2. capítulo dezessete
ㅤㅤㅤMuitas coisas aconteceram em um curto período de tempo; ou essa era a impressão que Alice tinha quando sua cabeça estava em uma constante queda livre.
ㅤㅤㅤPor três vezes no período de uma semana, Alice atendeu clientes simpáticos que gostavam de conversar ao esperar seus pedidos; isso resultou em uma porção de petiscos de queijo sem dono, duas doses de tequila abandonadas em cima do balcão (que ela e Jenny tomaram escondidas) e uma caneca de vidro quebrada que chamou a atenção de Joe.
ㅤㅤㅤ― Frances?
ㅤㅤㅤSua mão ainda estava congelada no ar, o movimento feito corriqueiramente para entregar a cerveja ao cliente. Várias cabeças se viraram em sua direção quando o barulho alto do vidro chocando-se contra o chão ecoou no lugar. A bebida se misturou com os milhares de cacos espalhados.
ㅤㅤㅤAlice olhou ao redor, procurando o cliente.
ㅤㅤㅤ― Ah, merda. Escorregou ― exclamou para disfarçar.
ㅤㅤㅤOs olhos correram o ambiente buscando uma saída antes que Joe falasse algo a mais e ela encontrou aquele homem careca com várias tatuagens (inclusive uma caveira em sua nuca), olhando diretamente para ela.
ㅤㅤㅤEle era real. Tinha certeza disso porque viu Joe conversando com ele mais cedo e aquele homem sempre estava lá. Todas as noites. Sentava em mesas diferentes, mas depois de um tempo ela percebeu que, na maior parte das vezes, estava de frente para ela.
ㅤㅤㅤTodas as noites.
ㅤㅤㅤObservando.
ㅤㅤㅤÉ claro que, para ela, a presença daquele homem se tornou muito mais fácil de ignorar com o tempo, diferente da presença sufocante de Adam. E, apesar de tudo, Alice reconhecia a consideração de sua parte em evitar o bar depois da última conversa que tiveram, mandando seu grande amigo/vigia/careca em seu lugar.
ㅤㅤㅤ― Vou só terminar de limpar e já levo pra você, beleza? ― disse Alice.
ㅤㅤㅤO homem gesticulou um sinal positivo.
ㅤㅤㅤCom um leve dar de ombros, Alice deu um sorriso amarelo para Joe e seguiu até a dispensa, onde pegou um pano para limpar a bagunça. Embora suas bochechas não estivessem coradas, ela sentia o rosto quente pela vergonha e suas mãos tremiam levemente ao segurar a vassoura.
ㅤㅤㅤ― Valeu. ― Alice disse, colocando a caneca na mesa.
ㅤㅤㅤEle assentiu e ela continuou parada ao seu lado.
ㅤㅤㅤ― Você é real, não é? ― indagou baixinho; seu olho esquerdo era castanho e o direito azul.
ㅤㅤㅤNovamente, ele concordou.
ㅤㅤㅤ― Certo. ― disse ao se afastar.
ㅤㅤㅤAlice deu meia volta e tornou a encará-lo.
ㅤㅤㅤ― Por que diabos vocês estão fazendo isso? ― disparou a pergunta tão rapidamente que as palavras se embolaram.
ㅤㅤㅤO careca apenas a encarou com seus olhos de duas cores pelo que pareceram horas, sendo interrompidos apenas pela aproximação dos passos firmes de Joe. Após o expediente, ele a chamou em seu escritório para perguntar: Qual o problema, Frances?
ㅤㅤㅤAlice escondeu o rosto entre as mãos e apertou as pálpebras com força. Pontos coloridos começaram a surgir em meio a escuridão, dançando diante dela até se transformarem nas palavras sussurradas em seu cérebro. Suspirou fundo e abriu os olhos.
ㅤㅤㅤ― ... abordando temas como a globalização, a tecnologia, o terrorismo, e as mudanças políticas e sociais do século XXI.
ㅤㅤㅤ― Você está bem? ― Lucas sussurrou ao seu lado, pousando a mão sobre seu braço.
ㅤㅤㅤ― Eu dormi. ― ela respondeu, afastando as aranhas que andavam em sua mesa.
ㅤㅤㅤ― Achei que você tinha decidido se converter no meio da aula e estava fazendo uma oração ― ele riu. ― Mas é bom continuar, só um milagre pra fazer isso terminar rápido.
ㅤㅤㅤ― O que é tão engraçado, Sr. Smith? ― A voz grave interrompeu seu riso e Alice agarrou com força nas bordas da carteira. ― Gostaria de compartilhar com o resto da turma?
