2. capítulo vinte e quatro

ㅤㅤㅤLucas ainda estava dormindo quando Alice voltou para o quarto, com a toalha enrolada no corpo. Bart, deitado ao seu lado, ergueu a cabeça ao vê-la e abanou o rabo cada vez mais rápido à medida que ela se aproximava da cama. Alice afagou suas orelhas e se sentou na cama com cuidado para não acordar o rapaz. A respiração de Lucas era profunda e tranquila, trazendo um som suave para o quarto, mas não o suficiente para aquietar o que a consumia.

ㅤㅤㅤA luz suave do dia penetrava pelas persianas horizontais, trazendo uma iluminação agradável para o quarto. Alice observou a garrafa de vodka ainda com bebida e a pegou, girando-a entre as mãos. Dando um longo gole, o desconforto em seu estômago retornou, não sendo apenas o ardor da bebida. Ela tossiu algumas vezes, o líquido escapou por seu nariz, mas ela se obrigou a beber novamente.

ㅤㅤㅤEm meio a tosses e a queimação em sua cavidade nasal, lábios macios roçaram suavemente em sua nuca fazendo-a sobressaltar com o toque inesperado e virar a cabeça em reflexo. Os olhos azuis estavam lacrimejando quando encontraram com os castanhos e ela tossiu mais um pouco.

ㅤㅤㅤ— Não está um pouco cedo pra beber? — Lucas indagou com a voz rouca, tomando a garrafa de suas mãos antes de dar um longo gole.

ㅤㅤㅤ— Só fica de ressaca quem para de beber — Alice murmurou, observando o garoto fechar os olhos e inclinar a cabeça para trás, e seu pomo-de-adão subir e descer a cada gole.

ㅤㅤㅤ— Bem melhor agora — ele devolveu a garrafa, cruzando as mãos sobre a cabeça, tornou a se inclinar na cama, e seu corpo afundando nos lençóis macios.

ㅤㅤㅤAlgo estava diferente.

ㅤㅤㅤAlice segurou a garrafa por um instante enquanto olhava para ele, deitado e com os olhos fechados. Bart também se escondeu sobre o tecido, provavelmente se aninhando contra ele. Ela se levantou da cama devagar e foi até a janela, abrindo as persianas, e se sentou na cômoda. A brisa suave trazia o cheiro da terra molhada pela chuva, poças ainda eram visíveis pelo quintal e o mundo não parecia tão ameaçador quando na noite anterior.

ㅤㅤㅤPegou um cigarro na carteira ao seu lado, acendeu e o tragou profundamente - apenas para ter uma crise de tosse depois, onde os olhos lacrimejaram e um gosto horrível se espalhasse por sua boca. Sentiu o estômago revirar.

ㅤㅤㅤ— Você está me ignorando de propósito? — Lucas indagou de repente, ainda deitado, exibia um sorriso brincalhão brincando em seus lábios.

ㅤㅤㅤ— Eu — Alice fez uma pausa; ele havia falado algo? Observou o cigarro em sua mão que já queimava no filtro e o amassou contra o batente da janela — Não ignoro você, é que preciso de um tempo para mim.

ㅤㅤㅤ— E precisa mesmo tirar esse tempo aqui e agora? — Ele perguntou, olhando para a toalha branca enrolada em seu quadril — É meio ofensivo de sua parte com meu amigo aqui.

ㅤㅤㅤDe costas para ele, Alice revirou os olhos ao fitar um ponto distante na rua. Agora, atenta ao que acontecia ao redor, ouviu os passos dele a sua costa e ele fez um som ao se espreguiçar. Ela virou o rosto parcialmente, observando o corpo esguio e despido - a toalha agora estava sobre seu ombro - enquanto ele caminhava em direção ao cavalete com a garrafa em mãos. Durante a madrugada, entre os shots de vodka e o sexo, ele decidiu começar uma pintura.

ㅤㅤㅤO semblante de Lucas era pensativo e suas testa se franziu algumas vezes à medida que seus olhos castanhos corriam pela tela inacabada. Era apenas um esboço, ele disse, mas era visível que não estava satisfeito com aquilo, talvez até um pouco magoado com o resultado. Mas ele nunca descartava uma tela sem antes finalizá-la primeiro.

ㅤㅤㅤ— Não gostei dessa — Alice comentou.

ㅤㅤㅤEu não deveria estar aqui.

ㅤㅤㅤLucas ergueu os olhos em sua direção, encarando-a por um breve momento. Ele ficaria chateado por aquele comentário? Seria bom se ele começasse a odiá-la agora.

