𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗩- 𝖠 𝗆𝖾𝗅𝗈𝖽𝗂𝖺 𝖽𝖺 𝖾𝗌𝖼𝗈𝗅𝗁𝖺.


Ela sonhara novamente.

Estava no bosque vendo a mulher tocar, mas desta vez animais a rodeavam. Eveline, receosa, começou a caminhar até ela. Mas tudo ficou escuro.

O barulho de conversas invadiu a janela de seu quarto, e a luz era tão forte que impedia que ela continuasse dormindo.

Era hora de levantar-se. Para sua sorte era cedo, muito antes do meio-dia.

Diferentemente de seu cotidiano, aquela manhã passou voando. Havia terminado de ajeitar o quarto, quando varreu a casa e desceu para a mercearia que já estava aberta.

— Tenha um bom dia! — Thomas se despediu de um freguês, quando viu Eveline em vestes verdes e com o cabelo numa trança grossa — Eve, dormiu bem?

Ela sorriu tímida. Fazia tempo que não ouvia essa pergunta.

— Havia muito tempo que não dormia com tranquilidade — Ela ajeitou a bolsa no ombro e respirou — Eu vou tocar um pouquinho na praça, volto ao meio-dia para assumir o balcão.

— Não precisa, Eve, divirta-se hoje, você já deu muito duro se acomodando, ontem — Thomas se alongou — Esse velho precisa parar de preguiça.

Eve riu com ele antes de se despedir.

Saindo do local ela ouviu um barulho vindo do beco ao lado da mercearia. Caminhou lentamente esticando o pescoço para tentar ver o que fizeram o estrondo.

Ao ver aquele caminho escuro, ela olhou lentamente para o chão, vendo um corpo estatelado e descabelado.

— PELO SANTO VIOLINO! — sua voz soou estridente — SE...nhor...

Eveline reconheceu aquele grande cabelo branco. O homem olhou para cima, tinha o rosto arranhado, e vermelho, como se tivesse levado um tombo e batido o rosto no paralelepípedo da rua.

Eveline... — Sua voz estava rouca — A quanto tempo, não é?

Ele tentou rir, mas aquilo se transformou em uma tosse.

Eveline, estava tentada a seguir seu caminho até a praça, mas se ajoelhou ao lado de Leander. Ela não entedia sua ação, apenas agiu como se algo a fizesse ficar.

Apesar das suspeitas de que ele era um maníaco. Eveline deixou suas ações automáticas fazerem o trabalho de levantá-lo.

Os dois se encararam por um tempo, ela tentando descobrir o porquê fizera aquilo, e ele tentando decidir o que diria primeiro.

De dentro da bolsa, Eveline tirou um lencinho e se aproximou esticando o braço para limpar o sangue que escorria pelo rosto de Leander.

O que aconteceu? — sussurrou ela, quase sem voz.

O pânico de não saber o motivo de ter tomado aquelas decisões, a apavorava. Seu coração estava acelerado.

— Eu... — Os lábios de Leander não se moveram enquanto ela limpava o canto de sua boca — Eu tropecei.

Seus olhos violetas se encontraram com os verdes dela. Eles se encararam por uns instantes, antes de ela pigarrear.

— Preciso ir...

— Precisamos...

Ela o olhou encabulada.

— Sei que você me acha um louco — Ele passou a mão nos cabelos soltos, tirando-os dos olhos — Mas eu disse que você não estava preparada para saber de onde vim...

— De novo esse assunto?

Eveline sentia que ele estava desesperado, sentia preocupação e agitação. Refletindo sobre isso, ela percebeu marcas roxas de baixo dos olhos dele.

— Você... — Ela pensou muito antes de falar — Você está desesperado...

Sua frase soou vaga, mas foi o suficiente para Eveline sentir um alívio em seu respirar.

Leander tentou sorrir.

— Deixe-me te mostrar que não estou mentindo...

— Por que você está fissurado nisso? Não te conheço, você não me conhece, não há motivos para confiar em você!

Eveline não soube explicar o que aconteceu, mas ela sentiu como se ele fosse estourar ou chorar a qualquer instante.

— Por favor! — sua voz soou alto, e por um instante Eveline achou mesmo que ele estouraria — Eu só a quero mostrar que não sou maluco...!

— Você pode me matar, caso eu aceite! — Indignada ela deu um passo para trás — É melhor eu ir...

— Eveline! — Ele segurou seu braço — Eveline, há uma maldição sobre nós, precisamos salvar o mundo e tudo depende de você! — seus olhos estavam vermelhos — É loucura eu sei, mas o tempo está acabando, a lua mudando, e se você ignorar, algo vai dar muito errado...!

Leander se ajoelhou, deixando Eveline perplexa.

— A noite, encontre-me na praça, e eu levarei você onde tudo fará sentido.

Ele se levantou e olhou bem nos olhos dela.

