANTAS VEZES VOCÊS BRIGARAM DURANTE O EXPEDIENTE, SENDO QUE EU JÁ FALEI SOBRE ISSO!

Eveline não sabia se ficava pasma com os gritos, ou com o fato de ser uma coruja gritando.

— E VOCÊS? — Ela olhou para os clientes que passavam olhando. — CUIDEM DE SUAS VIDAS!

Como se algo ruim acontecesse com quem desobedecesse, todos se espalharam pela hospedaria, sobrando apenas Leander e Eveline na frente do balcão.

A coruja pigarreou - o que deixou Eveline pasma, já que ela não sabia que animais tivessem essa capacidade – e olhou para os dois que restaram.

— Desculpe, vossa alteza, sempre tem que assistir esse showzinho infantil das duas — Olho-as de soslaio. — Mas bem, do que precisam?

Eveline limpou a garganta e Leander, mantendo o sorriso, se aproximou.

— Reservei uma mesa para nós. — Ele olhou para a acompanhante e sorriu.

— Tudo bem. — A coruja se virou para as irmãs — Míra, leve-os para a mesa.

A garota riu vitoriosa e saiu pulando de trás do balcão, para levá-los até o local. A gêmea cruzou os braços e bufou, observando sua irmã sair saltitante com os outros dois em seu encalço.

As mesas eram dispostas em um lugar claro e acolhedor, feito completamente de madeira. As janelas eram médias e davam visão para um lindo campo cheio de flores. Leander puxou uma cadeira para ela se sentar, numa mesa perto de uma das janelas.

Com cada um em seu devido lugar, a mesa foi preenchida de bolos, pães, queijos, frutas, e alguns sucos, mas o que chamou atenção de Eveline foi uma jarra com um líquido brilhante.

— Bom — Começou Leander observando a mesa. — Atacar!

Ele pegou uma fatia de bolo, enquanto se servia de uma das bebidas. Eveline apenas o observou, mas não demorou muito para os olhos violetas subirem da comida para ela.

Por... — Ele engoliu o que comia — Por que está me olhando? — Então uma luz se acendeu em sua mente — Quer uma recomendação, mademoiselle? Recomendo esse bolo de lua, os pães de luz e o néctar de Estrela — No último ele apontou para a bebida que Eveline havia se interessado.

Seus olhos verdes vagaram pela mesa, até pegar um bolinho de lua tão branco quanto a neve. Na primeira mordida, olhou Leander surpresa.

Isso — Mastigou maravilhada — Isso é uma delícia!

Estava pasma com a maciez e o sabor... Não havia nada igual aquilo.

Foi interessantemente marcante aquela refeição. Eveline jamais comera tanto como naquela hora. Ela deixou o néctar para o fim, e se agradeceu mentalmente por isso, pois o sabor deveria ficar em sua boca por mais tempo que as outras coisas. Era ácido, porém doce, sem contar que o sabor não poderia, de forma alguma, ser descrito.

A garota recostou na cadeira, exausta. Incrivelmente, seu vestido não ficou apertado, mesmo ela se sentindo estufada.

Leander a observava, com um sorriso enorme no rosto. Parecia estar satisfeito por vê-la saciada. Ele se ajeitou.

— Creio que você está cheia, agora.

— Nunca comi tão bem como agora. — Ela olhou para o teto, pensativa

— No que está pensando?

Eveline o olhou.

— Por que a coruja lhe chamou de "Vossa Alteza"?

Leander prendeu a respiração por breves segundos, antes de se ajeitar e olhar janela afora.

— Ela me considera da realeza.

— Você não é?

— Fui deserdado, a muito tempo. — Seu rosto se contraiu.

— Leander. — O chamado, fez ele a olhá-la — Quantos anos você tem?

Sua boca abriu, mas um ruído fez ambos olharem para a entrada do local. Um vulto branco passou por todas as mesas até chegar em Leander e Eveline.

Ela precisou piscar para poder perceber que o vulto estava do seu lado, ele era uma mulher sorridente de cabelo ruivo e sardas.

— Nathaline! — A garota arrancou Eveline da cadeira para abraçá-la fortemente chacoalhando-a.

Leander se levantou num pulo.

— Lilá, essa não é a... Nathaline.

Eveline sentiu um tom triste vindo dele, o que fez ela encará-lo quanto foi solta.

— Quem... Quem é você? — Questionou-a

— Sou Lilá, mensageira dos ventos! — As asas dela se retraíram — Perdoe-me pela invasão... Cheguei numa hora ruim? — Olhou para o homem.

— Não foi nada, Lilá, chegou numa excelente hora — Ele sorriu — Essa é Eveline.

A de asas sorriu animada e segurou as mãos da garota, que ainda a olhava receosa.

— Tem a mesma terminação, pelas asas de cristais! — Ela fez Eveline dar uma voltinha — Nathaline, Eveline, até são idênticas, Leander você conseguiu...

— Lilá! Acho que está na hora de você dizer o porquê veio correndo. — Leander a olhou como um aviso silencioso.

— Ah, bem... Senhor Harmonarcas espera por vocês no castelo — Ela sorriu — Está ansioso para "Vê-los"

Lilá fez aspas com os dedos, e revirou os olhos. Depois de um suspiro sorriu novamente.

— Aurora e Aegis estão esperando vocês na entrada da hospedaria.

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