CAPÍTULO UM

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ATENÇÃO: o seu voto é importante, então deixe sua estrelinha quando chegar ao fim, por favor.
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- Doze anos depois -
Quinta - feira | 20 de Março

- Sophia querida, vamos! - minha mãe diz ao abrir a porta do quarto enquanto eu termino de grifar uma linha do parágrafo do livro de código penal.

Olho por cima do ombro tampando o marca texto rosa e a vejo segurar a maçaneta com uma mão e com a outra o umbral.

- Mon amour¹, você nem arrumou suas malas. - observa com pesar, solto um suspiro cansado e, tirando os olhos do texto importante, giro a cadeira branca em sua direção e deito a cabeça no ar com um sorriso simples vendo seus olhos pedintes.

- Mãe... - murmuro escorregando as mãos pelas minhas pernas cobertas pelo tecido do jeans.

É primavera em Londres, no entanto temos dias bastante chuvosos e nublados e consequentemente mais frescos também, porém não se compara em nada com o frio do inverno. A temperatura nessa estação é temperada, nem tão quente, nem tão fria, por isso, também, é a preferida dos londrinos.

- Já lhes disse, não poderei ir com vocês. - repito o que venho dizendo a semanas e vejo os braços dela caírem em desânimo junto ao corpo.

Verdade é que eu e meus pais nunca ficamos muito tempo separados e por uma distância tão grande, foi até por isso que, no período que moramos na França, eu recebi o apelido de ma puce, que significa literalmente minha pulga, é muito usado como apelido carinhoso pelas mães francesas e a minha acabou o adotando também.

Claro que eu mesma não gostei da ideia de ter que ficar sozinha em Londres e em uma casa, relativamente, grande demais para uma pessoa só, eu amo acompanhar eles nas missões pelo mundo, entretanto com a aproximação das férias de verão se aproxima também o fim do ano letivo; o que significa um aumento no número de trabalhos e o início das provas finais e a entrega do meu TCC. É claro que as coisas do Senhor sempre devem ser priorizadas e, por consequência, vir em primeiro lugar como disse Mateus: "Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas serão acrescentadas a vocês." Porém existem coisas que se não fizermos, ninguém fará por nós e o Senhor, como um bom amigo, sabe compreender isso.

- Mas filha... - rompe a passagem do quarto, caminha até a cama e se senta na beirada. - Vamos ficar até o fim do mês que vem, e hoje ainda é dia vinte. - a entonação de voz muda para uma de advertência como se eu ainda não tivesse considerado esse detalhe.

- Oras, mas é justamente por isso mum. - murmuro olhando para o calendário que fica em cima da minha mesa de estudos, quase não é visível pelo tanto de material espalhado, mas eu vi os longos onze dias que faltam para maio acabar.

- Você vai ficar bem mon amour? - sorrio quando, mais uma vez, ela me chama pelo apelido carinhoso.

- Oh God, mum... - murmuro me colocando em pé e indo em sua direção sentando-me ao seu lado. - Eu já tenho 21 anos.

- Oh. - faz uma careta engraçada e estapeia levemente meu ombro me fazendo rir. - Essa sua resposta não me acalenta o coração. - diz e eu seguro suas mãos.

- Desculpa, não quis ofendê-la. - digo sorridente - Mas eu ficarei bem mãe, não se preocupe. - afirmo e ela fecha seu sorriso ainda mantendo o semblante alegre.

- Você sabe que não me preocupar é impossível, entenderá melhor quando for mãe, mas de qualquer maneira eu tinha que tentar mais uma vez. - comenta e eu rio - Insistir no dia pode sempre fazer a pessoa mudar de ideia. - murmura me fazendo rir novamente, o pior de tudo é que ela estava certa.

Mary é uma pessoa convincente, ela vence pelo cansaço.

- Se eu não tivesse tantas coisas pra fazer eu iria mamãe, a senhora sabe, não existe nada mais prazeroso do que trabalhar para o reino. - digo e ela assente.

- Eu sei minha filha, eu sei. - ela concorda acariciando meu rosto. - Mas você ficará bem mesmo? - volta a perguntar e eu faço uma careta. - Okay, okay. - se levanta. - Eu irei arrumar minha mala de mão e dar uma conferida nas outras antes de fazer o almoço.

- Se precisar de ajuda, sabe onde me achar. - digo e ela assente me dando as costas. - Mãe? - chamo a fazendo me olhar.

- Hum? - segura a maçaneta da porta e com a outra o umbral.

- Pra que horas o voo está marcado mesmo? - pergunto notando que a esse fato eu não tinha me atentando.

- Sete horas. - responde com um sorrido pequeno - Ainda temos tempo se quiser mudar de ideia. - brinca e eu semicerro os olhos em sua direção, mas ela fecha a porta rindo.

Eu ergo meus olhos até minha escrivaninha, meu notebook acabara de notificar a chegada de um e-mail, mas antes mesmo que pudesse ir até ele minha mãe irrompe novamente o cômodo com um enorme sorriso no rosto.

- Seria uma ótima oportunidade para você rever o Dan, Sophia. - diz com animação, mas ao ouvir o nome do garoto meu semblante murcha e meus olhos descem ao chão e depois em direção ao quadro que eu mantinha em cima da cômoda.

Esse, talvez, seria o motivo pelo qual eu me sentiria hesitante de ir caso tivesse essa opção, depois de dez anos eu sei de tudo o que preciso saber, sei de tudo o que aconteceu, mas ao mesmo tempo é como se não soubesse.

Tenho a estranha e incômoda sensação de que é a história de vida de uma outra pessoa e não a minha, muitas vezes já me peguei pensando em como seria estranho lidar com isso, seria estranho contar, depois de tanto tempo sem nos vermos não quero o chatear ao lhe dar uma notícia como a que eu tinha pra dar, com certeza não será bem recebido por ele.

Por isso eu me mantive afastada mesmo depois dos meus pais retomarem o contato com a família dele, eu não me sinto pronta, por mais que saiba que quanto mais eu protelo, mais a situação se complica.

- Me desculpa filha, eu não deveria ter tocado nesse assunto, me desculpe. - diz ela ainda na porta, não sorri mais, na verdade seus olhos estão arrependidos.

- Não, está tudo bem. - garanto sentindo um grande nó na garganta.

Ela me observa por mais alguns minutos antes de assentir, então volta a fechar a porta parecendo, finalmente, se dar por vencida.

Com o olhar preso no material de cor escura penso mais um pouco sobre a situação, desde que meus pais anunciaram a viagem meu coração se apertou, claro que foi pelo desencontro das datas e a ausência deles aqui em Londres, porém não posso negar que não tenha sido pela ideia de poder reencontrar Dan também.

Olho para meus pés e suspiro logo em seguida sentindo uma sensação de peso em cima do estômago, apoio minhas mãos na beirada da cama e com um impulso me levanto, caminho vagarosamente até a cadeira e a giro na direção da foto, era impossível não me sentir triste com o fim que se deu tudo, não ouso reclamar porque quem está no controle da nossas vidas é Deus, porém não consigo não me chatear.

Por enquanto para mim basta saber que ele está bem e com uma vida bem sucedida, eu não consigo mais chorar por isso, eu já fiz isso demais há alguns anos atrás quando mamãe me contou tudo.

Giro na cadeira de novo ficando de frente para os livros, cadernos e palavras, volto a pegar meu marca texto e reinicio a leitura do parágrafo.

Eu grifo, anoto e consulto o Google pelas horas seguintes, respondo quinze dos vinte e cinco exercícios que meu professor passou como trabalho, porém algumas várias vezes meus olhos perdem o foco e escapam para a foto próxima e eu me vejo vagar por pensamentos incertos até recobrar a consciência e o foco para ter que ler tudo novamente.

Meu notebook notifica mais um e-mail ao mesmo tempo que meu celular notifica uma mensagem de texto, abro primeiro o e-mail da administração do meu curso com o cronograma de provas, baixo o arquivo e mando pra impressão; enquanto isso respondo o grupo do trabalho e depois envio para o grupo com todos os alunos da turma o pdf do cronograma. Deixo de lado o aparelho após o bloquear e volto a pegar a lapiseira para responder o restante dos exercícios, porém o que eu me vejo fazer são rabiscos na orelha da folha do fichário.

Franzo o cenho para as formas abstratas que desenhei e olho pro relógio que denuncia ser onze horas, estico meus ombros e costas ainda sentada e então me recosto na cadeira deixando a lapiseira no meio do livro, eu estou aqui desde as sete da manhã e ainda não consegui terminar.

Eu sei que isso é culpa da minha adquirida alienação depois do comentário da minha mãe, por isso decido me levantar um pouco para respirar ar puro, com certeza voltarei mais tarde com a cabeça mais leve.

Apoio as mãos na beirada da mesa e empurro minha cadeira afim de me levantar, já de pé eu me espreguiço e caminho até a janela que deixa à vista o dia nublado; a rua está tranquila, vazia até demais, exceto pela sra. Pereira que varre sua calçada religiosamente como todo o dia.

Talvez a culpa dessa calmaria toda seja da chuva, apesar daqui ser sempre assim, tranquilo, porém alegre. Essa é a vantagem de morar ao oeste de Londres, não é tão movimentado apesar de Notting Hill ser conhecida por ter sido um cenário de um filme em 1999.

Quando nos mudamos pra cá eu me encantei com esse clima de aconchego que as casas e os vizinhos transmitem, foi também pela feira de antiguidade, moda vintage, artesanato e comida que acontece todos os sábados em Portobello Road, uma rua não muito longe da de casa.

Nossa igreja participa das feiras e com a vendas de artesanatos, livros de todo tipo e vários outros objetos, conseguimos arrecadar um bom dinheiro, também recebemos bastante turistas e visitantes de toda Londres, é sempre interessante conhecer pessoas assim.

Foi dessa maneira que eu consegui e fiz amizade com duas russas, um amigo coreano e outro dinamarquês, além dos londrinos de outros distritos, mantemos contato até hoje.

Cruzo meus braços abaixo dos seios observando, com um sorriso fechado, a senhora brasileira trabalhar, ela junta as folhas molhadas que se acumulam em um monte no meio fio em frente a casa branca com a porta amarela mais vibrante da rua, com certeza ela também cantarola uma música brasileira. Varrer a calçada é um trabalho constante, normalmente ela sai mais cedo, antes de Hugo passar, mas hoje tudo se atrasou por causa da chuva, no entanto eu amo estudar ouvindo o chiado distante da sua vassoura no chão.

A mulher de pele escura, linda e de muito destaque é encantadora, sua alegria é contagiante e sua personalidade incrível, não existe quem não a ame na rua, estamos sempre sendo convidados para tardes de chá em sua casa de móveis bonitos e de decoração colorida e alegre como ela.

Maria é viúva, mudou-se para Kensington e Chelsea, nosso distrito, depois vender sua casa no centro de Londres após o falecimento do marido. Nunca a vi triste, na verdade ela sempre alegra todos, inclusive o dia.

Vejo Hugo, o passeador de cães, dobrar a rua acompanhado por dois lindos filhotes, Maria o olha e parando de varrer lhe oferece um enorme sorriso, abraço-o quando ele estava perto o suficiente e logo depois acaricia a cabeça dos cães que ficam eufóricos ao vê-la, como eu disse, ninguém é capaz de não amá-la.

A mulher troca algumas palavras com Hugo antes de caminhar até sua porta deixando a vassoura na entrada e desaparecendo lá dentro. Enquanto a espera o passeador abaixa-se na altura dos cães e, recebendo várias lambidas, conversa com eles, Maria volta rápido e agora com Chico, seu Anika na coleira.