Eveline se afastou de costas. Sentia que desabaria num único passo caso não se controlasse.

Fechou os olhos pensando que tudo voltaria ao normal e estaria em sua cama. Mas ao abri-los viu Leander sendo consumido pela escuridão do beco.

Talvez ele não estivesse mentindo...


Eveline não conseguiu tocar tranquilamente na praça. Qualquer ruído alto a desconcentrava, e o silêncio que geralmente a acompanhava durante as músicas, não fez questão de fazer presença.

A garota partiu para o bosque antes de a noite começar a cair, mas, ao chegar na Clareira do Lago Espelho de Prata, já estava escuro.

Sua barriga roncava. Não havia levado nada para fazer um lanche. Ela aguentou firme se sentando na rocha do lago.

Naquele momento, quando o arco roçou as cordas com carinho, Eveline sentiu tudo a sua volta mudar. Como se ela tivesse entrado em um estado de transe, sentia como se voasse.

Com um respirar profundo, Eveline deixou seu corpo relaxar e sua mente desligar, só queria ouvir sua música e sentir o vento da noite.

Então recordou que Leander provavelmente a esperava na praça da aldeia. Então seu coração acelerou com a possibilidade de tê-lo deixado apavorado. Então sua música começou a oscilar. Então estava à beira de desafinar, pois sentia-se perdida nos acordes.

Mas, naquele pânico, naquela raiva e desamparo de não saber o porquê seu dom estava tão frágil, pela primeira vez, ela nem percebeu que sua alma acalmou e que uma voz rouca cantarolava com o violino.

Ela nem percebeu que dois olhos violetas a observavam com receio e preocupação.

Ele pigarreou.

Eveline parou a música.

— Então, você realmente não quer vir comigo. — Ele quis soar indiferente, mas estava óbvio sua decepção.

— Não confio em você ainda... — Eveline tirou o violino do ombro olhando-o. — Como descobriu minha localização?

— Fui atraído por sua música... — Ele sorriu — E por você.

— Ah, agora minha música atrai você, mesmo que eu esteja a quilômetros de distância? — Eveline olhou para ele desdenhando.

— Mesmo que esteja no outro lado do mundo...

— Isso soou muito estranho, Leander.

Os olhos violetas cintilaram sob a luz vermelha da lua. Ele deu um passo à frente, rindo para o céu.

Eveline, agora atenta ao homem, franziu o cenho, ficando cada vez mais séria.

— O que há de tão engraçado?

— Você me chamou pelo nome... — Aquele sorriso descompassou o coração de Eveline — Pela primeira vez!

Ela não entendia sua felicidade, mas no fundo achou fofo a forma que seu sorriso formou covinhas nas bochechas.

De repente ela se deparou como os olhos fixados no lago, exatamente onde a lua era refletida. Sua mente bombeando com a ideia de achar Leander fofo, até mesmo atraente. Quando percebeu estava torcendo para ele se aproximar.

Ela balançou a cabeça.

— Venha, por favor, Eveline, é aqui perto o local!

Ela percebeu que ele estava a poucos passos dela. Seus olhos continuavam a brilhar de esperança.

— Dê-me um argumento que faça-me ir.

Ela guardou o violino em sua bolsa batida, quando olhou de relance para um paninho sujo, a qual usara de manhã em Leander para limpá-lo.

— Sabe essa lua?

Ambos olharam para cima.

— Nunca se questionou o motivo de ela ser diferente e acontecer com pouca frequência?

Eveline se manteve quieta prestando muita atenção.

— Ela indica que o portal de Arkan está aberto, todos os seres podem entrar e sair, humanos, animais...

— Arkan?

— O continente mágico! — havia excitação em sua voz — Venha, a levarei até o portal para você ver que não estou mentindo!

Eveline se sentia mais segura perto de uma serpente do que perto daquele homem. Entretanto, seu interior estava mais calmo naquela hora do que a tarde.

Leander se aproximou mais, sorrindo gentilmente, transmitindo uma tranquilidade desnorteadora. Sua mão esticou para ajudá-la a descer da rocha.

Eveline observava seus olhos violetas com tanta concentração que praticamente não sentia nada, além da vontade de ficar perto dele.

Quando piscou, percebeu que sua mão agarrava firmemente a mão calejada de Leander. Ele sorria satisfeito.

Ela sentia algo agradável vindo dele, algo que dava vontade de segui-lo. Eveline puxou a mão para si.

— Como saberei que fala a verdade?

— Eu juro, solenemente, que não farei nada com você, e que se você se arrepender antes dessa semana acabar, deixarei você voltar e não a incomodarei.

Eveline sentiu como se tivesse pensado muito, mesmo em pouco tempo. Quando percebeu, estava em pé ao lado do rapaz e seus braços cruzaram.

— Pois bem, mostre-me esse tal lugar mágico.

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