2. capítulo vinte e nove
ㅤㅤㅤAlice despertou em um espasmo, sua respiração irregular pelo susto e a boca estava seca, carregando um gosto amargo. Ela abriu os olhos com dificuldade, piscando diversas vezes por conta da luz branca que vinha de cima. Uma dor insuportável pulsava em sua cabeça, fazendo-a gemer baixinho. E seu cérebro parecia pesar uma tonelada, deslizando para lá e pra cá dentro de seu crânio.
ㅤㅤㅤAssim como sua mente, a visão enevoada não conseguia se acostumar com a claridade, e tudo fora do círculo de luz se resumia em uma escuridão quase sólida. Onde eu estou? Ela tossiu, tentando se livrar do mal estar que queimava sua garganta. Cada tentativa de forçar a memória, trazia consigo uma pontada aguda que ecoava em sua mente.
ㅤㅤㅤSeus sentidos começaram a voltar gradualmente, porém ainda estava com dificuldade para assimilar o que estava acontecendo. Alice tentou se levantar, mas uma pressão a manteve no lugar. Foi só então que percebeu os pulsos amarrados com cordas atrás da cadeira, e seus tornozelos presos com abraçadeiras plásticas nas pernas.
ㅤㅤㅤO coração acelerou repentinamente, bombeando o pânico gelado através de suas veias. A urgência de se libertar não parecia ser o suficiente; a cada movimento apressado, as amarras se enterravam mais em sua pele. O atrito ardia, misturando com a dor física e o desespero que crescia a cada segundo que se passava.
ㅤㅤㅤAdam.
ㅤㅤㅤO nome manchou sua mente como tinta preta na água e, de repente, as lembranças vieram à tona. As palavras de Lucas ecoando, o caminho até a casa de Amy, o quarto vazio. A sensação incômoda de estar sendo observada e a máscara no espelho. Adam. Ela se lembrou dos braços fortes ao seu redor, a proximidade entre seus corpos e a resistência inútil que ofereceu a ele antes de acordar ali.
ㅤㅤㅤAlice sabia que não estava sozinha.
ㅤㅤㅤ— Adam — grunhiu, a voz arranhada pelo gosto químico deixado em sua boca.
ㅤㅤㅤO silêncio era cortado por sua respiração rápida enquanto ela procurava sinais ao redor. Mas podia sentir centenas de Pessoas de Sombras a observando. Onde está você? Um arrastar de sapatos chamou sua atenção, vindo de suas costas. Passos calculados ecoaram no espaço vazio. Ela os acompanhou com os ouvidos, mesmo sem ver, até que pararam bem diante dela.
ㅤㅤㅤ― Eu poderia passar horas vendo você se contorcer assim. — A voz de Adam cortou a escuridão, trazendo um prazer perverso.
ㅤㅤㅤ― Solta essa porra, Adam ― ordenou, cada palavra rasgando sua garganta no caminho.
ㅤㅤㅤ― Alice, querida ― Ele deu um passo à frente, entrando no círculo de luz e se inclinando sobre ela, até seus rostos ficarem na mesma altura. A roupa preta contrastava com a iluminação e sua máscara projetava sombras grotescas. ― Onde estão seus modos?
ㅤㅤㅤAdam estava tão perto que ela podia ver seus olhos de ônix brilhando encarando-a nas sombras, com uma intensidade que penetrava sua alma. Ele estava se deliciando ao tê-la naquela situação. Talvez tenha sido essa realização que fez o sangue de Alice ferver e uma onda de raiva consumi-la por completo. Sem pensar duas vezes, ela lançou a cabeça para frente e cuspiu sobre a máscara que ele usava.
ㅤㅤㅤCom uma calma inesperada, ele levantou a mão coberta por uma luva preta e tocou a máscara, limpando-a sem pressa, como se a atitude dela fosse algo irrelevante que não merecesse seu aborrecimento. O silêncio se arrastou pelo que pareceu uma eternidade e Alice sentia o coração martelando tão forte em seu peito, que teve a impressão que ele podia escutá-lo em meio a respiração pesada.
ㅤㅤㅤFinalmente, Adam retirou a máscara. Os cabelos negros como a noite caíram sobre a testa, ligeiramente molhados - Alice não soube dizer se era suor ou chuva. Ele jogou a máscara no chão e a observou quicar, o barulho abafado ecoou no ambiente antes de seus olhares se encontrarem novamente. A calmaria antes da tempestade. De alguma forma, ele parecia muito mais ameaçador daquela forma.