ㅤㅤㅤNo cavalete, a tela era um retrato fiel do quarto do rapaz durante a noite, porém totalmente vazio, com exceção da cama e o espelho de corpo inteiro no canto do quarto. Em sua pintura, Alice estava sentada nela, com o corpo despido envolto nos lençóis finos e o rosto virado parcialmente na direção da janela, de uma forma que ele só conseguia vê-la pelo espelho. Os cabelos ondulados e molhados grudavam em suas costas e os olhos de lápis-lazuli - a única parte realmente finalizada - eram refletidos no espelho, emanando uma tristeza.

ㅤㅤㅤPor fim, ele deu um gole da bebida e balançou a cabeça em concordância, girando o pincel entre os dedos.

ㅤㅤㅤ— Não era o que eu queria mostrar — admitiu — Mas, na hora, era o que eu via.

ㅤㅤㅤAlice se levantou e andou até ele, apoiando a cabeça em seu braço, analisando a pintura novamente. A expressão retratada em seu rosto parecia mil vezes pior do que a noite anterior, o que causou um novo desconforto em seu estômago. Mesmo que fosse apenas uma pintura, Lucas conseguiu registrar um segredo em seus olhos que ele nem mesmo tinha conhecimento. Ao se ver ali, Alice se sentiu extremamente exposta.

ㅤㅤㅤ— É assim que você me vê?

ㅤㅤㅤ— Não exatamente — respondeu. — Essa foi sua expressão quando você percebeu que seu cigarro tinha molhado.

ㅤㅤㅤ— Muito engraçado — disse, revirando os olhos.

ㅤㅤㅤLucas deu uma piscadinha sacana e abriu um sorriso que fez seu fôlego se perder, ele estava aliviado por ter conseguido suavizar o clima pesado que ameaçou se instalar. Os olhos castanhos percorreram o rosto de Alice e ele afagou sua bochecha com o polegar. Ela fechou os olhos e inclinou a cabeça para o lado, apoiando-a em sua mão por alguns segundos antes dos dedos descerem por seu pescoço. Não o via, mas seu olhar queimava sua pele, ele acariciou sua clavícula.

ㅤㅤㅤO corpo de Alice enrijeceu ao sentir o polegar de Lucas deslizar suavemente em seu seio, contornando a queimadura com cuidado para não machucá-la. Os olhos se arregalaram de repente, e ela o encarou assustada.

ㅤㅤㅤ— Por que você continua fazendo isso? — indagou com a voz rouca.

ㅤㅤㅤSua outra mão segurou o pulso da garota quando ela a levantou instintivamente. O olhar castanho parecia mais escuro que o normal e ela teve medo de perder o controle. Lucas não desviou seu olhar, como se finalmente estivesse cansado de tentar desvendar aquele mar misterioso que eram seus olhos, e o silêncio que se seguiu foi denso.

ㅤㅤㅤAlice sabia que a verdade estava ali entre eles e bastava uma frase para que aquilo terminasse. Lucas não sabia como aquilo significava, mas tê-lo reconhecendo algo diretamente causado por Adam era como se estivesse cruzando uma linha invisível que ele não tinha o direito de cruzar.

ㅤㅤㅤEle está invadindo nossa privacidade, a outra-Alice resmungou em sua cabeça e, por nossa, se referia a Adam e ela.

ㅤㅤㅤAlice olhava os olhos castanhos sem realmente vê-los à medida que as lembranças daquela noite a invadiam. A imagem de Adam, com o rosto deformado pelas lágrimas e pela raiva, era tão vívida que se tornou impossível desviar o olhar. Ela se desvencilhou de suas mãos, balançando a cabeça negativamente e se afastou sem dizer uma palavra, tornando a se sentar na cômoda e observando Bart dormindo na cama.

ㅤㅤㅤEla ouviu um suspiro pesado, logo em seguida, suas narinas foram novamente preenchidas pelo cheiro forte da tinta acrílica, um odor que fez seu estômago revirar novamente. Engoliu seco tentando se livrar da sensação. Concentrado, Lucas espremia os tubos de tinta com cuidado, misturando as cores em sua paleta de madeira.

ㅤㅤㅤ— Fique assim, por favor — Lucas pediu com a voz suave, e ela corou ao perceber que ele a observava atentamente.

ㅤㅤㅤAlice sentiu os olhos ficarem quentes, e sua vista ficou turva quando as lágrimas começaram a se acumular. Estar ali com ele já havia se tornado perigoso demais, ainda mais quando não sabia o que Adam planejava. Dois dias depois do último encontro e ela não teve mais sinais dele, era como se fosse uma trégua silenciosa. Isso não é um pedido, minha querida. As palavras de Adam ecoaram em sua mente, carregadas com uma malícia que a fez tremer. Temporária, é claro, mas ainda sim uma trégua.

