"Perfectly Wrong"




Andreza quase roeu os dedos quando as unhas acabaram. Não era o trabalho contínuo que martelava seus tímpanos querendo destruir sua sanidade e obrigá-la a espreitar para dentro de um abismo e imaginar sua prima caindo de braços erguidos na sua direção em busca de ajuda. Era a preocupação constante que cabriolava em seu peito.

Seu sexto sentido feminino gritava por Lara. Ainda mais depois que soube do tiroteio que houve em bellfonte – há bem poucas quadras dali – e que envolvia uma mulher e dois homens. Estranhamente, até aquele momento, a polícia ainda não tinha conseguido identificar câmaras ou imagens que os transeuntes teriam tirado. Algo quase improvável naquele mundo transfigurado de tecnologia.

— [...] A noiva decidiu trocar as mangas de cetim na última da hora por outras de renda Chantilly. Já sabe, essa renda é a queridinha das noivas por ser de poliéster, fina e levezinha. — Piper era baixinha e usava uns grandes óculos de vista quadrados e de cor verde choque. O cabelo era curto e a pele negra num tom claro contrastava com o batom preto que estava em seus lábios. A fita métrica estava pendurada ao redor do pescoço curto cheio de dobras, e balançava de cada vez que esta se mexia. — Eu queria aproveitar para fazer isso enquanto termino a gola do vestido daquela famosa gastrônoma que esqueci o nome...

— ... Darcelle Johnson... — Andreza respondeu em automático.

— Isso mesmo. Ficou noiva tanto tempo e só agora é que vai casar, já viu só? Mas como estava falando, a Lara não decidiu se o vestido teria gola rolê ou gola halter. E precisamos disso para ontem! —  Piper estalava os dedos à medida em que falava, um pouco nervosa pela ausência de cigarros e café. Só faltava arrancar uma parte dos lábios pela forma como os mordia pelos cantos.

— Coloque a gola Halter.

— Tem a certeza?

— Sim, tenho. — Andreza era talvez a mais nova na Bordados & Paixão, não chegava sequer aos vinte e cinco anos, o que fazia com que muitos reclamassem em surdina pela responsabilidade alta e confiança que lhe era dada por Lara. — É sensual sem ser ousado, revela os ombros e não é um tomara que caia. Elegante, diria.

— Tudo bem... Ah! E o Valentim quer saber sobre o acabamento do vestido da senhorita Fuertes. Está ficando tão bonito, não é?

— Diga para não mexer em nada. Paixão estará de volta logo que puder. — Andreza estava séria demais, revelando tudo o que não conseguia esconder. Mesmo que tentasse passar a sensação de que tudo estava perfeito, mostrava que havia algo de errado. Não sabia fingir e suas linhas de expressão eram transparentes.

— Certo! — A artesã concordou, levando o indicador a testa como se com aquele gesto pudesse gravar tudo na memória. Andou rápido com os pés pequenos, sem deixar de rebolar a bunda saliente, e desapareceu por trás da grande porta de madeira clara que dizia STUFF numa placa preta com letras douradas.

Andreza voltou ao trabalho, sabendo que ainda tinha muito por fazer, mesmo assim, os olhos castanhos sempre espreitavam o celular que estava por cima do balcão, aguardando por alguma mensagem que nunca chegou. Ela não tinha tido a melhor infância, pois cresceu com o pai porque a mãe tinha sido deportada sem ter o direito de exigir cidadania por tê-la nascido. Uma injustiça facilmente cometida contra pessoas que não tinham algum poder monetário naquela altura. Seu pai não parava em casa por conta do trabalho, obrigando-a a descobrir como se desenvencilhar desde pequena. Tinha dez anos quando Lara apareceu na sua casa e lhe contou sobre suas mães que eram irmãs. A família tinha imigrado em busca de melhores condições de vida, fugiam da miséria que a guerra deixava em suas cidades e acabaram por morrer no mar. Só ela é que tinha sobrevivido.