O cachorro grande e com orelhas em triângulo faz festa ao ver os amigos e logo a coleira dele está na mão de Hugo, mais à frente, de uma das casas coloridas, coladas e que seguem o estilo vitoriano, vejo Oliver sair com sua Dálmata Cacau em seu encalço, é engraçada a história do nome dela.

Quando o Oliver a adotou a cachorra permaneceu alguns dias sem nome e quando Maria descobriu tratou de dar um jeito nisso, a brasileira chamou-a por Cacau e como um raio a cadela ergueu seus olhos e suas orelhas a ela e latiu em concordância.

Contudo, quando Oliver tentou pronunciar o novo nome, por conta da pronúncia diferente entre português e o inglês, ele soltou algo como Cocou.

Eu, que estava lá naquele dia, ri bastante, mas sabia que também não conseguiria falar como a brasileira apesar de ter morado por um tempo no Brasil, existem coisas que só brasileiros conseguem fazer bem, por exemplo falar português, fazer brigadeiro e pão de queijo.

Hugo segue seu caminho depois de mais alguns minutos conversando com a dupla, Oliver, que tinha uma mochila nas costas, também se vai, Maria, então, volta ao trabalho pegado a pá que está posicionada no segundo degrau da escada e o saco de lixo.

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ATENÇÃO: o seu voto é importante, então deixe sua estrelinha quando chegar ao fim, por favor.
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- Olhando a vida dos outros Fifi? - comenta meu pai ao meu lado me fazendo assustar.

- Por Deus, pai. - murmuro o olhando com a mão no peito e sorrindo da risada que ele deu. - Quanto tempo faz que está aqui? -  olho por cima do ombro em direção a porta que está totalmente aberta, estava tão focada que nem ouvira ele a abrir.

- Não muito. - está calmo, como sempre é - Sua mãe pediu pra eu vir chamá-la pra almoçarmos.

Olho para fora novamente, dona Maria já entrou em casa, a rua agora está realmente vazia dando liberdade para os pássaros brincarem e se banharem nas poças de água que tem no chão.

- Sua mãe não conseguiu te convencer, não é? - nego sorrindo.

- Ela tentou. - não é novidade para ninguém que mamãe não desistiria fácil assim, ainda mais para meu pai que já está com ela a mais de dez anos - Mamãe é boa, ela tenta convencer até com os gestos dela e eu teria cedido se não fosse pela faculdade, eles já enviaram o cronograma das provas. - ele sorri, mas ouço a preocupação no seu suspiro entrecortado.

- Você vai ficar bem aqui sozinha? - lá está, o pai que tenta não ser tão intrusivo e protetor, mas ainda é pai. 

- Vou sim, pai. - dou as costas para a janela, apoiando-me nela. - Mamãe me fez essa pergunta umas cinco vezes só hoje. - não posso ser tão dura com eles e pedir pra que parem de se preocupar, afinal de contas eles são meus pais e sei que talvez na cabeça deles eu ainda seja a pequena Sophia de anos atrás, não posso ser injusta.

- Sua mãe sem você é uma mãe e meia, Soph. - essa é uma das suas cotidianas frases.

- Eu vou sentir saudades com certeza, queria estar lá pro evento também. - sorrio simples olhando para minha escrivaninha, não é mentira. - Tenho certeza que vai ser massa. - não consigo olhá-lo, ele saberia ler entre as linhas dos meus olhos.

Ele assente, mas permanece em silêncio pelos minutos seguintes.

- Filha? - me chama fazendo-me olhá-lo. - Apesar de querer disfarçar, eu sei que está preocupada. - eu desvio meus olhos no mesmo instante.

E as vezes eu não preciso nem olhar para ele.

- Eu sei, mas não queria agitá-los com as minhas preocupações banais. - murmuro baixo, também constrangida. 

- Soph, somos seus pais, te conhecemos bem. - ele sorri carinhoso aproximando-se de mim - Sabemos quando tem alguma coisa te incomodando, minha filha. - ergue a mão e afaga minha cabeça - Mas, tente se preocupar menos, lembre-se de que tudo que acontece é permissão do nosso Deus. 

- O que não é benção, é ensinamento. - repito outra de suas frequentes frases. 

- Isso mesmo. - concorda com um sorriso no rosto. - Eu sei que a história de vocês é complicada, conheço as suas incertezas, porém minha filha todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam ao Senhor e Ele não permite que passemos por situações que não tenham propósitos. - eu entendo agora, as vezes é fácil ministrar, mas difícil ser ministrada.

Em outras palavras, é fácil pregar, mas quando estamos vivendo o que pregamos é outros quinhentos  mesmo eu conhecendo a vida de fé dos meus pais e participando dela, nunca será fácil pra nenhum cristão. 

- Tudo se encaixará no tempo dEle, pois para tudo sempre existirá um tempo e um propósito.

"Um tempo e um propósito", as palavras ressoam por minha mente e eu sinto meu nariz arder, olho pra ele com um sorriso contido nos lábios, me afasto da janela para abraçá-lo.

- Obrigada pai. - agradeço sincera, algumas pessoas costumam falar que profeta de casa não é ouvido, mas para mim na maior parte da vida as palavras dos meus pais sempre foram de extrema valia, fosse de consolação ou exortação.

- Apenas confie que tudo que Ele planejou é bom e que sua vontade é perfeita, então seu coração terá paz e sua mente descanso. - fala após me afastar e segurar meu rosto nas mãos.

- Eu te amo - declaro quando ele beija a minha testa.

- Eu também amo você. - ele tem um sorriso nos lábios quando se afasta. - Vai descer agora? - pergunta apontando para a porta.

- Num instante eu estou descendo. - ele assente dando-me as costas, ele sai pela porta que deixa aberta.

Cruzo os braços novamente e caminho até a foto que tem tirado minha paz ultimamente, encaro ela por alguns minutos e então a pego, acaricio os rostos soltando um contido suspiro.

- Um tempo e um propósito. - repito as palavras em baixo tom colocando o porta retrato de volta no lugar.

Antes de deixar o quarto vou até a escrivaninha e suspendo as atividade do notebook o colocando em modo sleep, pego meu celular, o coloco no bolso e depois apago a luz da luminária.

Caminho a passos largos para fora do quarto e conforme me aproximava da escada ouvi vozes contentes vindas do primeiro piso, lembrei-me então que Amélia, uma grande amiga, havia marcado de almoçar conosco hoje.

- Soph. - ela chama meu nome assim que desço o último degrau da escada. - Estava comentando com os seus pais que em dois dias você estará a caminho de Lorena. - ela diz brincalhona antes de me cumprimentar com um beijo na bochecha, meu pai ri enquanto minha mãe vem da cozinha com luvas de tecido na mão segurando uma tigela de porcelana e com um sorriso gigantesco no rosto.

- Estou contando com isso. - argumenta ela e eu nego em discordância.

- Era pra você estar ao meu lado, Ame. - eu a repreendo a assistindo se sentar a mesa posta.

- Mas eu estou. - afirma e eu me sento ao seu lado.

- Tenho certeza que se sua mãe conversasse com a diretoria da universidade você seria liberada para fazer as provas online. - diz meu pai se servindo.

Para o almoço mamãe fez sua famosa massa italiana, ela ama cozinhar e quando teve oportunidade fez um curso sobre a gastronomia italiana, desde então vem aprimorando suas receitas e as criando também, até tem um caderninho com alguns testes.

- Talvez. - murmuro me servindo. - Mas isso demoraria alguns dias para ser analisado, é burocrático, vocês sabem. - digo me lembrando das várias vezes que tivemos que nos mudar no meio do meu período letivo.

- Estão ansiosos sr. e sra. Owes? - pergunta minha amiga.

- Talvez um pouco, não gosto muito de aviões. - e não gosta mesmo, eu fico com a janela toda vez que viajamos juntos porque ela toma remedio e capota toda vez que vamos viajar, enquanto meu pai simplesmente não liga - Mas a ideia de rever nossos amigos também gera um pouquinho de ansiedade, passaram-se tantos anos. - murmura nostálgica e meu pai concorda.

- Phillip não havia nem nascido ainda, deve estar um mocinho. - papai diz e eu sorrio, queria conhecê-lo.

- E a pequena Charlote que deve ser uma graça? - mamãe faz um biquinho fofo e eu nego mastigando meu macarrão - Deus operou mesmo um milagre sobre Phillip, sobre o útero de Pietra e sobre a família Louford. 

- Eu fico tão feliz de poder ter sido instrumento de Deus para a restauração daquele lar. - papai também tem um sorriso no rosto e eu sei que, apesar de terem ficado sem contato por tanto tempo, meu pai ainda considera tanto aquele casal e sua família. 

- E a preparação para o casamento Amélia? - e lá está ela, minha mãe animada.

Ela fica assim sempre que o assunto é festa, quando vai ter algum ripo de comemoração ela está sempre envolvida. 

- A todo vapor, eu nunca achei que casar fosse ser tão caro. - meus pais riem e eu continuo comendo, casar deve mesmo dar uma dor de cabeça enorme, se minha formatura já vai ser cara...

- Minha querida isso é o de menos, espera pra descobrir as manias de William que você não sabia que existiam. - e as duas embarcam em uma conversa animada sobre casamento e vida de casada.

Eu me limito a apenas rir, Amélia sempre é uma companhia muito boa, é a filha do pastor da nossa igreja, eu e ela nos demos bem antes mesmo d'eu chegar aqui, começamos a conversar pelo Messenger do Facebook, as vezes pelo Skype e depois migramos para as chamadas de vídeo do whattsapp e ao longos desses cinco anos na cidade construímos uma amizade forte e verdadeira.

Eu tinha dezessete anos quando chegamos aqui, eu e Ame terminamos a escola juntas e também começamos a faculdade juntas, minha família e eu vimos ela começar a namorar e então noivar e agora ela vai se casar, me sinto imensamente feliz por ela e por participar disso.

Após o almoço meu pai nos ajuda recolher as louças da mesa, mas eles nos deixa pra uma reunião com os pastores do ministério, com isso eu, mamãe e Ame lavamos, guardamos e organizamos a cozinha pra depois irmos pra sala.

Assistimos um filme enquanto fazemos as unhas, Ame pintava as do pé da minha mãe enquanto ela pintava a de suas mãos conversando ainda sobre o mesmo papo do almoço.

- Ele encrencou comigo por causa da caneta, daí eu perguntei: "é essa que está na sua orelha querido"? - fala ela com uma careta e mantendo o pincel do esmalte, que está entre o dedão e o indicador, no alto, mamãe ri e ela volta a pintar as unhas de Mary.

Eu olho delas pro vidro de esmalte que eu segurava com um sorriso, depois para a tevê que apresenta o filme pro sofá já que estamos fazendo tudo menos assistindo a longa metragem, então volto a olhar para minhas unhas de novo.

- Esses homens, sempre com a cabeça na lua, depois temos que dar conta tudo. - reclama da mesma coisa de sempre - Até hoje Ethan vive colocando as chaves, o celular ou até mesmo a bíblia em lugares aleatórios e quer que eu dê conta depois.

- Minha mãe diz que depois que casa só piora. - a moça comenta e dessa vez quem ri sou eu da sua voz desgostosa.

- Piora, mas ao mesmo tempo melhora. - concorda a minha mãe, eu fico só observando, depois ela ainda quer me encorajar a casar - Marido é um monte de coisa em um só, melhor amigo, namorado, chofer, as vezes filho... 

Termino de pintar a unha do dedinho e então abro a mão no ar, a trazendo de volta para perto com os dedos flexionados para observar as unhas pintadas de um rosa queimado fofo.

