Capítulo Um

Ano 1852

   — Alguma noticia do idiota do meu irmão? — Irritada, a garota cruzou os braços na frente do peito, plantada de pé em frente da grande casa na área mais nobre de Londres.

   — Não, senhorita. — O cavalariço abaixou a cabeça.

   Quatro dias que o irmão mais velho não dava o ar da graça. Thomas nunca foi o mais inteligente da família, nem o mais sensato, e ainda por cima tinha o sangue quente que só o fazia atrapalhar.

   O que o maldito tinha de coragem, também tinha de imprudência.

   — Prepare a carruagem.

   — Senhorita, já são onze horas da noite, seria perigoso da sua parte embrenhar-se pelas sarjetas londrinas atrás do Lorde White. Permita que eu o procure.

   — Quatro dias sem notícias do meu irmão. — Inspirou nervosa. — Se ele já não estiver morto, eu mesma lhe darei um fim.

   Ela até poderia supor onde o irmão deveria estar enfiado, em alguma cama imunda, bêbado como um gambá e com as calças arriadas na altura dos joelhos. Mesmo sendo bons sete anos mais nova que ele, a lady garantia que tinha muito mais juízo, não conseguia acreditar na imprudência que o pai teve em exigir que o primogênito zelasse por sua segurança e honra durante a temporada de bailes em Londres. Já que mal dois bailes a acompanhando e ele já desaparecia por quase uma semana.

   Para o inferno sua imprudência ou a tentativa desesperada do patriarca em dar alguma responsabilidade ao herdeiro, porque agora, era ela quem se empenhava na caçada ao irmão desmiolado.

   A carruagem era escandalosa, toda vermelha com o brasão dourado e branco da Casa White. Uma flor em um escudo ladeada por dois estandartes pontudos. A honra de sua família em defender a Inglaterra dos bárbaros invasores.

   — Senhorita, eu entrarei primeiro. — O rapaz disse ao parar frente à primeira casa de damas da noite.

   Ela aguardou sentindo seu sangue ferver, Thomas só podia estar a testando. Ela só tinha vinte e um anos, deveria estar no calor de sua cama luxuosa e não se esgueirando por vielas sujas, sofrendo o risco de ser abordada por ladrões. Ela o faria pagar. Ah se o faria.

   O funcionário voltou tenso.

   — E então?

   — Ele não está aqui. — Mas não havia muita segurança em sua voz. — É melhor nós voltarmos.

   — Nem começamos a procurar direito. — Ponderou. — Tem um salon, Red Velvet, acho que ouvi esse nome em uma conversa de meu irmão há alguns dias.

   — Lá... Lá não é adequado...

   — Ande. Me leve até esse salon, senhor.

   O lugar era pior que o anterior, parecia um galpão mal iluminado. E, antes que o funcionário pudesse dizer que verificaria, Sofia saltou da carruagem segurando seu vestido de um suave tom salmão para que não esfregasse as barras no chão molhado e imundo.

   — Por favor, senhorita. — Preocupado o homem a seguia.

   Ela era uma dama, e damas não eram comuns naquele ambiente.

   Assim que atravessou as portas, ela deparou-se com a densa fumaça do tabaco e o cheiro azedo de álcool. Os homens que bebiam esparramados em mesas e cadeiras cessaram completamente para olhar a jovem garota que caminhava em passos duros pelo salão, atenta a todos os rostos presentes.

   Sofia era linda, fora de qualquer padrão existente, seus grandes e límpidos olhos azuis contrastavam com os cabelos de um laranja atípico, nem loiro como o do pai, nem castanho-avermelhado como o da mãe, uma mistura curiosa e nunca vista antes.

   Ninguém ousaria pôr-se na frente de um White, ainda mais de uma dama tão bem nascida como aquela.

   A jovem desviou de um brutamonte que bebia escorado na pilastra, seus sentidos a guiavam para outro ambiente. Um recheado com vozes masculinas, e sons de pancada.

   O primeiro vislumbre que teve foi de um tatame manchado de sangue, com cordas folgadas e rodeado de homens gritando apostas. Mas o pior estava em cima, nos dois seres que se socavam impiedosamente. E um deles... era seu irmão.