ㅤㅤㅤEle pode estar blefando, não é?, pensou inocentemente, tentando se agarrar em uma esperança perdida, mas rapidamente se lembrou dos olhos de Adam. Olhos negros e predatórios que pareciam engolir qualquer luz ao redor sem devolver nada em troca. Olhos que a queimaram viva em seu inferno pessoal. Era impossível para Alice se livrar da presença dele, vagando como uma Pessoa de Sombra pelos cantos de sua mente.

ㅤㅤㅤIsso, continue pensando assim, a outra-Alice retorquiu com a voz carregada de desprezo; odiava ficar presa em alguém tão fraca, e passar tanto tempo sem conseguir assumir o controle. Continue pensando assim, ela repetiu disposta a testar os limites. Estou morrendo de vontade de descobrir do que Adam realmente é capaz. Elas já tinham a resposta daquilo, mas a verdade é que a outra não estava preocupada com o que Lucas poderia sofrer.

ㅤㅤㅤEla ansiava por mais daquele jogo sádico, mesmo sabendo exatamente onde ele a levaria. O medo que Adam causava e a incerteza de qual seria seu próximo passo se converteram em adrenalina, despertando uma excitação doentia nela. Quanto mais pensava sobre aquilo, mas ela desejava.

ㅤㅤㅤFique com ele e deixe Adam cuidar disso, a outra incentivou com uma risadinha perversa. Deixe ele te livrar dessa vida. Lucas merece isso, não é? Ele merece o que quer que Adam planeje fazer. Alice balançou a cabeça negativamente. Você mudou tanto depois que o conheceu... Lembra quando trabalhávamos juntas? Ela mordeu o lábio com força, sentindo o gosto do sangue pingar em sua boca. Você se tornou tão, tão fraca, Ally.

ㅤㅤㅤ— Cale a boca — ela murmurou, as lágrimas pingando em seu colo.

ㅤㅤㅤEu preciso fazer isso agora, pensou.

ㅤㅤㅤ— Falou algo? — Lucas indagou a suas costas e ela balançou a cabeça negativamente.

ㅤㅤㅤ— Você tá pelada? — uma voz rouca a arrancou de seus devaneios.

ㅤㅤㅤBart começou a latir por conta do susto e tentou subir onde Alice estava para ver quem era. Lucas ergueu a cabeça e não conseguiu conter uma risada ao reconhecer a voz de Isaac. E ela soltou um suspiro profundo, arrumando a toalha contra o corpo e olhou para o garoto, que acenava alguns metros abaixo enquanto falava ao telefone. O que quer que tivesse planejado, teria que esperar.

ㅤㅤㅤ— É melhor você se vestir — Lucas comentou com um tom divertido, deu mais um gole na bebida e pegou uma calça de moletom cinza no armário e a vestia — Ele não tem o hábito de bater na porta.

ㅤㅤㅤ— Não estou surpresa.

ㅤㅤㅤOs passos pesados ecoaram pelas escadas e Bart correu para perto da porta, latindo repetidamente em alerta, parando apenas quando Isaac finalmente entrou.

ㅤㅤㅤ— Juro, você precisa ver a namorada dele — disse Isaac, com um sorriso malicioso para quem estava do outro lado da linha. Os olhos varrendo Alice de cima para baixo.

ㅤㅤㅤUm forte cheiro de perfume invadiu suas narinas, tão intenso que Alice sentiu a vodka subindo por sua garganta. Pressionou os lábios com força, tentando disfarçar o desconforto. Isaac se jogou na cama, deitando de bruços e balançando os pés como uma garota enquanto falava ao telefone.

ㅤㅤㅤ— Não, não é a Nat — Zac corrigiu, acariciando as costas de Bart, que lambia seu rosto animadamente. — Ela tá solteira até onde sei... Deve tá esperando 'cê voltar... Será que eu tenho chance com ela?

ㅤㅤㅤUma risada abafada do outro lado da linha foi alta o suficiente para que os demais ouvissem e Zac balançou a cabeça positivamente, concordando com algo que foi dito depois. Lucas encostou no guarda-roupa, de braços cruzados, observando o amigo. Seu rosto estava impassível, mas os ombros estavam tensos e os dedos ansiosos tamborilando em seus bíceps.

ㅤㅤㅤ— Ele quer falar com você — Zac disse, estendendo o telefone no ar.

ㅤㅤㅤ— Manda ele ir a merda — Lucas retrucou com uma irritação que Alice viu poucas vezes.

ㅤㅤㅤ— To falando com a Alice, não com você.

ㅤㅤㅤ— Desliga essa merda, Isaac.

ㅤㅤㅤ— Credo... — Isaac murmurou antes de se despedir e jogar o telefone ao seu lado na cama, levantando as mãos diante do corpo em rendição.