- Eu gostei. - corto o assunto delas estendendo a mão de novo dessa vez pra que elas também vissem.

- Ficou bonito. - concorda Amélia que pintou as dela de marrom. - Delicadas, igual você. 

- Ressaltou a cor da sua pele. - concorda mamãe.

- Obrigada, meninas. - agradeço sorridente.

Adoro receber elogios, mas não sei lidar com eles.

- De nada. - minha amiga volta a pintar de branco as unhas da minha mãe. - Mas e você, quando vai arranjar alguém? - eu rio, estava demorando.

- Você faz cada pergunta difícil, Ame. 

- O pai dela agradeceria se fosse com noventa anos. - nós rimos.

Na verdade, eu nunca levei esse assunto pra mesa, mas não duvidaria desse desejo do meu pai.

Eu termino de pintar minhas unhas e realmente me sinto encantada com a cor, provavelmente essa será a que repetirei pelas próximas semanas.

O assunto muda de curso, mas não sai do eixo de casamento porque agora elas falam de comida ideais para se servir na festa.

Eu não me lembro quando o meu foco foi inteiramente para a tevê, mas sinto minha respiração alterar quando a cena de uma jovem mulher muda para as lembranças da adolescência dela, ela e um garoto brincavam entre grandes lápides em um cemitério rodeado por árvores e ao fundo um lago.

Eu não sei bem o que aquela cena desperta em mim, mas não posso afirmar que foi algo bom porque sinto minhas mãos soarem frio e meu coração se apertar no peito.

- Hum? - murmuro sentindo o toque leve na minha perna cruzada em borboleta, minha feição também não deve expressar algo legal, pois tanto Ame quanto minha mãe mantém agora expressões preocupadas.

- Está tudo bem, Soph? - minha amiga recolhe a mão estudando minha face com atenção.

Assinto rapidinho colocando um sorriso no rosto.

- Está sim, é que o filme é emocionante. - justifico dando de ombros, não queria dar a impressão que fosse uma desculpa e realmente não era já que despertou em mim emoções, mesmo que fossem esquisitas.

- Eles só estão brincando de esconde esconde. - minha mãe está com o cenho franzido enquanto olhando agora pra tevê.

- Aaah... - murmuro olhando pra tela plana de novo - São as memórias dela. - explico rápido, isso daria pano pra manga - Não é nada, eu estou bem. - sorrio ao afirmar novamente não quero passar pra minha mãe a confusão que estava dentro de mim, ela irá viajar e não quero que vá preocupada comigo.

- Tem certeza? está calada demais e você não é assim. - insiste Ame e eu assinto.

- Estou bem, não se preocupem. - sorrio e como um socorro divino ouvimos a campainha. - Eu atendo! - digo me levantando num salto com os olhos das mulheres em mim.

Dou as costas para elas e sigo até a porta branca da casa azul petróleo, eu amo tudo relacionado a ela, desde a arquitetura vitoriana, até os quartos com enormes janelas, a cozinha e sala de jantar com conceito aberto e a pequena, mas linda, varanda lá atrás.

- Boa tarde, menina Soph. - Sra. Pereira saúda assim que abro a porta.

- Boa tarde pra senhora também. - cumprimento com um enorme sorriso.

- Por Deus, use tudo menos senhora, isso pra uma brasileira é ofensa. - eu rio com sua velha frase, mas que eu sempre esqueço.

- Perdão. - peço mesmo sabendo que em breve tornarei a chamá-la - Venha, vamos entrar. - convido dando passagem, mas ela nega intensamente com a cabeça.

- De maneira nenhuma, não avisei que viria. - justifica com um sorriso singelo. - Mais cedo conversei com Oliver e ele me disse que seus pais viajarão hoje - comenta e eu assinto em concordância - Então fiz esse bolo para vocês e vim desejar boa viagem. - estende a boleira com um lindo bolo que parecia ser de chocolate.

Aperto minhas mãos no peito emocionada com seu gesto de carinho, sinceramente, não poderia esperar menos dela depois de tantos anos como vizinhas, mas eu ainda me surpreendo toda vez que ela é gentil dessa forma. 

- Ficamos lisonjeados pelo carinho, minha mãe está na sala, não quer mesmo entrar? - mas ela nega de novo.

- De modo algum, posso estar atrapalhando... - ia dizendo, mas mamãe coloca sobre meus ombros suas mãos e sorri pra senhora.

- Eu insisto. - é ela quem fala dessa vez - Venha, entre, vamos conversar. - pede soltando meus ombros - Não somos uma família inglesa, não me importo com chegadas de última hora. - brinca fazendo a senhora soltar um riso fofo, mas ainda permanece relutante.

- Huum... - está com os olhos semicerrados - Eu sei que vocês americanos também são sistemáticos com isso. 

- Maria, eu morei em tantos países, já aderi tantos costumes que quando me perguntam onde eu nasci eu demoro uns cincos segundos pra responder. - fala minha mãe e a senhora de meia idade ri novamente, dessa vez divertida.

- Ahh. - exclama ainda risoleta - Deus abençoe os Estados Unidos por descender você. - exclama cedendo ao convite e entrando.

Maria tira as rasteiras e acompanha minha mãe que segue na frente para sala com ela logo atrás após fechar a porta.

- Deus abençoe a pátria Brasil por presentear o mundo com a estrela que é você. - retribui mamãe enquanto eu caminho sorridente na direção oposta, para a cozinha.

- Queria ter uma vizinha como a sua, nunca vi mulher mais alegre. - murmura Ame enquanto eu coloco a boleira em cima do balcão.

- E não, é? - vou até o armário pegar pratos de sobremesa. - Maria faz da rua um lugar mais feliz, sem contar nas delícias que ela prepara. - digo tirando a tampa de vidro.

- Olha o cheiro disso. - comenta minha amiga formiguinha se aproximando do bolo e puxando o ar e o deliciando.

- Eu já sei do que é, é bolo de cenoura. - digo antes mesmo de cortar, estava ansiosa para provar. - Faz cinco anos que não como um desse, é delicioso. - sinto a boca salivar.

- Se a cara está boa, imagina o gosto? - alcança para mim o primeiro prato.

A cor laranja fica exposta quando corto o bolo e coloco o pedaço no prato, o contraste do marrom com laranja é muito bonito.

- Teve uma vez que ela nos convidou para tomar um chá na casa dela, aos fins de semana Maria sempre tem visitas, ela nunca está só. - digo enquanto corto mais pedaços - Naquele sábado experimentamos a browa de fuba, é incrivelmente delicioso, não me lembro de ter experimentado no Brasil. - comento cortando outros três pedaços

- Eu acho que eu e Willi iremos passar a nossa lua de mel no Brasil. - eu sei que está brincando, mas também sei que eles não se arrependeria se fossem. 

- É a melhor coisa que vocês farão. - digo chupando a ponta do dedão que sujara de bolo. - É um lindo país. - afirmo entregando a ela um prato e um garfo.

- Huuum... - murmura após a primeira garfada.- O que é isso? que delícia. - diz e eu sorrio.

- Eu sei. - afirmo enfiando os outros três garfos nos pedaços de bolo.

- Huun... - murmura de novo terminando de mastigar. - Soph. - olho para Ame quando a ouço me chamar e depois volto a descer meus olhos para a boleira que fechava. - Mudando de assunto não quero invadir sua privacidade, então se não quiser responder eu entenderei. - fala ganhando minha atenção por completo. - No que... - se cala - Ou melhor, em quem estava pensando aquela hora na sala? - pergunta parecendo desconfiar e eu suspiro.

Troco o peso de perna e olho para o balcão do armário.

- Não precisa responder, descul... - eu a calo rapidamente.

- Não, não se desculpe. - peço - Tudo bem. - afirmo, de qualquer maneira eu já havia lhe contado a história. - Eu tenho pensado muito em Dan nos últimos dias, sabe? - falo e ela assente com as sobrancelhas altas em compreensão, Ame sabe que esse é um assunto delicado. - Com a ida dos meus pais à Lorena eu fico me questionando: como será agora? - perco meus olhos no chão de madeira clara. - Ao mesmo tempo que uma parte de mim quer retomar o contato e recuperar, talvez, o tempo perdido, a outra está hesitante e insegura pelo que aconteceu. - explico e ela assente. - De alguma forma eu sinto a falta dele, não sei se ele também sente a minha ou se é indiferente já que nunca mais nos falamos. - desabafo dando de ombros.

- Eu acredito que com tudo o que aconteceu no passado esquecer você ele não iria. - opina sorrindo para mim. - Mas se esconder ou fugir não vai mudar o que aconteceu, nem resolver as pontas soltas que existem entre vocês. - fala minha amiga e eu suspiro.

- As vezes eu penso que me acho demais por pensar que ele sente a minha falta ou pensa em mim. - confesso. - Você pode pegar aquela bandeja? - aponto pro material de inox dentro do armário com porta de vidro.

- Soph, minha amiga. - chama calma abrindo a porta e pegando o objeto - Vocês eram próximos, isso não é vaidade, é sentimento. - discorda colocando sobre o balcão e eu deposito os pratos brancos e de porcelana em cima.

- Sinceramente Ame, eu sinto que irei magoá-lo se contar. - digo e ela sorri.

- Talvez você já esteja o magoando por se manter longe ocultando os verdadeiros fatos. - alerta e eu me calo encarando seus olhos.

Dou as costas para ela alcançando no armário duas xícaras do mesmo estilo que os pratos, Ame vem ao meu encontro e pega as outras duas.

- Olha, não estou te incentivando a fazer essa viagem. - diz depressa enquanto eu organizava as peças sob a mesma bandeja - Mas pense em entrar em contato, uma mensagem, um e-mail. - aconselha enquanto sirvo as xícaras com chá gelado - Ou se quiser, escreva uma carta, combina com ele e é romântico. - sorri e eu fecho a cara.

- Não existe nada romântico nessa história. - repreendo emburrada e pego com cuidado a bandeja pesadinha, Ame vem depressa até mim e pega seu prato, passo a caminhar em direção a porta deixando pra trás minha amiga que ria de mim.

Na sala de estar mamãe e Maria estão em um papo animado, Mary já fala bastante por natureza, agora, na companhia da senhora a falança triplica.

- Obrigada querida. - elas sorriem para mim quando as sirvo.

Maria pegou primeiro a xícara de chá e continuou a conversar com mamãe que faz caretas se deliciando com o bolo que comia.

- Desculpe interrompê-la Maria, mas esse bolo está delicioso demais. - diz e então põe na boca mais um generoso pedaço, eu também como o meu e vejo Ame aparecer com o prato renovado.

- Eu fico lisonjeada por terem gostado, fiz de coração.

- Nós agradecemos pelo carinho e consideração. - mamãe diz - Pode me passar a receita depois? - pergunta enquanto meus olhos vão para Amélia que havia se sentado na poltrona enquanto eu estou acomodada no chão, sobre o tapete.

- Mas é claro que sim, apesar de que esse chocolate veio do Brasil. - comenta - Mas de todo caso, eu passo sim. - afirma e mamãe parece feliz.

Elas continuam conversando e eu apenas finjo prestar atenção, estou pensativa e levemente no mundo da lua, penso nas fortes palavras de Ame.

Será que eu estou o magoando? De todas as coisas que desejei e desejo esta não está na lista.

- Meu filho finalmente virá me visitar, depois de dois anos, eu acho justo. - comenta a mulher e eu encaro o chão com o bolo entalado na garganta.

