CONTATO INICIAL
Se tem uma coisa que não falta naquele lugar são pessoas com roupas monocromáticas que parecem estar correndo de alguma coisa, tive que desviar de várias para conseguir chegar ao elevador. Conferi meu relógio para ter certeza do horário, chegar atrasado logo no primeiro dia seria péssimo para minha imagem.
A boa notícia: faltava apenas dois minutos até meu expediente começar, então daria tempo.
A má notícia: as pontas dos meus dedos estavam dormentes, já prevendo o que viria a seguir.
Um grupo de engravatados quase me derrubou quando a porta do elevador foi aberta, pareciam bois fugindo de um curral tamanho era o desespero. Minha sorte é que saí do devaneio sobre os dedos a tempo de me afastar para o lado. Assim que olhei para frente o brilho metálico ativou um arrepio na coluna que me fez reconsiderar a ideia, mas suspirei e entrei pois subir vinte e oito andares de escada na minha atual situação não era viável.
O movimento do chão fez minha respiração se cortar por um momento, mas me controlei e juntei as mãos às esfregando, agora já não era mais apenas as pontas dos dedos que estavam perdendo a sensibilidade. Além da dormência tinha também o frio, parecia que a cada segundo o sangue desaparecia um pouco mais das extremidades e nem mesmo colocar a mão no bolso estava resolvendo.
O barulho das engrenagens preenchia o ambiente me ajudando a me concentrar. Depois de muito tempo fazendo o mesmo método acabou que eu consegui alcançar um certo autocontrole. Eu chamo de método porque é um nome legal mas no fim não é nada além de "entrar, escolher um canto, fechar os olhos, pôr as mãos no bolso, inspirar fundo contando até quatro, suspirar fundo contando até quatro." E ele sempre funciona.
É bom mencionar que eu evito elevadores o máximo que dá.
O problema é que nesse dia havia um ponto a mais a considerar, não era uma simples visita a um shopping, e sim meu primeiro dia no emprego que me livraria de passar por tantas situações desagradáveis que só de imaginar algo dando errado o desespero surgia a galope.
Estava planejando o que faria assim que chegasse no escritório quando minha concentração foi completamente quebrada. Normalmente isso seria fácil de se resolver, interrupções em elevadores são totalmente previsíveis, acontece que antes eu precisaria saber que não estava sozinho no tal ambiente. Tentei ignorar, mas o barulho continuou, o incômodo e insistente som de alguém tossindo. Por fim abri os olhos e procurei a origem do mesmo, um homem magro mais ou menos da minha altura estava escorado na parede oposta... e ele não estava sozinho.
O sujeito carregava uma gaiola com barras metálicas finas e pó de madeira no fundo, em torno dela havia uma fita vermelha amarrada em forma de laço e, a parte mais curiosa, havia uma cobra do lado de dentro.
O entregador percebeu meu olhar de curiosidade e se virou.
- Estranho né... É um presente... - devagar, levantou o objeto na altura do rosto e fez alguns barulhos com a boca tentando mexer com o animal... - Eu também estranhei quando vi o que era a entrega. Não tem cartão, mas eu ouvi que veio de um antigo sócio do chefão aqui. É uma espécie muito bonita.
Dado à natureza do meu trabalho, uma das primeiras coisas que me perguntei era se o rapaz sempre falava demais desse jeito.
O animal era grande demais para a gaiola, tanto que mal cabia lá dentro. Capaz de as duas terem sido escolhidas exatamente por isso. Os olhos se movimentavam de vez em quando na minha direção, e as escamas cor bege refletiam a claridade da luz. Ela se mexeu me fazendo sentir uma sensação ruim só de imaginar encostar naquela criatura fria e escorregadia, pelo sim ou pelo não, dei um passo mais para longe.
A intensidade da dormência estava piorando, geralmente não dava tempo de isso acontecer mas pelo que eu li aquele prédio nunca tinha sido reformado completamente então era de se esperar que o elevador demorasse um pouquinho a mais para subir. Mas pensar nesse tipo de problema não estava me ajudando em nada, por isso espantei esses pensamentos e tentei focar na respiração. O sujeito cantarolou alguma coisa que eu não reconheci pois estava flexionando as mãos e imaginando o que diria aos meus futuros colegas de trabalho. Pensei em um "Bom dia", ou "Eae! Tudo bem?", mas o que surgiu com mais força na minha mente foi um "merda!", quando, do nada, o elevador enguiçou.
Um arrepio correu por todo meu corpo levantando todos os cabelos do braço.
Girei a cabeça instantaneamente e acabei ficando um pouco tonto com o movimento. Queria acreditar que era um pesadelo, mas não, o elevador estava travado no andar vinte e seis. Mais dois andares e eu chegaria no meu destino. Mais dez segundos e estaria lá. Mais duas vezes que respirasse fundo já poderia ver a liberdade. Meu coração acelerou e minha mão adormeceu de vez, minha boca ficou seca graças ao número de vezes em que fiz o gesto de engolir tentando respirar o ar que agora parecia ter desaparecido. Apoiei as mãos no joelhos e fechei os olhos para espantar a tontura, o entregador resmungou alguma coisa que eu não consegui prestar atenção, e nem tive chance, pois a luz sumiu, o chão também e fui subitamente arremessado contra a parede de metal.
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