Desde então, a Lara cuidou dela como uma filha. Ainda podia lembrar de como falava na perfeição, era inteligente e obstinada demais. Só nos primeiros nove meses é que tinham ficado numa morada fixa, depois se mudaram de casa em casa por anos antes de se fixarem em Belmore. Andreza gostava de morar ali, mas com aqueles acontecimentos começava a se perguntar se não teriam de desaparecer novamente. Não imaginava como seria largar a Bordados & Paixão, não depois de todo aquele tempo investindo num nome e finalmente conseguir obter lucros consideráveis.

Soltou um suspiro, abrindo a gaveta e tirou de lá o envelope. Lara tinha dito que só poderia abrir se algo acontecesse, mas a curiosidade para descobrir se as respostas para os sumiços e os pesadelos da prima estavam ali, estava maior que tudo. A porta da loja foi aberta com brusquidão, fazendo-a pousar o papel quadrado por cima do balcão. Um homem de cabelos curtos de um ruivo escuro, barba bem cortada a delimitar o rosto de linhas retas e olhos claros, entrou vestido de um terno que não escondia o volume do corpo musculado e estava acompanhado por dois seguranças do tamanho da porta de vidro.

— Boa tarde. Preciso falar com a senhorita Paixão — exigiu de um jeito breve só para parecer educado o suficiente, no entanto o tom empregue mostrava que estava acostumado a dar ordens. — Diga que é o deputado Trevor Davidson.

— Boa tarde. A senhorita Paixão não está.

— Eu espero.

— Não sei que horas irá voltar, senhor Davidson. — Andreza já o tinha visto na televisão. Gostava de provocar debates fervorosos entre os deputados no Parlamento e ia atrás de segredos escabrosos dos colegas dos partidos opostos. — Não o aconselho a esperar.

Trevor passou a língua pelos lábios num gesto tão calmo que surpreendeu quando bateu com as duas mãos por cima da mesa, fazendo com que ela erguesse o sobrolho no mesmo instante.

— Avise para essa Lara Paixão que não sabe no que se meteu ao aconselhar Justice Fuertes a fugir faltando apenas um mês para o nosso casamento. O trabalho dela era só fazer o bendito vestido e não ser conselheira amorosa. Por culpa dela, o meu nome e o do Governador Fuertes será motivo de falatório. — Estava de olhos estreitos e tinha um dedo erguido para o alto.

— Não compreendi... Então a senhorita Fuertes fugiu e a culpa é da Lara? — Deu uma gargalhada irónica. — Por favor senhor Davidson, estou a meio do trabalho e não tenho interesse de ser também sua guia de amor. Supere.

Ele passou a mão pela barba num gesto repetitivo para cima e para baixo. Os olhos analisaram-na desde a testa até onde o balcão lhe permitiu ver, mas foi como se tivesse chegado a seus pés.

Intimidante, Andreza pensou.

— Só preciso saber para onde é que a Justice foi, e nada mais. Tenho a certeza que a senhorita Paixão sabe. — Trevor colocou a mão dentro do bolso do casaco forrado com cetim e tirou de lá um envelope branco, o pousando por cima do balcão.

— Está me subornando? Não me diga que foi assim como o Governador Fuertes venceu as eleições estaduais. 

— Entenda como um... incentivo. — Ele se afastou, descendo as mãos para os bolsos das calças e deu sinal para os seguranças, porém, foi surpreendido quando Andreza jogou o envelope aos seus pés.

Os dois se fitaram no mesmo instante, e o deputado estava furioso quando um dos seguranças se agachou para apanhar e o entregar.

— Tenha o resto de um bom dia. — Ela disse e sequer se incomodou em lhe dirigir um olhar.

— Igualmente, senhorita... Não interessa! — Vociferou.

Insolente! Andreza pensou ao se sentar logo depois que os três saíram e voltou a se concentrar no seu trabalho.




Lara engoliu em seco, tentando se recompor ao piscar os olhos várias vezes e apertou o encosto da cadeira com as duas mãos. Respirou pausadamente, uma, duas vezes, até perceber que não podia evitar sentir que sua calcinha estava erroneamente molhada.