ㅤㅤㅤOs olhos negros estavam fixos no rapaz ao seu lado, mas Alice sentia-se observada da mesma intensidade, como se eles fossem moscas em uma teia.
ㅤㅤㅤ― Hoje não, professor ― Lucas respondeu em um tom debochado que fez algumas risadinhas escaparem pela turma e pontuou a frase com um sorriso. ― Foi mal.
ㅤㅤㅤ― Foi mal... ― O homem repetiu com certa repulsa e balançou a cabeça negativamente. ― Sua falta de respeito é palpável. Pode se retirar da sala.
ㅤㅤㅤ― Mas...
ㅤㅤㅤ― Você está atrapalhando minha aula.
ㅤㅤㅤLucas fechou a cara. Ele jogou os materiais de qualquer forma dentro da mochila e se retirou da sala.
ㅤㅤㅤ― Mais alguém? ― O homem indagou; encarando-a.
ㅤㅤㅤFoi a primeira vez que tiveram qualquer tipo de contato desde sua última conversa. Mesmo assim, ele não esboçava qualquer emoção. Sua apatia queimava as entranhas de Alice e a fazia duvidar de sua própria realidade.
ㅤㅤㅤEra real, ela sabia que era.
ㅤㅤㅤComo você se esconde tão bem?
ㅤㅤㅤCom as narinas infladas, Alice juntou seu material de má vontade e se retirou da sala com a mochila pendurada no ombro. Em uma tentativa de evitar contato visual com o professor, seus olhos acidentalmente encontraram com os de Amélia.
ㅤㅤㅤNaquela semana, elas nem sequer se toparam por acidente pelos corredores, mas era melhor assim. Alice evitava pensar sobre isso porque, a breve lembrança da forma que foi olhada, fazia seu sangue ferver.
ㅤㅤㅤVocê deveria ter matado ela quando teve a chance, o pensamento fluiu com tanta naturalidade que Alice teve dúvidas se ela estava falando com a outra ou o contrário. Eu tive uma chance? Os rostos flutuantes concordaram. Não podemos confiar nela, outra voz sussurrou, Amy sabe demais e ela já começou a falar.
ㅤㅤㅤAlice balançou a cabeça positivamente, concordando com os que sussurravam em seu ombro. Lucas a olhou de soslaio, sem entender, enquanto a acompanhava pelos corredores até a sala de detenção.
ㅤㅤㅤComo eu posso fazer isso?, ruminava a pergunta na esperança de que a resposta surgisse clara como água e o problema se resolvesse por si só. Mas o que Alice realmente deveria estar se perguntando era: eu quero fazer isso?
ㅤㅤㅤ"Você não tá bem, Al."
ㅤㅤㅤ― Não posso confiar nela ― Alice murmurou.
ㅤㅤㅤ― O que você disse? ― Lucas indagou.
ㅤㅤㅤEla balançou a cabeça negativamente.
ㅤㅤㅤ― Não deveria ficar desafiando ele ― disse mudando de assunto.
ㅤㅤㅤ― Besteira ― ele se espreguiçou confortavelmente na cadeira. ― Ele é só um professor.
ㅤㅤㅤAlice deixou um risinho escapar.
ㅤㅤㅤ― Você está tentando entrar pra uma faculdade, ele leciona em uma ― Aquele não era o problema, mas precisava transmitir seu medo de uma forma racional. ― Sabe que uma anotação mal humorada da parte dele é o suficiente pra você não passar.
ㅤㅤㅤLucas deu de ombros.
ㅤㅤㅤ― Não acho que ele se importe o suficiente pra isso. Além do mais, minhas notas são ótimas e eu sou bonito.
ㅤㅤㅤ― Será que você pode me escutar? ― indagou um pouco irritada. Seu tom elevado fez com que o professor de educação física, que ficava de olho nos alunos expulsos, chamasse sua atenção. ― Não se meta com ele.
ㅤㅤㅤ― E posso saber o por que?
ㅤㅤㅤO tom desconfiado trouxe à tona lembranças daquela noite em seu apartamento. Lucas estava desconfiado e esperava estar errado; mesmo que tentasse não transparecer como realmente se sentia, as palavras cheias de incertezas ainda ecoavam na mente da garota.
ㅤㅤㅤMas a situação era bem mais complicada do que ele podia sequer sonhar. Alice não conseguia encontrar nenhuma forma coerente de explicar para ele que o dito professor não era quem dizia ser e que suas mãos estavam tão sujas quanto as dela.
ㅤㅤㅤEle é perigoso, ele trama algo.
ㅤㅤㅤNão havia provas, muito menos explicações.
ㅤㅤㅤ― Deixa pra lá ― resmungou, cruzando os braços sob a mesa e afundando o rosto.
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