epílogo: stained

29 de abril de 2006 - 03:42

Querido diário...

Eles o encontraram nas redondezas há alguns dias e eu ainda não sei como me sinto em relação a isso. Não estou arrependida, mas também não sinto alívio que achei que viria com a confirmação.

É estranho saber que, depois de tudo, ele ainda tentou ir até algum lugar. Mas não chegou. Para onde ele estava indo? O que ele estava pensando? O quão sozinho Adam se sentiu em seus últimos momentos?

Eles não mostraram, é claro, mas a imagem de seu corpo sem vida em um terreno baldio me assombra todas as noites como se eu estivesse lá. Não estou triste, mas não consigo parar de pensar sobre ele.

No colégio, havia murmúrios pelos corredores. Desde o dia que nosso professor substituto não foi, sem deixar nenhum aviso. Ninguém sabia de nada, ninguém havia visto nada. Klaus simplesmente desapareceu de um dia para noite, e apenas eu sabia onde encontrá-lo.

Não demorou muito até começarem a ligar os pontos: dois desaparecimentos em uma semana? Os alunos cochichavam nos corredores, os professores evitavam falar sobre o assunto. Mas, em um ponto em comum, as teorias estavam certas: Eles tinham se envolvido. Alguns diziam que fugiram juntos, outros acreditavam que havia algo mais sombrio rolando.

Quando o encontraram, semanas depois, falaram sobre ele no noticiário por alguns dias. As coisas no colégio se tornaram um caos com cada notícia nova que saia. Os documentos que carregava eram falsos, assim como toda sua vida, criada meticulosamente para não levantar suspeitas. E, de repente, foi como se ele nunca tivesse existido de verdade.

De certa forma, Klaus Evans não existiu e Adam acabou se tornando um mistério, um fantasma cujo único rastro que deixou foi o da dúvida: Quem era ele de verdade? O que fez com Amélia Greene? Seria tudo uma grande coincidência? Haviam outras pessoas envolvidas?

E eu sei as respostas para todas essas perguntas. Eu o conheci e sei quem ele era. Ou melhor, sei o que ele era. Adam Johnson existiu. Talvez esse nem fosse seu nome real, mas ele foi. Tão real quanto aquele jogo doentio dele.

Eu o vi no jornal apenas uma vez, depois desligava a televisão ou saia do cômodo. Sua foto na reportagem era a da carteira de motorista. Não passava de um rosto borrado, distorcido, mas, ainda sim, eu conseguia ver seu sorriso - se abrindo, rasgando suas bochechas e mostrando os dentes afiados.

Era como se ele ainda estivesse lá, me observando.

Me chamaram na delegacia outra vez, eles perguntaram se eu sabia algo sobre Klaus e Amy. Eu tinha todas as respostas que eles queriam, mas falei apenas o que Verona me contou uma vez: "Viram Amy saindo do carro do professor alguns meses atrás, mas não levei a sério".

Eles não encontraram nenhuma pista sobre ela, o que me leva a acreditar que nosso segredo morreu junto dele... Das quatro pessoas que estavam no galpão naquela noite, duas estão mortas.

Lá no bar, Joe ficou atordoado ao saber da morte de Klaus e de tudo o que nunca souberam sobre ele. Afinal, você nunca imagina que seu arqui-inimigo do pôquer está blefando até sobre o próprio nome — e Adam escondeu sua maior carta até o último momento.

E, desde aquele dia, Paul nunca mais apareceu no bar. Joe se pergunta se ele sabia de algo. Eu poderia dizer que não havia mais motivos para Paul estar ali.. Sem Adam, Paul não precisava mais vigiar ninguém. Me pergunto se Joe entenderia.

Apesar de tudo, estou tentando manter o estresse sob controle, porque sei que preciso. Mas, Deus do céu, como eu queria um cigarro para me ajudar a processar tudo o que vem acontecendo.

Lucas levou cerca de uma semana para digerir totalmente a conexão que estavam fazendo entre o desaparecimento de Amy e Klaus. Não falamos muito sobre isso, mas eu via nos olhos dele. Lucas sempre soube que algo estava errado com Klaus e agora ele ligava os pontos.

Mesmo que ele tentasse agir como se aquilo não o incomodasse, eu sei que Lucas acredita ter algo a mais naquela história. Algo que explique o porquê de Amy e eu termos nos distanciado, brigado. Quando ele me olha, é como se buscasse respostas para perguntas que ele nunca vai verbalizar.

Continuamos evitando esse assunto.