Maria foi embora um pouco antes do papai chegar, se aproximava das quatro horas da tarde, foi uma tarde agradável, porém conforme as horas passam mais meu coração parece se angustiar, na minha mente eu repito as palavras de meu pai: "um tempo e um propósito, um tempo e um propósito", mas ainda assim eu sinto a perturbação que meu emocional causa na minha mente.

Amélia também se foi, irmã Chloe, a mãe da jovem a viera buscar, depois que a casa se encontrava silenciosa novamente mamãe subiu pro seu quarto para descansar um pouco, enquanto eu lavei a louça do chá e depois comi mais um pedaço do delicioso bolo.

Sentada à mesa eu respondo algumas mensagens e converso com algumas pessoas, enquanto na tevê, ainda ligada, passava o incrível mundo de Gumball.

O tempo passa que eu não vejo, mas quando olho pro relógio arregalo meus olhos em alerta quando constato que dará cinco horas da tarde.

- Mãe? - chamo deixando a cozinha e indo em direção as escadas. - Já são cinco horas. - digo caminhando para seu quarto. - Mon? - chamo uma vez mais após bater na porta.

- Pode entrar, filha. - a ouço dizer do outro lado. - Estou me arrumando. - comenta enquanto eu já entro.

- São cinco horas, a companhia pede uma hora de antecedência. - digo e ela assente.

- Tudo bem - pega a correntinha de ouro que papai havia de lhe dado na penteadeira e a prende no pulso em frente ao grande espelho. - Seu pai ligou, disse que já esta...

- My girls³. - o ouvimos no andar debaixo - Cheguei. - cantarola.

- Estamos no quarto mon amour. - mamãe responde ajeitando a gola do vestido mostarda.

- Huum... - o ouço murmurar ainda lá em baixo - Tem bolo... - diz e eu e mamãe sorrimos - Nossa, que delícia. - elogia com a voz afetada pela boca cheia e fecha a boleira com um estalo do vidro.

- Não quebre pai. - alerto e mamãe ri da minha careta enquanto ouvíamos os passos do meu pai denunciarem sua aproximação.

- Uau, quem é aquela jovem mulher? - pergunta parando ao meu lado e colocando as mãos na cintura, tinha no rosto as sobrancelhas vincadas e um grande sorriso nos lábios. - A beleza dela cega meus olhos. -murmura e eu gargalho enquanto minha mãe o olha com um sorriso bobo.

- Credo pai, que cringe⁴. - digo e ele ri fraco.

- Cringe coisa nenhuma, foi assim que eu conquistei sua mãe. - afirma confiante e ela ri.

- Tá, eu vou me arrumar. - digo com uma careta. - Seja rápido pai, estamos atrasados. - aviso dando dois tapinhas na lateral do seu ombro e o vejo assentir levando a mão, com os dedos retos, a testa e batendo continência em seguida.

Eu rio e então dou-lhe as costas caminhando para meu quarto, atravesso a passagem e fecho a porta, vou de encontro ao armário e o abro pronta para escolher uma peça de roupa. Passo as mãos pelos tecidos das camisetas pensuradas por cabides e então paro no vestido azul que ganhei de presente da minha mãe no meu aniversário de dezenove anos.

Quando morei no Brasil desenvolvi o costume de tomar banho pelas manhãs antes de ir pra escola por causa do clima quase sempre quente, e olha, é o melhor remédio para despertar seguido de um bom café, nenhum em todo mundo é como o do Brasil, forte como um touro. Então como de costume eu já havia tomado meu banho apesar de ter faltado as classes da faculdade para passar essa tarde com meus pais.

Após me despir coloco o vestido de tecido florido que ainda serve como uma luva, ele tem mangas médias e a saia mídi, pego na prateleiras de calçados meu all star branco e me sento na beirada da cama para calçá-lo, analiso o resultado de frente ao espelho de corpo inteiro e sorrio em aprovação.

Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo baixo, borrifo perfume em meus pulsos, parte traseira das orelhas e no colo.

Antes de sair do quarto pego uma das minhas jaquetas, hoje à tarde voltou a chover e por isso a noite, muito provavelmente, será fria.

- Estão prontos? - pergunto a meus pais que descem as malas.

Na vida sempre existirá três tipos de viajantes, os conscientes: levam somente o necessário, os ecológicos: os que levam apenas uma mochila e reciclam as roupas e os exagerados: são os que vão de mudança, minha mãe se encaixa nos viajantes da última categoria, coitado de quem fosse ajudá-los quando pousassem em Paris, terão carro e chofer esperando, chique.

- Me ajude a descer aquela mala? - pede meu pai apontando para uma mediana.

- Vocês sabem que tão levando mais mala do que o que será coberto pela companhia, né? - pergunto seguindo meu pai.

- Nem comenta filhota, vou ter que desembolsar as taxas. - diz com desgosto e mamãe ri.

- Não reclama mon amour, estou levando apenas o necessário. - diz e rimos.

- Pra três meses. - completo e ela faz careta para mim.

Seguimos para fora da casa guardando as bagagens no porta malas do Jetta e também no banco de trás, mamãe é a última a sair de casa, tranca a porta e então entra no carro.

- Mãe, coloca a chave no console pra não esquecer e levar com a senhora, em? - digo e ela assente.

Meu pai da partida e iniciamos a estrada em direção ao aeroporto de Heathrow que não era muito longe de casa, de vinte e oito a trinta minutos mais ou menos.

Não conversamos muito durante o trajeto, eu observo pensante as casa, lojas, praças e pessoas passam por nós, tento me decidir se mando ou não um e-mail, mas eu diria o que? Não há formas de falar isso facilmente, é difícil pra mim e tenho certeza que será pra ele também.

Quando chegamos não tem muitas vagas ocupadas no estacionamento, justamente por isso ele consegue uma bem de frente a entrada do aeroporto, será muito mais fácil para mim achar o carro mais tarde.

Saímos todos, com muitas malas e prontos pra começar o processo de check-in.

- Talvez seja até bom vocês irem sem mim. - digo quando já está tudo pronto, esperamos sentados só o portão ser anunciado e a entrada permitida. - Terão uma folga.

- Soph. - minha mãe me repreende soltando minha mãe e estapeando minha perna de leve, eu e meu pai rimos baixo - Por Deus, garota. - murmura olhando para o lado.

- Falo sério, mãe. - rio - Fiquei sabendo que a capital de Lorena é belíssima, vocês poderão ir jantar nas boutiques chiques de lá, fazer passeios românticos pelos pontos turísticos, tudo bem que vocês estão indo em missão, mas em almoçar e jantar não vejo problema. - falo sob o olhar sério de Mary.

- Eu acho uma ótima ideia mon amour. - papai sorri para minha mãe.

- Não me admira. - ela brinca.

- Vocês sabiam que antes de Metz a capital de Lorena foi Nancy, inclusive é lá que está um dos castelos da família real, lá também está a famosa praça Stalislas. - falo para eles que sorriem. - Ela foi um dos palcos na segunda guerra mundial, e os pontos turísticos de lá é a Catedral Saint Etienne, a Basílica de Saint Pierre de la Citadelle e a Porta dos Alemães, sinceramente eu seria uma ótima guía turística. - digo e meus pais sorriem, mamãe tira os olhos de mim olhando pra variação de passageiros.

- Pesquisou tudo isso quando? - pergunta meu pai intrigado.

- Não precisei me dar ao trabalho, foi só atender a ligação de Betânia na semana em que contei que vocês iriam. - digo e eles riem.

- Essa garota... - papai nega - Ela é fenomenal.

- Por falar nela, faz tempo que não a vejo, estou com saudades. - fala mamãe e eu concordo.

Betânia é uma amiga intercambista que viera da Espanha há três anos atrás, ela tem uma personalidade forte, entretanto é alegre e bastante exagerada.

Amo quando está eufórica e dispara a falar espanhol, nunca entendo nada, mas acho engraçado.

- Sabiam que foi há mais ou menos três reinados antes do rei Kristopher que o castelo de Lorraine foi construído na região rural de Lorena e desde então a família real mudou de endereço, o que ainda está em Nancy agora é um museu. - finalizo.

- Betânia te contou tudo isso? - pergunta minha mãe e eu assinto.

- E recontou nos dias seguintes que nos encontrávamos na faculdade. - afirmo me lembrando de quando do nada a garota surgia com uma foto nova fazendo propaganda do reino.

Nem parece que agora ela mora na Inglaterra aonde também tem uma família real, apesar de ter sido pouco demais, foi engraçado ver a afobação e animação dela, parecia até que havia sido convidada pessoalmente pela rainha Pietra para tomar um chá.

- Ela sumiu, não foi? - mamãe murmura e eu sorrio.

- Esse chá de sumiço se chama faculdade. - digo vendo um cachorro pequenino e peludo ser carregado dentro de uma caixa rosa, sorrio pra ele.

- É, se estiver pra ela como está pra você, tá feia a coisa mesmo. - papai murmura com um suspiro.

- Deve estar pior, ela faz engenharia, por isso é doida daquele jeito. - digo e minha mãe ri.

- Seu pai fez engenharia e não é por isso que ele é doido. - observa.

- É, mas não é difícil observar que os números afetaram a cabeça dela. - digo rindo.

- Isso é preconceito Soph. - papai comenta e eu rio.

Os minutos que restaram parecem passar como flash e com isso a hora do embarque se aproxima com rapidez, meus pais e eu continuamos conversando tranquilamente, eu estou sentada entre os dois, a cabeça no ombro de meu pai, meu braço entrelaçado ao dele enquanto seguro as mãos de minha mãe.

Talvez eu não estivesse pronta pra passar esse um mês e onze dias sozinha, mas eu nunca irei descobrir se não tentar.

Tanto eu quanto meus pais sabemos que sou capaz de me cuidar bem, mas pelos fortes laços que temos sentimos a necessidade de estarmos próximos um dos outros, e a enorme falta quando não estamos.

- Daqui a pouco a moça vai gritar no megafone. - comenta meu pai olhando para o relógio de pulso. - Vamos orar? - chama olhando para mim e para minha mãe.

- Hurum... - ela murmura e damos as mãos, abaixamos a cabeça e meu pai inicia a oração em baixa voz.

- Senhor Deus, te agradeço por mais um dia que concedestes a mim e a minha família, obrigado pela saúde, pelo ar que respiramos, pela nossa união, pelo seu amor e sua misericórdia. - ora - Pai, somos gratos por tudo o que o Senhor vem fazendo, continue abrindo as portas e quebrando tudo que seja contrário a realização desse evento, meu Senhor seja conosco nessa viagem, guardá-nos na ida, protejá-nos na permanência e livrá-nos na volta. - pede - Esconda debaixo das suas asas minha filha Soph que ficará aqui, eu sei que o Senhor é um pai mais protetor que eu e saberá guardá-la. - diz e eu sorrio ainda de olhos fechados - Cremos no seu amor, na sua proteção, cremos em Ti...

- Amém. - falamos juntos e olho pra minha mãe que leva as mãos aos olhos chorosos.

- Oh mon... - murmuro sentindo meu nariz arder e os olhos lacrimejarem.

Abraço seu corpo miúdo de lado ouvindo seu riso fraco.

- Não chorem meninas, senão chorarei também. - fala meu pai com a voz esquisita nos abraçando ainda sentado.

- Eu vou sentir tantas saudades. - fala mamãe acariciando meu rosto e beijando minha cabeça.

- Eu também irei mãe. - afirmo olhando pra seus olhos expressivos no rosto fino. - Mas eu tenho certeza que estaremos tão focados que nem veremos o tempo passar, logo estarão de volt...

- Atenção senhores passageiros do voo 1476, com destino a Paris, embarque liberado no portão 9. - fala a voz masculina que me interrompeu.

- Acho que agora é o de vocês. - falo com um sorriso simples.

