𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗩𝗜𝗜 - 𝖠 𝗍𝗋𝖺𝗏𝖾𝗌𝗌𝗂𝖺.

A sensação foi única e, com certeza, traumatizante. Eveline sentiu seus ossos remexendo sob a pele independentemente de sua vontade, um enjoo acertou seu estômago como se pudesse colocar seus órgãos para fora a qualquer instante, sua audição falhou por meio segundo, mas o suficiente para ela pensar que ficaria surda. Para seu alívio, ela sentiu um satisfatório ar entrar com mais facilidade que o normal, quando respirou pela primeira vez ao passar pelo portal.

Eveline teve apenas uma certeza naquele momento: mesmo que dois dias passassem, e o portal se mantivesse aberto, ela jamais voltaria. Sabendo dessa agonia da travessia, ela não cruzaria mais aquele portal nem amarrada.

Seus olhos estavam fechados, e ela pensou que seria bom continuar assim o resto da vida, mas sua curiosidade foi mais perspicaz.

Ela estava de frente para a saída da caverna. Estava igualmente escuro e parecia que nada havia mudado, com duas exceções: Ela se sentia mais alta, e sua visão estava mais definida como se, de alguma forma, ela não enxergasse tudo com perfeição, antes de atravessar.

Seu olhar foi para Leander, que ainda segurava sua mão. Os olhos violetas a encaravam surpreendidos. A boca, levemente, aberta, confirmou que, não tivera apenas duas mudanças naquela travessia.

Seus dedos estavam mais finos e grandes, e as unhas tocavam levemente a mão calejada de Leander.

O que aconteceu comigo? — Sua voz saiu tão baixo que, quase não reparara que o seu timbre estava um pouco mais grave.

Ela olhou para o corpo percebendo que, a túnica, antes enorme, estava apertada e mostrava suas canelas.

Leander....

— Vo-você... Você... — Ele soltou um arzinho pelo nariz rindo, e Eveline observou que seus olhos estavam mais brilhantes que o comum. — Você está magnífica!

Uma lágrima solitária caiu pelo olho dele.

Eveline esticou a mão, automaticamente, e a pôs no rosto do homem, que parecia ter, apenas, um pouco mais que sua altura. A cabeça se apoiou na mão dela, e o sorriso foi tão sincero que, pela primeira vez, Eveline sentiu algo tomar seu interior, como um déjà vu.

Por que está chorando?

Ele parecia que choraria mais se ela não interviesse. Sua mão limpou o rastro de lágrimas na bochecha dele.

— É um sintoma da travessia? — Sua voz voltou a altura normal.

Ele pigarreou tentando disfarçar, mas em momento algum soltou a mão dela.

— Estou só lacrimejando — humedeceu os lábios — Sabe, vontade de espirrar...

— Ah.

Ela desviou o olhar tentando se concentrar na paisagem a frente. Havia percebido, apenas agora, que ao invés de um bosque, havia um horizonte, maravilhoso, na entrada da caverna, como se estivessem, mais acima na montanha.

— Onde estamos?

— A caminho do Reino dos Céus Esmeralda — Ele soltara sua mão.

Eveline observou Leander andar até a entrada, onde havia um caminho que subia a montanha.

— Não vou aguentar andar mais, estou com muita fome!

Igualmente esfomeada...

— O que foi?!

— Nada, apenas espere.

Ele assoviou alto para o horizonte e depois saiu da entrada como se esperasse algo entrar por lá.

— Vai me dizer que uma carruagem voadora vai aparecer magicamente aqui?

— Pode esperar um minuto, minha querida? — Ele ergueu a sobrancelha.

Eveline abriu a boca pronta para revidar, quando dois vultos dourados passaram rapidamente pela entrada. Um deles passou direto pelo portal, ainda aberto.

— Aegis! De novo não! — Leander correu até o portal desaparecendo nele.

Eveline encarou aquele que sobrara na caverna, um animal alado com cabeça de águia, mas com corpo de leão. Seus olhos eram bem-marcados, trazendo a sensação de que aquilo, seja-lá-o-que-fosse, era fêmea.

— Prazer. — disse meio receosa, já que, aquilo, a observava com muita atenção.

Agitando a cabeça, o ser parou de encará-la.

Leander voltou com a mão na cabeça de outro... Daquele ser. Enquanto Eveline o encarava, apavorada.

— Por que me deixou sozinha com... Isso?

O animal a encarou indignada.

— É um grifo fêmea, e esse aqui macho — Ele acariciou a pelagem do animal — São Alarídeos — ele sorriu — esse Aegis, e essa Aurora

Eveline acertou o gênero daquele animal, que agitou as asas como se quisesse logo partir. Então a garota percebeu que eles passavam a mesma áurea que os animais do bosque.

— Suba nela, a Aurora não é arisca. — Ele montou em Aegis enquanto dizia isso.

Eveline encarou o grifo, apavorada, mas se lembrou de tudo que, já fez ao encontrar animais exóticos – que, na maioria das vezes, era maior que ela e poderia com muita facilidade matá-la -, no bosque.

Ela andou para trás, pensando em correr, mas se deteve ao lembrar do portal e seu efeito-colateral, então mudou de ideia e estendeu a mão para o grifo.