   Um soco forte desferido pelo outro homem arremessou o irmão de encontro às cordas, mas o movimento também desequilibrou o atacante. Ambos estavam sem camisa, descalços no pó de serra e com os calções sujos, sem falar em todo o suor e o sangue aderido a suas peles. Eles deveriam estar lutando faz tempo, mas se recusavam a cair. Parecia que a maior luta era na verdade, para quem seria o último a continuar em pé.

   Seu irmão era um baita de um idiota!

   Enquanto tentava chegar até o ringue, viu o irmão avançar contra o adversário lhe dando socos no abdômen, e recebendo de volta outro poderoso soco no rosto, que o derrubou no chão, o grupo de espectadores urrou. Ela não reconheceu quem o irmão enfrentava, sequer reconheceria o irmão se não fosse pelo cabelo loiro claro e os olhos iguais aos dela.

   E, antes que alguém tentasse a impedir, Sofia atravessou as cordas e entrou na área de embate. O adversário muito maior que ela abaixou as mãos de supetão, surpreso pela invasão feminina.

   — O que significa isso? — Thomas questionou ao levantar desajeitado. — O que faz aqui, Sofia?

   — Eu que o pergunto. — Céus ela estava quase cuspindo labaredas de fogo.

   — Vá embora. — Tentou segurar em seu braço e a tirar do meio do embate.

   — Não sem você. — Sofia quase gritou o segurando firme de volta. — Você mal se aguenta em pé.

   — Então essa é a sua irmãzinha? — A voz do outro lado chamou-lhe a atenção.

   Ele era bonito. Como era bonito. Mesmo todo machucado, mesmo sangrando. Alto e forte com cabelos negros, tendo alguns fios colados ao rosto e olhos tão escuros quanto. O pior foi o sorriso, como o de um diabo cafajeste, com os dentes manchados de vermelho enquanto que os olhos a devoravam da cabeça aos pés.

   — Não se atreva a olhar assim para minha irmã, Black desgraçado.

   Henry não era o melhor exemplo de homem, ele bebia muito e se metia em qualquer briga em que fosse convocado, mas algo poderia garantir; Ele sabia como foder uma mulher. Sabia onde tocar e como tocar. Sabia absorver cada uma das reações femininas e orgulhava-se por ser o causador. Quando aquele delicado ser feminino invadiu o tatame para salvar o irmão de uma briga perdida, ele só conseguiu pensar nas variadas maneiras de jogá-la sobre seus ombros e levá-la para a cama. Mas algo naqueles olhos intensos dizia que a pequena Lady poderia ser bem mais perigosa que o paspalho do Thomas.

   — Melhor escutar sua irmãzinha, meu caro. Saia enquanto ainda tem todos os dentes na boca. — Uma piscadela para a dama.

   — Nós ainda não acabamos, Black. — Thomas apontou o indicador ao rival quase cuspindo junto.

   — Para falar a verdade, adoraria passar um tempo com a outra White. Tenho ótimas ideias para as próximas apostas. — Ele disse em alto e bom tom para que os homens em torno do ringue ouvissem e rissem.

   Era isso, aquele cretino a estava provocando.

   Thomas avançou para cima do outro, mas antes que o alcançasse, Sofia se colocou na frente. Forçando o irmão a parar bruscamente. Ela precisava acabar com aquilo e tirá-lo dali o quanto antes.

   — Agradeço vossa boa vontade, senhor Black, mas devo alertá-lo que o senhor não possui cacife o suficiente para vencer uma aposta como essa. — Ela o olhava tão firme que ele pensou que tombaria para trás. — Deveria continuar apostando em cavalos ganhos com uma ou duas moedas de prata. Ou... Seria menos?

   Os homens em volta urraram com a ousadia da jovem dama. Ela sequer tremeu ou envergonhou-se com as palavras baixas proferidas pelo outro herdeiro, uma dama recebia criação para correr e temer frente a qualquer grosseria ou avanço masculino. Talvez todo o sangue dos guerreiros Whites tenha ido para a caçula. Ela fazia jus à frase de sua casa "Nunca ceder, nunca cair".

   Ele nada respondeu, apenas deteve-se a ficar parado contemplando a pequena leoazinha arrastar o irmão pela orelha dali. O problema era que Henry era dado a desafios. Ainda mais feitos por belas damas.

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