ㅤㅤㅤOs olhos negros queimavam como o inferno que ele proporcionava, e um sorriso surgiu em seus lábios passando uma mensagem clara: Alice iria se arrepender daquilo. Sem qualquer aviso, a mão grande cortou o ar e chapou contra o rosto de Alice. O impacto fez sua cabeça girar para o lado enquanto um zumbido agudo preenchia seus ouvidos. A força do golpe foi tanta que a deixou atordoada, tudo ao redor deles ficou desfocado.
ㅤㅤㅤEla piscou várias vezes, tentando recobrar a consciência, e moveu o maxilar, assegurando-se que ainda estava no lugar. Se a voz te chamar. O amargo em sua boca deu lugar ao gosto metálico do sangue e ela estalou a língua. Sua bochecha queimava feito brasa e o corte em sua maçã do rosto reabriu com o impacto. Com a cabeça baixa, os cabelos caiam sobre seu rosto, o que impedia que ele tivesse uma visão direta dela.
ㅤㅤㅤAlice respirou fundo algumas vezes, e um som inesperado acabou escapando de seus lábios, acompanhado por um tremor em seus ombros. Cuidado ao escutar. No começo, foi apenas um murmúrio baixo e indefinido, mas o riso cresceu até explodir em gargalhadas. Ela jogou a cabeça para trás, com os olhos fechados, enquanto sua risada ecoava pela escuridão, quase como se o desafiasse. Alice não ria sozinha, mas Adam não conseguia ouvir os outros que os cercavam.
ㅤㅤㅤ― Me bata de novo ― ela o provocou com um brilho selvagem dominando seu olhar. ― Talvez assim você consiga me fazer sentir alguma coisa.
ㅤㅤㅤEle agarrou o queixo dela com força, os dedos se cravando em sua pele e a obrigando a olhá-lo diretamente. Os olhos negros, sombreados pela raiva, borbulhavam como piche quente. Mas Alice não desviou o olhar, ao invés disso, manteve o sorriso em seu rosto ao tombar a cabeça para o lado como se implorasse por algum afeto.
ㅤㅤㅤAdam pressionou seu rosto ainda mais forte, tornando impossível não deixar uma careta de desconforto passar. Alice viu o momento que o maxilar dele se contraiu pesadamente, fazendo seu coração acelerar e a própria respiração ficou descompassada. A expressão rígida no rosto dele denunciava um esforço contido e, por um breve momento, ela soube que Adam estava debatendo seriamente sobre matá-la ali mesmo.
ㅤㅤㅤ― Você finge que não ― Adam sussurrou perto de seu rosto, o hálito quente e mentolado fazendo cócegas em sua pele quente. ― Mas você adora esse jogo tanto quanto eu, não é mesmo?
ㅤㅤㅤAlice inspirou profundamente, ignorando as dores, e inclinou o rosto para frente. O homem louco clama. Seus olhos brilhavam de uma forma diferente, carregando uma malícia crua que Adam nunca imaginou ver ali. O espaço entre eles parecia pulsar, diminuindo a cada segundo até que seus narizes roçaram um no outro, como um convite íntimo.
ㅤㅤㅤEla sabia o que Adam queria; o desejo a queimava através de seu toque grosseiro, em cada respiração que ele exalava, Alice via a resistência se esvaindo dele através da fumaça. Oh, Deus, como ela ansiava por aquilo Inquieta, ela se contorceu na cadeira e sentiu a corda queimando sua pele, o atrito servindo apenas para alimentar suas vontades. Cada célula do seu corpo ansiando pelo grand finale que apenas ele poderia entregar.
ㅤㅤㅤA boca entreaberta estava à beira de implorar, mas seus olhos falavam por ela em silêncio e ele entendeu a mensagem. Adam inclinou-se mais, o polegar deslizando lentamente pelo lábio inferior dela e Alice conseguiu sentir o calor de seus lábios, mesmo sem tocá-los.
ㅤㅤㅤ― Não vamos nos apressar, querida ― Adam sussurrou, afastando-se repentinamente. ― A diversão ainda nem começou.
ㅤㅤㅤDe repente, a luz branca se apagou permitindo que a escuridão cobrisse tudo como um véu. O ar se tornou pesado e ela arregalou os olhos instintivamente, tentando enxergar algo. Os passos abafados de Adam se afastaram lentamente, deixando-a sozinha ali. Alice debateu os braços, sentindo as cordas queimarem ainda mais sua pele.
ㅤㅤㅤ― Adam? ― ela chamou com a voz embargada, perdendo toda a firmeza que tentou reunir.
ㅤㅤㅤNão houve resposta.
ㅤㅤㅤAos poucos, a escuridão se tornou mais familiar. Os olhos começaram a captar os detalhes que antes ela não conseguia enxergar em contornos conhecidos. Não. As vigas de madeira que tampavam a parede não terminada, o chão de concreto sujo, a escada em caracol que dava acesso à pequena salinha que ficava na parte de cima, e o cheiro úmido de madeira e poeira. Um calafrio percorreu sua nuca. Não.