Ah, diário, me sinto cansada o tempo todo, como se estivesse carregando o peso do mundo dentro de mim. Algumas noites, não consigo dormir. Em outras, eu volto para o galpão.

O que é engraçado é que ando sentindo uma fome absurda, que vem de repente, mas nada parece ter um gosto bom. A comida não me sacia, e aqueles que vão para o galpão não me satisfazem. Nunca é o suficiente. E eu fico com fome, mas não é uma fome comum. É um vazio diferente, incômodo, que deixa um gosto metálico na minha boca.

Eu tenho que me lembrar que tudo é um sonho, nada é real. Me sinto impaciente. Lucas tenta me ajudar, tenta me lembrar de comer direito, de descansar. Mas como ele pode me ajudar com o que tá dentro da minha cabeça? Todas as suas tentativas de me acalmar não parecem suficientes para me ajudar a lidar com isso.

A cada dia, minha barriga cresce um pouco mais e sinto que meu tempo está se esgotando. Só temos mais algumas semanas de aula e eu ainda consigo escondê-la nas roupas largas sem levantar suspeitas, espero que continue assim até o final. As únicas pessoas que sabem sobre isso são Georgia, Liam e a família de Lucas... E Joe, é claro. Precisei contar para ele o que estava acontecendo para justificar minhas faltas constantes nos últimos meses.

Lucas toca minha barriga de vez em quando, mas ele ainda hesita por saber que eu ainda estou me acostumando com essa ideia. Eu deixo porque tento sentir alguma coisa. Apesar do medo que senti ao pensar que perderia o bebê, ainda não consigo sentir uma conexão com ele.

Com todas as mudanças que vem acontecendo, me sinto uma estranha toda vez que me olho no espelho. Enquanto me observo, eu vejo de relance a cicatriz que Adam me deu e, novamente, meus pensamentos voltam para ele.

Ele se foi, Alice. ― Eu sei, diário. Não quero pensar sobre ele, mas Adam é inevitável. O filho da puta encontrou um jeito de permanecer aqui, mesmo depois de tudo. E eu me pergunto se isso um dia vai passar.

Amy diz que não, que algumas coisas nunca vão embora de verdade, e que Adam é uma dessas coisas. Ela aparece para mim nos momentos em que sinto que estou à beira de perder o controle, sussurrando coisas que não quero ouvir. Eu entendi que a Amy que vejo não é a verdadeira, e sim Ecila brincando em minha cabeça.

Ainda assim, às vezes é difícil distinguir.

A presença dela na minha mente é diferente da que enxergo. Ela é silenciosa, mas persistente. É estranho carregá-la por aí enquanto ninguém mais sabe o que aconteceu. Para o mundo, ela ainda é um mistério e, para mim, um lembrete do que deixei que ele me tornasse.

Espero que um dia eu consiga fazer as pazes com ela, mas não sei exatamente como Amy perdoaria algo que não posso desfazer.

Isso que me incomoda tanto.

Amy nunca se foi realmente. Eu a vejo, eu a escuto, eu a sinto. Mas Adam... Adam desapareceu. Nenhuma das Pessoas de Sombra se parece com ele, não há nenhum sussurro em minha mente com sua voz, nenhum vestígio, além dos pesadelos onde não consigo vê-lo direito.

Irônico, não é? Mas, não me entenda mal. Eu não quero que ele volte. Não quero vê-lo, não quero que ele esteja aqui. Talvez, eu só busque a certeza de que isso nunca vai acontecer. Isso me faz pensar que, se eu tivesse levado ele para o galpão, seria diferente. Se eu tivesse feito isso, ele estaria preso aqui comigo, assim como Amy.

Talvez seja isso que falta.

Lucas chegou, eu me esqueci que tínhamos uma consulta hoje. Elas se tornaram mais frequentes, uma vez a cada duas semanas, por recomendação médica. Essa frequência deixa Lucas ansioso demais, como se qualquer movimento errado fosse o fim. Ainda não me acostumei com isso.

Preciso me organizar mentalmente, estar mais presente, anotar datas importantes em post-its... Não, chega de post-its. Eu preciso ir agora, ele está me chamando.

Até breve, diário.

wanna wake from the nightmare you've been livin'
knowin' you're hiding what no one else sees
 you don't get to make amends like your hand's still clean
because you're stained
you try to hide the mark, but it won't fade
you lie and lie likei was nothin'
pretend you're spotless, but I don't wash away
and now you're stained

https://youtu.be/TWmOZB-9xAw

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