- Aaah... - papai suspira - Eu tenho certeza! - se levanta primeiro estendendo a mão pra mamãe que permanecera sentada.

- Eu estou indo alegre, mas com um pedacinho do meu coração aqui. - diz ela pegando minha mão enquanto vamos em direção ao portão.

Papai carrega a mala de mão que guarda as coisas dele e dela, e com a outra mão segura a da mamãe.

- Só um pedacinho? - pergunto finjindo ofensa o que faz minha mãe rir.

Seguimos em silêncio até o portão, lá eu solto a mão dela e a abraço.

- Vai com Deus, não esquece seu remédio pra dormir e quando chegar lá me liguem. - peço e ela assente.

Me afasto dela vendo-a sorrir com mais lágrimas nos olhos.

- Eu te amo mon. - beijo sua testa e a abraço de novo.

- Eu te amo amo também mon amour, se cuida. - pede - Não é pra ficar pedindo fast food. - ordena me afastando de si.

- Uma vez por semana, prometo. - digo sorrindo.

Viro-me para meu pai e também o abraço.

- Não falte a feira filhota, nem mate os cultos e as reuniões da célula. - ordena me fazendo rir - Mantenha o contato e fique bem. - pede e eu assinto.

- Tudo bem, tudo bem, eu irei seguir certinho a lista de recomendações de vocês, prometo. - falo segurando as mãos dele e me aproximando quando ele me puxa para mais um abraço forte.

- Eu te amo. - fala e sorrio em seu abraço.

- Eu também pai. - afirmo e beijo seu rosto.

- Atenção senhores passageiros do voo 1476, com destino a Paris, embarque liberado no portão 9. - repete a mesma voz de antes e eu sorrio me afastando.

- Vão gente, antes que percam o voo. - digo não querendo chorar.

- Aah, minha filha. - mamãe cedi e me abraça de novo, papai também nos abraça cobrindo nós duas com seus longos braços.

- Vai gente. - digo me afastando sentido meu coração doer e meus olhos lacrimejarem.

Eles sorriem, dão as mãos e as costas para mim, acompanho o casal com os olhos, sorriso fechado no rosto e com os braços cruzados.

Eu os vejo se afastarem enquanto conversam e sorriem um pro outro, suspiro não sabendo expressar o quanto eu amo aqueles dois e o quanto estou feliz por eles estarem caminhando pra mais um realização para o reino.

Quando eles somem da minha vista desço os braços em direção aos bolsos, mas sem sucesso. Arregalo os olhos lembrando que não tinha bolso, o que significava que não estava com a chave do carro.

A CHAVE DO CARRO!

Olho pro corredor por onde meus pais sumiram e sem pensar duas vezes passo a caminhar e depois a correr em direção ao portão, mas sou barrada pelo segurança.

- Desculpa seu guarda, mas meus pais entraram naquele avião e levaram com eles a chave do carro. - digo rápida - Se eles decolarem eu não sei como voltarei pra casa, não tenho dinheiro aqui comigo pra pegar um táxi. - explico e ele parece se compadecer me dando assim passagem. - Obrigada seu guarda. - digo voltando a correr enquanto ele me seguia falando com alguém pelo rádio comunicador.

No fim do corredor encontro uma aeromoça que sorri para mim com gentileza.

- Boa noite senhorita, não se afobe, ainda estamos com tempo. - fala e eu sorrio.

- Boa noite, eu não sou passageira, na verdade meus pais entraram a pouco, mas meu pai levou consigo a chave do carro e eu preciso dela. - explico.

- Oh my gosh! - diz surpresa - Você sabe qual é a poltrona deles? - pergunta e eu nego.

- Mas sei que eles estão na classe executiva. - digo rápido e ela assente.

- Então, por favor, siga-me. - pede e assim o faço.

Caminhamos por entre as poltronas, atraimos vários olhares e inclusive os dos meus pais quando os encontramos.

- Soph, o que aconteceu? - pergunta minha mãe com o olhar confuso.

- A chave do carro. - digo ofegante, eu não fazia ideia de que até ofegante eu estava.

- Oh Deus, Ethan!! - minha mãe olha pro marido que me oferece um sorriso amarelo.

- Eu e minha cabeça avoada. - murmura se levantando e enfiando a mão no bolso traseiro do jeans.

Ele me estende a chave e então sorrio, dou-lhe um beijo e depois em minha mãe.

Saio do avião guiada pela aeromoça e lá fora encontro o guarda que ainda me esperava, estendo a chave pra ele que sorri empático.

- Obrigada pela ajuda, boa viagem pra você e bom serviço a vocês. - digo a eles que sorriem e agradecem e então caminho para fora do portão.

Cruzo os braços em baixo dos seios enquanto atravesso o aeroporto, a hora finalmente chegou e eu me sinto completamente sem vontade de voltar pra casa.

Atravesso as portas automáticas e caminho para o carro, a noite realmente está mais fria e eu mais aquecida com a jaqueta.

Destranco o carro e abro a porta, mas olho pro céu quando ouço o avião, em que estão meus pais, decolar.

- Vão com Deus... - murmuro e então com um suspiro entro no carro.

Dou partida e manobro saindo da vaga, tamborilo meus polegares no volando do carro focada no trânsito, mas ao mesmo tempo pensando em meus pais, em Lorena, em Dan.

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ATENÇÃO: o seu voto é importante, então deixe sua estrelinha quando chegar ao fim, por favor.
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A caminho de casa paro para abastecer, pego o cartão no porta luvas e desço me aproximando do tanque do carro e do tanque de gasolina, encaixo o bico da bomba no carro e então passo o cartão fazendo assim a gasolina sair.

Travo o carro e caminho em direção a loja de conveniência, não estou com ânimo pra fazer janta e com certeza dormir de barriga vazia eu não conseguirei.

Ouço o sininho anunciar minha entrada, mas o balcão do caixa permanece vazio, vou até a sessão de frios e pego dois sanduíches naturais, logo depois vou até o freezer de bebidas e pego uma garrafa de água saborizada sabor laranja, com gás.

Vou até o caixa e vejo uma senhora sair de dentro de uma salinha menor, a TV está alta, tanto que consigo ouvir as vozes dos atores da telenovela inglesa mais assistida pelos londrinos.

- Boa noite. - saúdo e a mulher apenas sorri.

Ela pega minhas compras e passa pelo identificador que apita após reconhecer cada código de barras.

- Vovó? - ouço e vejo uma garota com o cabelo metade azul e metade rosa sair de dentro da sala também. - Ah, boa noite. - cumprimenta pegando uma sacola enquanto eu pegava o cartão.

- É por aproximação. - explico, mas a mulher se mantém na mesma posição.

- Desculpa, minha vó é deficiente auditiva. - justifica a garota e eu assinto compreendendo.

- Não se desculpe, está tudo bem. - garanto sorrindo e a vendo se comunicar com a avó por sinais.

Ela concorda e então me estende a máquina, eu aproximo meu cartão e logo ela apita confirmando o pagamento.

- Como eu digo à ela boa noite? - pergunto e a garota sorri grande.

- Assim... - me mostra os movimentos fáceis e repito pra senhora que me oferece um sorriso gigante.

Ela se retira após me desejar boa noite também e então olho para a garota dona de vários piercings.

- Obrigada. - agradeço contente pegando minha sacola.

- Eu que agradeço pela empatia, minha vó perdeu a audição há dois anos em decorrência da diabete, hoje, particurlamente, ela estava meia triste, mas posso ver que você conseguiu a animar. - diz olhando para dentro da cabine aonde a avó assiste a tevê com um sorriso fechado e semblante alegre.

- Eu fico lisonjeada em ouvir isso. - confesso - Boa noite e bom trabalho à vocês. - desejo e ela agradece.

Saio da loja com a sacola na mão e ao som do sino novamente, destravo o carro e coloco as compras no banco do carona; vou até a bomba e a coloco de volta no tanque fechando a tampa do carro.

Já dentro dele dou partida e sigo caminho até uma praça que tem perto de casa, eu ainda não quero ir pra lá sei que estará silenciosa demais quando chegar.

Paro em frente ao local bem arborizado e abaixo o vidro, ligo o som e relaxo minha cabeça no banco enquando ouço os acordes da valsas das flores.

Sorrio me lembrando imediatamente de mamãe, ela é imensamente apaixonada por músicas clássicas e isso se deve por ela ser uma musicista, todos lá em casa são.

Cantarolando o ritmo da música busco pelo meu jantar, abro primeiro a água e dou um leve gole.

- Soph! - ouço meu nome soar rápido e assusto, aperto a garrafa que jorra água gaseificada por todo meu rosto, inclusive para dentro do meu nariz me fazendo engasgar.

- Cof, Cof, Cof - tusso sem parar. - Me-meu Deus, Cof, Cof... - murmuro olhando pro rosto de Oliver suado e ainda um pouco distante do carro.

Ele caminha depressa até mim e se debruça sobre o carro.

- Por Deus Soph, você está bem? - pergunta preocupado enquanto eu ainda tossia.

- Vou ficar, Cof... - digo erguendo minha mão desocupada.

- Venha. - chama abrindo a porta do carro. - Talvez se você se levantar melhore. - diz e eu saio do veículo.

- Me diga... - peço ainda me recuperando - Como você aborda as pessoas dessa forma? - pergunto o olhando indignada.

Oliver estava com roupa de academia, com certeza voltava de uma.

- Desculpa... - pede sorrindo - Não foi intencional. - justifica e eu assinto olhando pra minha roupa molhada.

Eu esfrego como se fosse secar, fazendo o garoto pigarrear.

- Desculpa mesmo, não tive a intenção.

- Tudo bem, isso seca. - digo - Tá com fome? - pergunto calma.

- Não, eu não costumo jantar. - explica e eu assinto.

Abro o carro novamente para pegar a sacola com meus lanches e ao sair fecho a porta.

- Me acompanha em um piquenique noturno? - pergunto com um sorriso e ele sorri.

- Claro. - afirma apontando para uma mesa de madeira mais ao centro da praça.

Travo o carro e ando com ele pelo caminho de pequenas pedrinhas brancas, nos sentamos na mesa e o veho olhar pro céu enquanto eu abro a embalagem de papel do sanduíche.

- Aonde seus pais estão agora, em? - pergunta e eu o olho.

- Gostaria de saber, de lá de cima tudo se torna tão pequenino que num segundo já não estamos mais na mesma cidade. - falo e ele assente - Não quer mesmo? - pergunto e ele nega.

- Não, obrigado. - nega. - Bet perguntou por você quando nos encontramos pra almoçar, pensou que havia desistido de não ir a viagem. - diz e eu sorrio.

- Ela estaria no céu se eu tivesse ido. - murmuro com a mão em frente a boca e ele assente.

- Muito capaz. - sorri.

Ele cursa o último ano de medicina veterinária, é uma graça de pessoa, um verdadeiro inglês. Não frequentamos a mesma universidade, mas somos amigos da mesma igreja, foi um dos primeiros jovens que Amélia me apresentou.

O clima fresco está gostoso, a noite, diferente do dia, tem com o céu limpo e dá espaço pras lindas estrelas brilharem.

- Olha como está lindo o céu. - murmuro e ele concorda também olhando para cima.

- Hoje seria uma ótima noite para visitar o observatório e buscar pelas constelações. - diz ele e eu sorrio abaixando meus olhos para meu lanche e mordo mais um pedaço.

- Por que você faz astronomia? - pergunto a ele que abre um lindo sorriso, apoia a cabeça na mão e suspira.

- Porque sou péssimo com isso. - diz e eu rio.

- Até parece. - resmungo.