ㅤㅤㅤNão importava quanto tempo se passasse ou a direção escolhesse seguir, no final de tudo, Alice sempre voltava para sua Toca do Coelho.
ㅤㅤㅤ― Adaaaam! ― ela gritou, se debatendo.
ㅤㅤㅤSua respiração acelerada e entrecortada ecoava pelo galpão vazio, pequenos gemidos involuntários escapavam a cada movimento contra as amarras. Quando mais Alice se debatia, mais rápido as cordas se apertavam contra seus pulsos e o desespero crescia. O enjoo ameaçava retornar. Coisas ruins aconteciam no galpão e ela não queria presencia-las.
ㅤㅤㅤUm vulto denso passou por sua visão periférica, fazendo-a ofegar, sem saber se era real. Um clique ecoou pelo espaço amplo e uma nova luz se acendeu, mais fraca que a primeira, banhando o ambiente em uma iluminação amarelada e carregada de sombras. Adam estava parado perto da porta, o sorriso de Cheshire rasgando suas bochechas.
ㅤㅤㅤ― Tenho uma surpresa, meu bem ― anunciou de forma teatral ― Não precisa se acanhar, Amélia. Estávamos esperando por você!
ㅤㅤㅤAlice mal teve tempo de processar aquelas palavras antes de ver Amy sendo empurrada para dentro do galpão, acompanhada pelo capanga de Adam. Seu corpo ficou estático na cadeira e, subitamente, sua mente se tornou vazia. Ela não conseguiu absorver o que acontecia diante dela.
ㅤㅤㅤOs cabelos assanhados caiam sobre o rosto da garota, que olhava para baixo ao tentar andar sem tropeçar nos próprios pés ao ser empurrada sem gentileza. Seus pulsos estavam amarrados por cordas, à frente do corpo, e seus dedos se cruzavam como se fosse começar a rezar. Fizeram-na parar alguns metros à frente de Alice e o homem pressionou seu ombro até que os joelhos cederam e ela caiu contra o chão duro.
ㅤㅤㅤ― Não ― Alice murmurou, quase inaudível.
ㅤㅤㅤEle estava mentindo, ele estava mentindo, ele estava m-
ㅤㅤㅤAmy ergueu a cabeça, o rosto vermelho estava encharcado pelas lágrimas e um pedaço de silver tape cobria seus lábios. Um de seus olhos estava escuro, e o outro ainda carregava a lente de contato azul. Ela tentou gritar, mas a voz foi abafada pela fita.
ㅤㅤㅤ― Não ― implorou, a voz vacilando ― Você disse que não ia machucar ela.
ㅤㅤㅤAdam caminhou lentamente até parar ao lado de Amy, seu sorriso de predador curvando os lábios enquanto inclinava a cabeça na direção da garota. Gentilmente, pousou o dedo comprido no queixo de Amy, forçando-a a erguer o rosto.
ㅤㅤㅤ― Que tipo de monstro pensa que eu sou, querida? ― Ele indagou com ironia. ― Machucar ela não está nos meus planos.
ㅤㅤㅤAmy tentou desviar o rosto, mas Adam apertou seu queixo para que ela mantivesse os olhos fixos nele. Aquela visão fez o estômago de Alice revirar, mas não era apenas o enjoo. Alguma coisa pulsava dentro dela, queimando seu interior como fogo. Ele a olhava com tanta intensidade que Alice podia vomitar ali mesmo.
ㅤㅤㅤ― Solte ela ― Alice disse, entredentes.
ㅤㅤㅤAdam afastou o rosto da garota com violência, jogando para o lado com tanta força que Amy perdeu o equilíbrio, caindo de bruços no chão com um gemido abafado.
ㅤㅤㅤ― Eu te avisei para não tentar nenhuma gracinha. ― Adam disse, umedecendo os lábios e erguendo os olhos negros em sua direção ― Achou mesmo que poderia contar nossos segredos sem que eu ficasse sabendo?
ㅤㅤㅤEm silêncio, ele contornou a cadeira e ficou às suas costas. Alice podia sentir o calor do corpo dele próximo aos seus braços, mesmo assim tentou ignorar a sensação pesada que acompanhava sua presença; mas seu estômago estava gelado. Ele postou as mãos em seus ombros, apertando-os levemente, e os tremores começaram.
ㅤㅤㅤ― A culpa disso é sua, querida ― Ele começou enquanto os dois assistiam Amy tentar se colocar de pé. ― Me dói fazer isso, porque eu realmente gosto daquela garota e não quero machucá-la... Mas você precisa aprender sua lição, Alice.