— Por favor, Aurora, não me machuque, eu só quero chegar logo em um lugar que tenha comida... — Seu murmúrio doloroso pareceu ter comovido Aurora que se abaixou levemente para ela subir. — Obrigada!

— Segure-se bem, eles são muito rápidos! — Leander agarrou o pescoço do grifo e sorriu — Vamos, Aegis!

O grifo saiu correndo pela entrada da caverna e pulou como se fosse cair num riacho, para brincar na água. Aurora olhou para trás como se quisesse verificar que, Eveline, estava bem.

— Pode ir, só por favor não seja brusca. — Ela abraçou aquele pescoço plumoso e fechou os olhos com força.

Apenas sentiu Aurora andar rapidamente. Percebeu que, depois de alguns passos, ela relaxou as patas, esticando as asas. Eveline tinha a sensação de que cairia a qualquer instante.

O vento chocava contra a garota suavemente, o que começou a tranquilizá-la.

— Não me diga que tem medo de altura! — Leander disse alto, parecia estar um pouco distante dela.

— TENHO MEDO DE MORRER! — Ela gritou, e o grifo se agitou abaixo dela, como se tivesse assustado. — AI! meu santo violino!

Nisso ela lembrou que não verificara, a nenhum momento, sua bolsa para ter certeza de que tudo estava intacto. Eveline tentou abrir, um pouquinho, o olho, mas por não conseguir sequer, imaginar, a altura que estavam, sabia plenamente que, infartaria, caso descobrisse.

Ela apertou o grifo.

— Falta muito ainda?

Aurora soltou um piado em resposta, cujo Eveline queria que significasse um "não".

Tentou ao máximo se concentrar na música que tocava em sua mente, pensar em borboletas e em coisas boas. Entretanto Thomas veio a seus pensamentos, uma expressão de amargura e preocupação estampava seu rosto, Helga o batia com lágrimas nos olhos, mas ele não vacilava, nem o olhar, nem a feição.

Eveline sentiu seu coração pesar, como se suas escolhas tivessem sido infantis. Sua mãe talvez tivesse razão ao dizer que ela era imatura.

— Estrelinha?

Eveline percebeu que o vento não batia mais em seu rosto, e as patas de Aurora estavam tensas. Ela abriu um olho, apenas o suficiente para espiar o que acontecia.

Ela o arregalou, foi o suficiente para Leander entender que ela se surpreendera com aquela beleza de paisagem.

Pontes de madeiras contornavam e interligavam várias montanhas, eram largas e a cada metro havia uma coluna com lanternas no topo, havia uma espécie de vagalumes naqueles vidros. Nas montanhas, havia portas e janelas para as casas e estabelecimentos. No final do vale, a ponta de um enorme palácio esverdeado era visível.

Quando Eveline se virou para verificar o que havia atrás dela, visualizou um lindo céu escuro como o fundo do mar, mas salpicado de estrelas. A tranquilidade tomou seu coração ao perceber que estava a salvo.

— Parece que você está chocada com a beleza desse reino. — Leander estava ao seu lado, sorrindo. — Fiquei assim também, na primeira vez que vim.

Eveline piscou, pensando no que acabara de acontecer, e naquele momento ela quis, simplesmente, cair na cama e dormir por uns bons dias. Suas esperanças eram apenas para que houvesse uma hospedaria por perto.

— Diga que podemos descansar agora, por favorzinho. — Foi a primeira coisa que disse — Eu já vim até aqui, sem reclamar.

Ele gargalhou estendendo os braços.

— Vamos fingir que foi assim. — Gesticulou — Venha, vamos achar uma hospedaria.

Eveline pegou nos ombros de Leander e se apoiou para sair de cima de Aurora. Seus pés se atrapalharam ao pisar no chão firme, então se desequilibrou, piorando assim que o grifo correu de trás dela para voar. Ela caiu sobre Leander que a segurou firmemente.

— Está emocionada, Estrelinha?

Ele ajudou Eveline a manter-se em pé, enquanto ela contraiu estranhamente preguiçosa.

— Estou quase desmaiando, isso sim.

— Quer ser carregada?

Eveline encarou a figura alta e de corpo esbelto que a encarava sorrindo. Pensou em como seria confortável ser levada no colo, mas também pensou que não seria apropriado.

— Não, obrigada.

Ela marchou começando a caminhar para longe daquela situação constrangedora.

— Está indo na direção errada!

Ela virou e continuou a marchar com determinação a qualquer lugar que não fosse perto de Leander. Mas não funcionou.

Ela tropeçou novamente e acabou apoiada no guarda-corpo da ponte. Seus olhos encararam, pasmos, o profundo abismo que circundava as montanhas. Seu coração quase saiu pela boca.

Eveline sentiu duas grandes mãos a agarrando. Pouco depois estava contra um peitoral duro, mas confortável o suficiente para dormir. Seus pés não tocavam mais o chão.

— Vamos, a hospedaria não fica o dia inteiro aberta. — Ele olhou ao redor, procurando algo.

— Você é muito atrevido, senhor maluco — Sua boca escancarou em um bocejo.

— Vai dormir, estrelinha, quando acordar vai estar numa cama macia.

Foi como uma ordem. Os olhos dela se fecharam sem demora, só sentindo a movimentação de Leander andando. Quando menos percebeu a escuridão tomou seu consciente.

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