- Astronomia é mais um hobby. - explica abaixando os olhos para mim - Eu amo o que eu faço, os dias mais felizes da semana são os dias que eu vou pra clínica.

- Eu entendo. - assinto desviando meus olhos dos deles. - Pros meus pais é a missão, pra mim, direito. - comento. - Lembro do meu primeiro juri simulado, foi um dos melhores dias da minha vida. - murmuro me lembrando com um sorriso.

- É tão bom fazer o que amamos, não é? - pergunta olhando pro céu novamente e eu assinto em concordância. - Quais são seus hobbys preferidos Soph? nunca havia lhe perguntado isso. - diz.

- Pra falar a verdade, eu não sei. - murmuro franzindo o cenho.

Eu e Oliver ainda conversamos mais um pouco, vemos o tempo fechar lentamente, as cinzas nuvens denunciam que virá chuva ao esconder as estrelas e então por volta das oito e meia a mãe dele liga perguntando por ele.

- Eu nem vi a hora passar. - justifica se levantando após desligar - Havia me esquecido que mamãe iria deixar Cocoa lá, desculpa por ter que ir Soph. - pede e eu sorrio.

- Não se desculpe. - digo calma me levantando logo após ele. - Também perdi a noção do tempo, tenho que terminar alguns exercícios ainda hoje. - murmuro juntando meu lixo - Meu Deus, sua mãe vai dizer que eu estou te corrompendo. - brinco e ele ri.

- Tenho certeza que não, ela a-ma você. - pronuncia a palavra lentamente revirando os olhos zombeteiro e eu rio.

- Ahan, graças a Deus por isso. - sussurro erguendo as sobrancelhas com a chave do carro na mão - Quer uma carona? - pergunto e ele assente.

Eu concordo, passando a caminhar em direção ao lixo próximo aonde jogo a sacola com as embalagens e então caminhamos lado a lado até meu carro.

- Você sabe dirigir certin? - pergunta brincalhão e eu lhe ofereço uma careta, destravo o carro e entro seguida por ele.

- Só morrendo pra descobrir. - brinco.

- Misericórdia Sophia! - exclama arregalando os olhos e eu rio alto encaixando a chave na ignição. - Retira isso que você disse. - ordena e eu assinto.

- Senhor, anule o poder das minhas palavras e eu retiro o que eu disse. - falo e ouço o suspiro dele.

- Deus me livre, sou muito novo pra morrer. - murmura me fazendo rir de novo.

Os pingos da chuva começam a cair quando estamos na metade do caminho pra casa.

- Parece que se não estivéssemos indo embora de um jeito iríamos de outro. - comenta e eu concordo.

- Pois é, sinceramente, eu amo dias e noites assim. - falo e ele assente.

- Ao som da chuva e d'uma clássica eu durmo fácil e muito bem. - murmura e eu sorrio.

- Minha mãe é apaixonada por músicas clássicas, esse pen-drive é só desse estilo. - digo - Dentro do porta luvas tem um estojo com outros pen-drives de outros estilos musicais. - conto e ele me olha com uma careta desacreditada e com um sorriso.

- Sério isso? - pergunta e eu assinto.

- Super. - afirmo - Pode abrir pra você ver. - falo e ele não hesita.

- Credo, que legal... - murmura e eu rio. - Quem é o dono dessa arte?

- Eu, não gosto de músicas no aleatório. - falo e ele assente.

- Qual é o estilo de música preferido do seu pai? - pergunta e eu semicerro os olhos tentando escolher entre os que ele mais gostava.

- Nossa... - murmuro - Essa é difícil. - afirmo. - Meu pai é super eclético. - digo - Adora ouvir música no aleatório. - conto sorrindo. - Acho que ele mesmo não tem um estilo de música preferido, porém o que ele ouve com frequência são os worship. - falo e ele assente.

- Minha mãe ama worship. - conta ainda vidrado nos pen-drives.

Chegamos em casa debaixo de chuva, insisto pra que ele desça apenas em frente à sua casa pra não se molhar tanto e foi só por isso que ele aceita.

- Obrigado pela companhia Soph. - sorri calmo - E pela carona também. - diz e eu nego.

- Imagina, quem tem que agradecer sou eu. - digo e ele abre a porta do carro.

- Vai amanhã a tarde na reunião da célula? - pergunta e eu assinto. - Então, até amanhã. - diz saindo.

- Até. - aceno e o vejo fechar a porta.

O carro branco de irmã Jane está parado a minha frente e em frente a casa vermelha e assim que Oliver abre a porta de casa a mulher abre a porta do carro por onde Cacau sai em um tremendo carreirão.

Sorrio pela cena e dou ré até a minha casa, estaciono o carro na vaga a céu aberto e então me preparo para sair.

Pego o cartão, meu celular e a chave de casa no console do Jetta cinza chumbo.

Saio do carro e corro até a porta de casa, eu paro para o travar o automóvel somente quando estou protegida da chuva, entro em casa, fecho a porta atrás de mim e a tranco, tiro o tênis ali mesmo e visto minhas pantufas de pelinhos.

Me abaixo para pegar o all star e então penduro a chave do carro no chaveiro subindo logo depois para meu quarto.

Ascendo a luz e fecho a porta atrás de mim, quase que instantaneamente meus olhos correm para a foto. Deixo o tênis cair no chão em frente a porta e caminho em direção a cômoda arrancando a jaqueta.

Eu a penduro nas costas da cadeira de madeira e pego o quadro nas mãos, olhando para nossos rostos juntos me lembro do dia em que mamãe me entregou ela e outras mais fotos, inclusive a que eu mantinha em meu diário.

- Um e-mail... - murmuro olhando pro meu notebook desligado e aberto em cima da mesa também de madeira branca. - Mas eu não sei o e-mail dele. - murmuro com suspiro decepcionado.

Com a foto em mãos caminho até a escrivaninha, me sento e junto o material que continua espalhado por ela, guardo as canetas e marca textos, fecho os livros e as folhas do fichário e os deixo ali em cima mesmo, porém no cantinho aonde não me atrapalharão.

Puxo para perto o computador e o ligo ao som da chuva que bate forte conta o vidro da minha janela. Quando ele finalmente liga eu procuro pelo nome de Dan em todas as redes sociais que acho possível ele ter conta, mas em nenhuma eu o encontro.

Frustrada e com o coração tristonho abaixo a tela do notebook e busco pelas gavetas da minha mesa meu diário.

O coitado estivera guardado ali há tanto tempo que estava até empoeirado quando o peguei a alguns dias atrás, foleio as folhas um pouco gastas e amareladas, eu o tinha desde os nove anos, nas folhas desse diário eu havia descrito sentimentos que não me lembro de ter sentido e graças a isso hoje eu posso tentar senti-los de novo.

Ali está escrito sobre o último dia em Lorena e como foi minha despedida de Dan, eu não imaginava que uma criança poderia ter sentimentos tão intensos quanto os que eu tive.

Passo, também, pelos dias que escrevi no Canadá, a minha escrita ansiosa para ir ao lago no dia anterior ao acidente e alguns meses depois dele.

Com um nó na garganta chego ao dia que escrevi sobre o Dan, a primeira vez depois de tudo, depois daquele dia nada nunca foi como antes.

Foi difícil para mim aceitar o que aconteceu, foi difícil conviver com aquilo e até hoje eu me sinto relutante quanto a isso, mas compreendo que eu não posso fazer nada a não ser orar e confiar que existe um propósito divino nisso também.

Sigo dobrando as páginas até achar uma em branco, eu a encaro por alguns minutos sentindo minha boca amargar e meu coração se apertar dentro de mim, com um suspiro alcanço uma caneta e logo ascendo a luminária.

20 de maio de 2021

Stefi, quando eu era menor eu pensava que escrever aliviaria minha alma, me libertaria das minhas angústias, me tiraria o medo e a dor, porém você não é mágico e eu não sou mais uma criança/adolescente, apesar de ainda te chamar por um nome, conforme eu fui crescendo aprendi e entendi que só no Senhor eu posso encontrar a paz que minha alma procura e almeja, não fique magoado com isso - eu sei que não vai ficar - , mas eu quero escrever hoje em forma de oração e não só desabafo e com isso não vou falar diretamente com você e sim com Deus.

Senhor, minha intenção não é comiserar sua atenção, mas eu quero te apresentar, mais uma vez, minhas dores interiores que parecem me corroer a cada instante, mais e mais. Relembro das palavras de fé do meu pai, mas as vezes é tão difícil só esperar e confiar, eu sou humana Senhor, sei que me entende.

Eu, sinceramente, queria uma luz mágica pra iluminar o que parece ser um túnel e declarar o seu fim, o fim dos meus pesadelos internos, eu queria uma luz mágica pra me fazer saber, sentir e lembrar.

Um tempo e um propósito, são palavras tão fortes e tão cheias de significados, mas que para mim no momento parecem tão duras, tão frias e sem esperança, eu sei que o melhor investimento do homem é confiar em Ti, mas eu estou tão perturbada e agitada.

Ajuda-me a descansar, aquieta minha alma, o meu coração, me ajude a ver o Senhor no meio dessa tempestade, me permita te sentir perto, eu sei que estás aqui comigo, mas me sinto tão gelada, tão só, e não é porque meus pais viajaram.

Eu sei que o Senhor tem o melhor pra mim, e como eu sei, sei que as nossas tribulações são apenas lições para nos tornarmos ainda mais fortes e firmados em Ti, mas me ajude a viver esse pensamento, me ajude crer com mais afinco.

Eu preciso te ouvir, está tudo nebuloso como o céu sob minha cabeça, meu coração tão agitado como as folhas das árvores lá fora, esconda meu coração em suas mãos, me tira do relento das incertezas e me aninha em seu abraço quente, seguro, amoroso...

Preciso do Senhor, por favor!

Eu paro de escrever quando mais lágrimas escorrem de meus olhos, abaixo minha cabeça escondendo meu rosto entre os braços.

Pisco seguidas vezes sentindo uma grande pressão nas minhas costas e um barulho irritante fazer doer minha cabeça, aos poucos eu me localizo e ergo meu corpo com dificuldade e com um gemido de dor.

Eu havia dormido sob a escrivaninha.

- Eu não acredito. - murmuro esfregando as mãos no rosto, cubro face com as palmas e permaneço daquela maneira por alguns minutos, apenas respirando.

Com um suspiro estico minhas costas sentindo como se ela tivesse sido quebrada ao meio, desligo meu despertador que recomeçara seu grito estridente e chato e então olho ao redor.

Eu não estou acreditando que dormi mesmo aqui.

- Ah não, meu Deus! - resmungo alarmada quando olho pro relógio e vejo ser oito e meia, estava atrasada, muito atrasada.

Deslizo a cadeira com pressa para trás e me levanto rápido demais.

- Aaaai... - gemo ouvindo minhas costas estralar e doer ao mesmo tempo, porém ainda assim caminho depressa para fora do quarto com um das mãos na lombar parecendo uma idosa ou então uma grávida de vários meses.

Que Deus ajude que ela não se quebre.

Meu pai do céu, me custa acreditar que havia dormido sob a minha mesa de estudos, atravesso o corredor em direção ao banheiro me despindo no meio do caminho mesmo. Entro no box e tomo o banho mais rápido dos últimos tempos, eu pareço ter levado um surra e minha cabeça dói como se tivesse escutado horas de rock pesado no último volume do fone ou bebido várias garrafas de cerveja na noite passada.

Esfrego e enxáguo meu corpo em um tempo recorde, lavo meu rosto ali debaixo mesmo e quando saio me enrolo na toalha e me ponho de frente ao espelho.