ㅤㅤㅤAlice comprimiu os lábios ao sentir os dedos longos correrem gentilmente por seus cabelos, antes de jogá-los sobre seu ombro. Os olhos começaram a ficar quente depois de tanto tempo sem piscar. Adam se inclinou até os rostos ficarem na mesma altura, mas os dois mantinham os olhares fixos em Amy.
ㅤㅤㅤ― Ela também tem culpa, é claro. ― Adam murmurou como se quisesse evitar que Amélia o ouvisse. ― Afinal, como eu saberia onde você iria estar?
ㅤㅤㅤSeu coração errou uma batida. As íris correram para o lado tentando focalizar seu rosto sem virar a cabeça para encará-lo. Seus sentidos estavam em alerta, e ela tentava decifrar a expressão dele por sua visão periférica, mas tudo o que ela via era mais e mais Pessoas de Sombra os cercando.
ㅤㅤㅤAlice sentia sua visão pulsar e formas estranhas começavam a surgir como fumaça colorida em sua visão periférica. O cheiro do perfume de Adam impregnava seu olfato, juntamente ao cheiro úmido da terra. Ela tentou falar algo, mas as palavras morriam no fundo da sua garganta antes mesmo de serem ditas. Ele está certo, a outra sussurrou em sua cabeça.
ㅤㅤㅤOlhou para Amélia, que estava de joelhos no chão, os ombros chacoalhando enquanto ela tentava se botar de pé, sabendo que era vigiada por todos. O capanga de Adam mantinha os braços cruzados, encostado na parede do canto, o corpo todo quase oculto pelas sombras - apenas esperando qualquer movimento que os prejudicasse. Ela olhou para Alice, soluçando palavras censuradas, e gritou.
ㅤㅤㅤAmy te entregou para ele, ela está onde merece.
ㅤㅤㅤFechou os olhos com força para evitar as possíveis alucinações, e balançou a cabeça tentando afastar aquela voz específica. Amy não é assim, ela não merece isso, mas não importava o quanto ela tentasse focar nesses pensamentos, não era o suficiente. Ela não é inocente. Ecila começava a falar cada vez mais alto, fazendo a raiva se misturar com o medo, transformando-se em uma gosma ácida que percorria suas veias.
ㅤㅤㅤAfinal, como eu saberia onde você iria estar?
ㅤㅤㅤSeu corpo queimava com a sensação de estar sendo observada, e a realização de que ela estava cada vez mais encurralada a consumia. Alice tornou a abrir os olhos, a visão turva pulsava, impedindo de ver as coisas como elas realmente eram. Mate-o.
ㅤㅤㅤOs chifres surgiam por entre os cabelos pintados de castanhos. Apesar do rosto encharcado pelas lágrimas, havia um brilho maligno nos olhos de duas cores, e a garota gargalhou; as risadas abafadas pela fita em seus lábios. Mate-a. Aquilo fez os músculos de Alice se contraírem e as unhas se cravaram na palma das mãos em uma tentativa de recobrar o controle, mas a dor física não era o suficiente.
ㅤㅤㅤEcila ria dentro de sua cabeça, divertindo-se com aquela situação; ela já havia assumido o controle uma vez, agora Alice sentia suas garras rastejando por seu esôfago em busca da liberdade. A fumaça colorida crescia ao redor deles e sua visão, pouco a pouco, se tornava vermelha.
ㅤㅤㅤ― Você sabe o que precisa fazer ― Adam disse como se soubesse exatamente o que estava pensando. Suas palavras saíram como fumaça escura de seus lábios e penetraram em seus ouvidos.
ㅤㅤㅤEntão, Alice sentiu um alívio repentino.
ㅤㅤㅤOs braços doloridos caíram pesados ao lado do corpo, e o formigamento começou a se espalhar pelos mesmos até os ombros. Suas mãos tremeram inconscientemente. Confusa, virou a cabeça na direção de Adam apenas para encontrá-lo a centímetros do seu rosto. Ele havia cortado as cordas. Ele havia dado uma escolha a ela. Mas Alice não entendia.
ㅤㅤㅤ― Me mostre que você é mais do que apenas uma peça, querida ― sussurrou com um sorriso imperceptível em seus lábios, e os olhos queimavam, esperando a decisão dela. ― Mostre que sabe jogar.
ㅤㅤㅤMate. Era sua própria voz que ecoava
quero agradecer ao linkin park por lançar uma musica que funciona perfeitamente nesse capítulo, mas especialmente no próximo, no dia que eu tava trabalhando nesses capítulos e me ajudou bastante no desenvolvimento!
curiosidade: a primeira versao de alice (principalmente os livros 3-4) foram escritos em grande parte ouvindo LP kkkkk
quase esqueci de postar hj por causa do feriado :p
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