ㅤㅤㅤAlice observou a troca de olhares entre os dois e percebeu que alguma conversa interna estava rolando. Eu não deveria estar aqui. O que quer que tenha acontecido, não era da sua conta e eles poderiam se resolver sozinhos. Preciso sair daqui.

ㅤㅤㅤDe costas para a cama onde Zac estava e ainda enrolada na toalha, ela vestiu a calça e, em seguida, se livrou da toalha para vestir a blusa. Ouviu um suspiro pesado às suas costas, e Isaac parecia admirado com o que via. Antes mesmo que pudesse falar algo, um estalo inesperado soou após Lucas bater com a mão espalmada na nuca de Isaac.

ㅤㅤㅤ— Você tá se babando, idiota. — Lucas disse, fingindo irritação.

ㅤㅤㅤ— Agora eu sei porque você não consegue parar de pintar ela.

ㅤㅤㅤ— Eu já vou — Alice anunciou, com o rosto quente, jogando sua mochila sobre o ombro e saiu do quarto sem esperar qualquer resposta.

ㅤㅤㅤApressou-se pelas escadas, cruzando a sala de estar em poucos passos e saiu pela porta sem olhar para trás. Os pensamentos inundaram sua mente como ondas contra a areia, impossibilitando-a de se concentrar em uma só coisa. Sentia que estava à beira de surtar e os rostos ao seu redor concordavam.

ㅤㅤㅤVolte para lá agora, a outra bufou. Quando eu finalmente quero estar perto dele, você decide que não quer mais? As coisas não funcionam assim.

ㅤㅤㅤ— Cala a boca, ok? — Alice murmurou indo em direção ao carro. — Ele não vai se machucar por minha culpa.

ㅤㅤㅤEu posso cuidar disso quando você dormir.

ㅤㅤㅤ— Alice! — Lucas chamou à suas costas, com a voz preocupada.

ㅤㅤㅤEla não se virou, apenas abriu a porta de trás e jogou a mochila no banco, dando a volta no carro para ir para a porta do motorista, mas Lucas apressou o passo e bloqueou seu caminho.

ㅤㅤㅤ— Foi mal pelo Isaac, ele é sem noção — Lucas disse em um tom calmo, mas sua expressão era apreensiva. Os olhos inquietos esquadrinharam o rosto de Alice em busca de alguma resposta e continuou: — Qual o problema?

ㅤㅤㅤ— Qual é o problema, Smith? — Alice replicou com frustração, desejando falar toda a verdade, mas sentindo o peito apertar. — Eu não quero mais, ok?

ㅤㅤㅤ— O quê? — Indagou confuso.

ㅤㅤㅤ— Você, nós e toda essa merda.

ㅤㅤㅤ— O quê? — Ele repetiu, ainda sem entender. — Foi algo que Isaac fez?

ㅤㅤㅤ— Isso não tem nada a ver com seu amigo, James. Eu cansei de brincar de casinha com você — Apesar de sentir as palavras pesando cada vez mais, Alice se obrigou a exibir um sorriso de pena. — Você realmente achou que isso ia dar em algo além de sexo? Você deve tá completamente maluco.

ㅤㅤㅤ— Eu não... Eu não entendo.

ㅤㅤㅤ— Claro que não — Ela rebateu. — Você tá tão acostumado a fazer isso com as meninas que nem sequer passou pela sua cabeça que alguma poderia fazer isso com você, não é?

ㅤㅤㅤ— Al, eu...

ㅤㅤㅤ— Não me chame assim.

ㅤㅤㅤLucas a encarava atordoado, tentando processar o que estava ouvindo, enquanto o coração de Alice apertava. Ela desejou abraçá-lo e dizer que tudo aquilo era mentira, mas era a única forma de mantê-lo seguro.

ㅤㅤㅤ— Me deixa ir, por favor.

ㅤㅤㅤEm silêncio, ele se afastou apenas o suficiente para que ela tivesse acesso ao carro e Alice entrou, sentindo o aperto em seu peito crescer tanto que podia sufocá-la ali mesmo. Forçando-se a engolir o choro, ligou o motor e saiu, seus olhos grudados no retrovisor enquanto observava Lucas se afastar, caminhando lentamente de volta para a casa.

ㅤㅤㅤQuando estava longe o suficiente, Alice liberou toda a frustração ainda enquanto dirigia, gritando até sua garganta arder e batendo as mãos violentamente contra o volante, fazendo a buzina soar algumas vezes e as palmas da mão queimarem.

ㅤㅤㅤAgora, ela precisava encontrar Adam e confrontá-lo.

ㅤㅤㅤQuerendo ou não, o jogo já havia começado.

Compensando o capítulo xoxo de 1200 palavras da semana passada!

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