- Misericórdia... - exclamo ao olhar minha imagem que denuncia minha péssima noite.

Evitando me olhar novamente escovo meus dentes e passo creme hidratante na pele, logo depois, sem perder tempo, volto para meu quarto. Me seco no desespero e alcanço a mesma calça jeans de ontem a tarde, subo pelos braços as mangas curtas da camisa social e depois fecho seus botões, pego do cabide minha blusa de frio bordô com a logo da faculdade e calço na pressa o mesmo all star branco, sem o amarrar vou até a mesa de estudo e pego meu material depressa, devia ter guardado ontem, os coloco na mochila e o notebook levo nas mãos para o andar de baixo.

Desço aos tropeços as escadas e sem ter tempo de tomar café vou até o chaveiro, pego a chave do carro e sigo para a porta saindo após abri-la, eu a tranco em seguida e caminho rápido até o carro.

- Bom dia menina Soph. - saúda Maria que, disposta, varre a frente da casa.

- Bom dia Maria. - cumprimento de volta com um sorriso no rosto.

Entro no carro, coloco minha mochila e meu notebook no banco do passageiro e dou partida, a universidade não fica muito longe de Notting Hill, vinte minutos de carro.

King's College of London é uma das faculdades mais antigas da Inglaterra cuja disputa é acirrada para conquistar uma vaga. A arquitetura dela ao mesmo tempo que é moderna é monárquica também, incrivelmente linda, e a parte mais legal do trajeto até lá é quando passo pelo Palácio de Buckingham, porém hoje eu não tenho muito tempo para admirar a vista devido meu atraso aumentar conforme o avançar da hora.

Eu sei bem que não conseguirei pegar a primeira classe, mas preciso estar lá antes mesmo dela acabar, ao chegar paro o carro em uma das primeiras vagas que encontro, antes de sair do carro ajeito meu cabelo no rabo de cavalo mais alto e minha camiseta que na hora do desespero pulei um botão, afasto o banco para amarrar meu cadarço e por fim pego minha mochila e meu notebook.

Saio do automóvel encontrando uma grande movimentação na calçada, alunos vem e vão em um fluxo constante, caminho entre eles procurando na bolso meu cartão de acesso e somente quando meu celular vibra no lembro que o havia guardado na capinha, atravesso as portas de vidro que dão acesso as catracas enquanto pegava meu celular e meu cartão, eu o passo no identificador e minha passagem é liberada.

As aulas costumam ter uma hora de duração mais ou menos, e pelas minhas contas eu ainda tenho mais vinte minutos, enquanto caminho pelos corredores da universidade me sinto faminta e por isso decido ir tomar café nos restaurantes dispostos dentro da universidade e tentar falar com meus pais, pelos meus cálculos eles chegaram ontem mais ou menos meia noite por causa da conexão de quatro horas em Amsterdã.

Após subir alguns lances de escadas eu entro na fila da cafeteria e faço meu pedido quando chega minha vez, carrego meu café até uma mesa encostada a parede de vidro que permite vista aos andares inferiores ao restaurante, é bonito eu só não posso olhar pra baixo.

Suspiro em desgosto quando meu celular notifica bateria baixa, mas mesmo assim disco sem hesitar o número de minha mãe que demora um pouco a ser atendido.

*Mãe - sorri quando ela atende.

*Já estou vendo os seus créditos acabando em breve. - ouço a terna voz de minha mãe e não evito um sorriso. - A paz mon amour, bom dia, tudo bem? - pergunta após soltar uma leve risada - Te ligamos ontem assim que chegamos. - comenta e eu cumprimento com sorrisos alguns colegas que passam por mim.

*Desculpa por não atender mãe, eu acabei dormindo. - explico.

*Sem problemas meu amor, está na faculdade? - pergunta calma, do outro lado da linha ela parecia se movimentar.

*Sim, perdi a primeira aula hoje, acordei atrasada. - conto comendo um pedaço do meu pão frito.

*Isso só acontece quando eu não estou. - murmura e eu rio, eu já sinto a falta deles e não faz nem um dia que estão longe *Aah Soph, você iria amar conhecer o castelo querida, está ainda mais lindo que da última vez que vim. - diz e eu franzo o cenho.

*Tenho certeza que sim, mãe. - afirmo não querendo estender essa parte da história. - Vocês terão a reunião com o rei Kristopher quando?

*Mais tarde, após o café da manhã. - diz e eu sei que ela sorri *Eu tenho certeza que será lindo.

*Amém. - concordo *Mas me conte, como está papai? fizeram uma boa viagem?

*Graças a Deus, sim, minha filha, dormi o voo todo, acordei só quando fomos fazer a conexão. - conta - Depois voltei a dormir no de Paris até Metz, mas quanto ao seu pai, ele está bem, está no banho e mandou um beijo pra você. - diz e eu sorrio.

*Mande outro pra ele, por favor. - peço e a ouço repassar meu recado do outro lado da linha. *Mãe? - chamo quando a linha fica muda, eu sei que ela está com o comentário entalado na garganta, mas está hesitante quanto a minha reação. - Mãe, pode contar. - digo e ouço seu suspiro.

*Tem certeza? - pergunta e eu concordo sonoramente *Eles estavam nos esperando ontem, nos recebeu com tanta animação, revê-los foi como voltar ao passado e vivenciar a época em que você era pequenina filha. - ri delicada.

*Eu imagino mãe, e como está Dan? - pergunto curiosa.

*Se formou um belo rapaz minha filha, tão lindo quanto você. - fala e eu sorrio encarando a mesa de madeira. *Eles lamentaram sua ausência. - comenta e me sinto engolir em seco.

*Tenho certeza que papai fez propaganda, se já não tivesse bastado a foto que a senhora mandou junto com a carta.- reviro meus olhos sutilmente, ôh vergonha.

*Com certeza, sim. - ela riu *Conhece seu pai, ele ama te mimar. - diz convicta e eu sorrio *Minha filha, marcamos de nos encontrarmos com o rei e com sua família para tomarmos café, por isso terei que desligar, ok? - anuncia e eu assinto mordendo o canto da minha unha nervosa.

*Tudo bem mãe, ligarei mais tarde. - digo com os olhos nos alunos que ainda vem e vão *Fique com Deus, bom apetite, amo a senhora e o papai.

*Também te amamos meu amor, fique com Deus também.

*Amém! - digo e desligo.

Assim que finalizo a chamada me levanto, pego a bandeja e levo até o balcão, havia dado minha hora e eu preciso ir para a próxima classe.

As aulas, que geralmente eu costumo participar com animação, se arrastaram como uma lesma, não captei quase nada que os professores ensinaram hoje e não foi por falta de tentar já que eu sei que esses assuntos estarão nas provas finais.

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ATENÇÃO: o seu voto é importante, então deixe sua estrelinha quando chegar ao fim, por favor.
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Lembro que anotei só as atividades que terei que entregar na segunda feira e os novos trabalhos que outros professores passaram, quando o horário da última aula do dia se finda, saio da sala e caminho pelos corredores como um verdadeiro zumbi, minha cabeça dói mais que tudo enquanto minhas costas ainda parecem ser o capim que uma vaca mastigou com força.

Decido não almoçar na faculdade como de costume e não consigo avisar Amélia por culpa da falta de bateria do meu celular, ao invés disso eu caminho para a saída e passo meu cartão para liberar a passagem.

Graças a Deus hoje é um dos dias em que eu não sou parada por ninguém e consigo chegar ao carro sem dificuldade, com a barriga roncando eu dou partida e saio da vaga. Dirijo em completo silêncio de volta pra casa, tudo o que eu quero é uma aspirina e minha cama pelo resto do dia.

Meu estado de alienação é grande, no momento eu consigo pensar e fazer uma coisa só e luto pra que seja manter o foco na estrada, eu realmente não me lembro a última vez que fiquei em um estado tão precário como o que estou agora.

Com pouco mais de vinte minutos eu estaciono em frente a minha casa, recolho minha mochila, meu notebook e saio sem ânimo do carro o travando em seguida. Preciso estar melhor até a tarde pra não perder a reunião com a célula, prometi ao meu pai que não faltaria aos compromissos da igreja.

Após abrir a porta tiro o all star e tranco a passagem, coloco as chaves em cima do aparador da entrada e caminho descalça até a sala de jantar, coloco meu notebook em cima da mesa e a mochila na cadeira seguindo pra cozinha, vou até o armário que esconde a caixa de primeiro socorros e a tiro de lá, eu a deposito em cima do balcão e pego no frasco duas aspirinas.

Encho o copo com água do filtro que faz o remédio descer com facilidade pela garganta e então vou até a geladeira a procura de algo pra comer, ouço meu estômago roncar assim que vejo o bolo de cenoura.

Pego a boleira e a levo para o balcão, após estar armada com um garfo eu me sento no banco e como metade do bolo com a mão segurando a cabeça pra não cair e olhando pra fora da janela, minha mãe me mataria se soubesse o quão saudável foi meu almoço.

Eu sorrio colocando na boca mais um pedaço, meu Deus, ajude que não seja ladeira abaixo...

O pior de tudo é que o bolo parece ter ficado ainda melhor depois de um tempo, mas antes que coma tudo eu guardo o que restou pro jantar.

Recolho minhas coisas da cozinha levando comigo para o andar de cima, deixo tudo em cima da mesa de estudo e não espero muito pra cair de cara no travesseiro sem nem mesmo trocar de roupa.

Sinceramente, essa é uma versão de mim que eu não conhecia.

- Aaaah - me espreguiço depois de girar sobre a cama.

Eu não fazia ideia de que estava tão cansada, piscando seguidas vezes e desabotoado a calça jeans olho pra janela.

- Oh meu Deus!!! - murmuro sentando-me rapidamente na cama.

A escuridão lá fora denuncia ser noite, nenhum problema com isso, mas sim com o fato d'eu ter perdido a reunião da célula.

Levanto depressa e vou até meu celular.

- Sem bateria, ótimo! - resmungo.

Caminho até minha mesa de cabeceira pegando o carregador do iPhone, conecto nele e depois na tomada.

Após isso vou até meu closet e separo uma troca de pijama, rumo o banheiro em seguida e tomo um banho relativamente demorado demais, metade do tempo eu fico parada deixando a água cair e o resto gasto lavando meu cabelo.

Ao sair me seco e me troco ali no banheiro mesmo, penteio meu cabelo e o deixo solto, secará naturalmente. Estendo minha toalha na porta de vidro do box e então saio do banheiro.

Vou ligar para meus pais, dependendo do horário estarão jantando, mas vou tentar mesmo assim, enquanto isso também preparo o meu jantar.

Fungo e coço o nariz logo em seguida sentindo o espirro vir, paro no meio do corredor e...

- ATCHIM... - espirro e tenho a sensação do som ecoar pela casa, quase, vazia.

Com certeza meu pai já teria gritado um saúde e mamãe chamado sua atenção pra logo em seguida me desejar saúde também.

Volto a deixar meu quarto com um pijama de folhas amarelas e laranjas e com me notebook em mãos, desço descalça os degraus revestidos de carpete e ascendo as luzes conforme passo pelos cômodos, eu não gosto do escuro e isso não significa que eu tenha medo.

Deposito meu aparelho em cima da bancada de pedra e o ligo, enquanto o computador faz todo seu ritual eu paro pra pensar o que vou cozinhar, eu demoro pra resolver o mesmo tempo que meu note demora pra ligar, e não foi pouco, preciso de uma máquina nova.

Me debruço sobre a ilha da cozinha e entro no Google Dou esperando a chamada ser atendida.

*Pai - chamo me afastando quando ele atende.

*Oi filhota, quando o Skype parou de funcionar? - pergunta e eu sorrio.

*Não parou, eu só queria testar.- explico e ele assente.

*Está tudo bem por aí? - pergunta enquanto eu estou de frente ao armário pegando uma panela.

*Está sim. - afirmo calma indo agora até a torneira e a ligando, já sei qual será o menu de hoje. *Eu só perdi o horário da célula de hoje. - digo olhando para a tela do computador com uma careta de pobre coitada.

Fecho o registro e pouso o objeto no fogão.

*Foi mal pai, é que ontem eu dormi em cima da minha escrivaninha então acordei parecendo uma rabiola de pipa eletrocutada, ou seja, acabada. - explico e o vejo sorrir minimamente. - *O dia hoje foi péssimo por isso, tudo que eu queria fazer quando cheguei, era dormir. - digo *Ah, meu celular também estava descarregado e por esse motivo eu perdi a hora.

*Foi por isso que não atendeu a ligação mais cedo, mas oh... - diz rápido. *Só dessa vez, em? - diz sério de novo.

*Prometo. - digo com a mão erguida ao lado do rosto. *Mas como o senhor está, pai? - questiono lhe dando as costas pra ligar o fogo e pegar a cenoura, molho de tomate e leite na geladeira.

*Bem, estou bem. - diz parecendo estar em movimento porque a câmera do celular deixa a imagem mais mexida do que um ovo mexido. *Me sentindo um duque, ou melhor, um príncipe. - fala com um sorriso gigantesco ao se sentar em uma poltrona dourada.

Pego uma faca na gaveta branca do armário e a tabua de carne.

*O que o ar de Lorena não faz com os turistas. - murmuro sorrindo sentando-me no banco do balcão para descascar a cenoura.

*Eu moro no país da rainha mais famosa do mundo e não me sinto assim. - resmunga enquanto eu trabalho.

*Deve ser porque se acostumou, pai. - digo e ele assente.

*É, talvez. - concorda e eu o olho.

A câmera está posicionada um pouco acima de seu rosto, que não deixa de aparecer, mas me permite ver também uma linda sacada bem atrás dele.

*Aonde está a mamãe? - questiono estranhando ela ainda não ter aparecido na imagem pra conferir como eu estou e, claro, o que estou fazendo pra comer e se é saudável.

*Está dando um passeio noturno com a rainha pelo jardim. - explica e eu assinto franzindo o cenho. - O que est...

*Que hor... - olho pra câmera quando nos interrompemos.

*Pode falar meu bem. - diz colocando o braço atrás da cabeça.

*Ah não, não é nada demais, eu apenas ia perguntar que horas são aí. - digo me levantando pra pegar o ralo de legumes.

*São... - prolonga a pronuncia da palavra enquanto verifica seu rolex falsificado, brincadeira, ele só ficou um bom tempo pagando. *Nove e oito. - diz e eu assinto.

*Então aqui é oito e oito. - concluo voltando a me sentar.

*Betânia também te disse a diferença de horário, foi? - pergunta caindo na risada logo depois.

*Não tem graça pai, ela chegava todo dia: "Nove pras nove em Londres, nove pras dez em Lorena, sabia que o príncipe fez isso, isso e isso ontem?" - imito a voz dela e meu pai gargalha me levando a rir junto dele. *Eu amo minha amiga, mas tinha vontade grudar a boca dela com fita quando ela começava a falar disso.

*Ai, meu Cristo, essa menina deveria ser atriz de filme de comédia. - comenta se recuperando do riso. *Ela é demais. - conclui e então se endireita levantando em seguida. *Mas o que você está fazendo aí? - pergunta me olhando com atenção e eu sorrio.

*Meu jantar. - digo contente - Lamen. - mostro a ele a embalagem. *Ou macarrão instantâneo. - dou de ombros *Sabia que no Japão eles chamam isso de lamen mágico? - pergunto sabendo que pela cara dele viria uma repreensão.

*Sabia não, mas sei que sua mãe não ia gostar de saber disso. - observa com uma careta.

*Não se preocupe com isso, diga a ela que eu vou fazer com que ele fique saudável. - mostro a cenoura ele sorri.

*Tente convencer ela disso, e não mistura cenoura com molho de tomate Sophia, isso é nojento. - resmunga agora com outra careta, essa é de nojo.

*Eu gosto, tá bom? - rebato com um sorriso brincalhão nos lábios.

Ouço a água borbulhar então me levanto, levo o saco com o lamen até ela e o derramo lá, volto pro balcão e vejo a câmera do meu pai não mostrar mais ele.

*Pai? - chamo confusa.

*Eu queria que você visse o jardim, mas com certeza a beleza dele é muito maior de dia. - diz e eu assinto. *Mas olha lá. - o ouço dizer animado e olho pra câmera. *A mulher que ilumina a todos com seu sorriso cheio de Cristo. - anuncia a miniatura de minha mãe que passeava ao lado da rainha.

Eu sorrio e meu coração se enche de saudade, mas então elas são alcançadas por um jovem de cabeleira ruiva, alto e esguio.

Podia ser? podia! Queria acreditar que era? não!

*Pai? - chamo no mesmo instante que a câmera volta a focar em seu rosto masculino, seus olhos apreensivos de repente. *Eu vou terminar de fazer meu jantar, ligo amanhã, sim? - pergunto rápido, era óbvio meu nervoso, aposto que ele podia ouvir meu coração de lá.

Era ele, era ele, mas o que ele estava fazendo ali?

*Tudo bem filhota. - parece entender.

*Manda um beijo pra mamãe. - peço e ele sorri. *Diga que eu a amo.

*Tudo bem, só não vou gritar poeque ela está com a rainha. - diz com um sorriso no rosto e eu rio divertida.

*Nem se não estivesse pai, convenhamos, olha o seu tamanho. - murmuro brincalhona e ele, rindo, volta pra dentro do quarto.

*Tá bem, fique bem mon amuor, a paz. - pede e eu assinto.

*Amém e pode deixar, eu te amo. - digo e ele sorri. *Fiquem bem também.

*Ficaremos - ele sorri acenando - Te amo mais. - se despede e desliga a chamada.

Com um suspiro desligo a chamada e foco em terminar meu jantar, quando o macarrão está cozido eu o escorro e separo para o deixar descansando, na mesma panela que cozinhei o lamen eu frito um alho no azeite, não gosto dele muito escuro então quando está começando a morenar jogo a massa de tomate e em seguida o leite, mexo bem até o molho estar em um rosa claro e então adiciono requeijão.

Na primeira vez que eu fiz meus pais reclamaram um monte dizendo que não era comida e sim meleca, mas quando provaram se deliciaram. Por isso eu digo, não se pode julgar as coisas pela cara que ela apresenta.

Quando um prato já estava servido eu o coloco sobre o balcão e busco na sala o livro que a tempos estou querendo ler, quem me deu foi Isla, uma amiga que conheci na universidade e que se formou a dois anos.

Na verdade, eu já comecei lê-lo, mas ultimamente ando tão corrida que nem a bíblia leio mais com tanta frequência e isso é um ponto a ser ajustado, pois se queremos ouvir o mestre nada melhor que pela sua palavra sagrada.

Sentada no banco da bancada eu leio a sociedade literária e a torta de casca de batata enquanto como meu maravilhoso e bem temperado lamen, meus pensamentos de vez ou outra escapam para a imagem do homem que apareceu na câmera de meu pai, mas eu trato de voltar para o livro e para a história, não ajuda muito o fato dela se passar em uma ilha francesa.

Eu não sei quanto tempo fico ali, já comi tudo e ainda repito, mas nas costas começo a sentir um leve incômodo por estar curvada por, provavelmente, tempo demais sobre o balcão.

- Eu só vou terminar esse capítulo. - digo a mim mesma e volto a ler.

Quando termino sinto uma enorme vontade de começar a ler o outro, mas me obrigo a levantar e lavar as vasilhas que usei.

- You are the reason for life, the air inside my lungs, tanananana nananana... - cantarolo a música enquanto enxáguo o prato, a panela, a tábua, e os talheres. - You've given me a new heart, true reality... runrunrunrun set me free... - seco minhas mãos no guardanapo e pego de cima do balcão o livro e meu notebook saindo da cozinha e apagando as luzes, vou voltar pro meu quarto.

Ao chegar lá fecho a porta e caminho até minha estante, coloco lá meu livro e vou em direção a escrivaninha que é aonde deposito o notebook, amanhã é sábado o que significa que terei tempo suficiente pra estudar e para colocar em ordem os trabalhos e atividades atrasadas.

Pego minha bíblia com estampa de zebra e me sento no meio da cama de casal, abaixo minha cabeça e fecho meus olhos.

- Oi Deus, eu peço permissão pra entrar na sua presença. - começo - Eu quero te agradecer pelo dia de hoje, pela comida, pelo ar que estou respirando e pela sua graça na minha vida, sei que compreendes os meus dias, mas mesmo assim quero pedir desculpas por faltar a reunião hoje. - digo - Peço que o Senhor continue abençoando meus pais e os guardando, continue abençoando o projeto daquele evento e seja comigo aqui estudando para as provas finais. - peço - Eu quero te rogar pra que continue guardando meu coração de mim mesma, dos meus medos e hesitações humanas, me dê uma boa noite de sono e para meus pais também. - oro - Amém.

Abro os olhos e também a bíblia.

Efésios 3

²⁰Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós,

²¹a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre! Amém!

Com um sorriso eu fecho a bíblia e de olhos fechados medito na palavra, ela é tudo o que eu preciso.

Sabe, as coisas não se tornam fácil por servimos a Cristo ou por termos uma vida reta e santa, muito pelo contrário elas tendem a ser difícil mesmo, mas isso não deve ser levado de forma negativa, por mais estranho que seja, servir a Cristo é carregar uma cruz, é enfrentar gigantes e atravessar barreiras, Ele mesmo disse que aqui teríamos aflições, Ele teve muitas inclusive.

Não somos alecrins dourados imunes a dor e sofrimento, até porque somos humanos, muitas vezes caçamos algo para sofrermos, mas é bom sabermos que em todas as nossas lutas e provações Jesus estará conosco e no final da luta sempre virá a bonança.

Por isso, independente do tamanho da minha dor e do meu medo eu devo honras e glórias à Ele, porque Jesus é bom, o tempo todo Ele é bom, a misericórdia dEle nos alcança todos dias, é por isso que mesmos cansados temos forças pra seguir em frente, é tudo por Ele.

Não tenho como viver senão for por Ele, e tudo o que eu quero é permanecer debaixo do propósito dEle, porque como disse o versículo vinte, ele faz infinitamente mais do que pedimos ou pensamos.

- Obrigada Senhor, eu te amo! - digo antes de me deitar.

Cubro minhas pernas com o edredom azul claro e estico meu braço pra ligar meu celular, ativo o despertador pras sete da manhã e então apago os abajures.

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INFO:
ATENÇÃO: o seu voto é importante, então deixe sua estrelinha aqui em baixo."

N/A | NOTA DA AUTORA

Oi gente, como vocês estão?
Espero que bem, se não, melhoras!

Eu estou escrevendo pra avisar que este capítulo passou por drásticas mudanças, esse foi o primeiro de todos os capítulos então o que peço é paciência.

Tudo isso é para uma melhor compreensão e imersão da história e eu realmente espero que vocês gostem.

Dito isso, eu me despeço.

Bjinhos.
A.I.M

PS: Esse capítulo tem 15088 palavras tirando as 151 dessa nota, dá pra acreditar? isso, é claro, se contarmos as vírgulas e todos os pontos - exclamação, interrogação, final, dois pontos e etc.

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