O Diabo moveu os lábios o suficiente para imitar uma espécie de sorriso.

— O tempo é um mero detalhe, Paixão. Não se pergunte como é que ainda conheço você tão perfeitamente mesmo depois de tantos anos. Eu já disse que gravei você em minha alma e não apenas na minha memória. — Ele voltou a comer, levando o pedaço de carne aos lábios cheios e saboreando de um jeito quase obsceno. — Tenho tanto por lhe contar... Sabe que fiquei um bom tempo em cativeiro? Éramos vários rapazes, mas só um poderia sobreviver.

Ela esbugalhou os olhos, chocada.

— Não faça essa cara. Se estou aqui na sua frente então já sabe o final da história, mas não é sobre isso que quero falar agora, e sim sobre como naquele lugar todas as noites antes de dormir e todas as manhãs após abrir os olhos, eu pensava em você. — Meneou a cabeça, voltando a mastigar e passou a língua bem devagar pelos lábios. — Não foi aquela bala que você disparou bem no meu lado esquerdo que me matou, na verdade tudo aquilo me manteve vivo demais. Pensando o que faria quando finalmente encontrasse você. — Fez uma pausa e os olhos azuis a fixaram. — E agora está aí olhando para mim e exalando seu cheiro de acasalamento por todos lados. Que atrevida!

— Como você sobreviveu?

— Sente-se como uma boa menina e eu conto para você. — A ordem camuflada de sugestão veio acompanhada da pausa que ele fez para observá-la se debater internamente antes de afastar a cadeira de couro preto e se sentar na sua frente com delicadeza. — Isso mesmo. — Balançou a sineta dourada que estava por cima da belíssima mesa com um design clássico com detalhes nos pés arqueados e na madeira polida.

— Senhor Diabo. — Thierry se materializou na mesa de jantar.

— Sirva vinho para a senhorita Paixão, ela está quase se queimando de tanto... calor. — Konstantine sabia provocar e a cara irritada – ao mesmo tempo contida – que Lara fazia, apenas o fazia ficar ainda mais empolgado.

— Às suas ordens. — O mordomo puxou o pano bem dobrado num formato retangular e encaixou a garrafa de vinho, servindo para a taça gorda de cristal. — Necessita de mais alguma coisa, senhorita Paixão?

— Não. — Negou, entre dentes. — Obrigada.

— Senhor?

— Por ora é tudo, Thierry.

O mordomo curvou a cabeça ao de leve num movimento elegante, levando a mão com o guardanapo de pano ao peito e se retirou nos mesmos passos silenciosos, deixando-os a sós e imersos naquele clima fogoso.

— Como consegue comer com essa naturalidade mesmo sabendo o que aconteceu?

— Se eu não comer então o que aconteceu irá se apagar? Não. E eu estou com fome, preciso me alimentar. Deve acreditar que um homem como eu não vive de salvar mocinhas ingratas. — Retorquiu, voltando a se concentrar no pedaço de carne rosado demais por dentro e dourado por fora. — E como é que você consegue ficar tão excitada sabendo o que aconteceu?

— Sabe bem que... Isso está acima de meu controle.

— Sim. Não pensei que ainda obedecesse aos meus chamados, engraçado não? Depois de tanto tempo o seu corpo responde ao dono.

— Meu corpo não tem dono.

— É claro que tem. Você assinou aquele contrato fodido, Paixão. Quero arrancar seu coração com minhas próprias mãos e ver você implorando pelo meu perdão.

— É isso que quer? Me perdoe, Konstantine. Eu...

Ficou pálido ao ouvi-la pronunciar seu nome e a fitou intensamente.

— Diabo para você. — Ele engoliu o que estava na boca e segurou a própria taça, erguendo-a na sua direção. A Designer fez o mesmo e chocou ao de leve, num brinde perigoso. — Não é dessa forma que pretendo que me peça perdão. O momento certo irá chegar. Agora beba.

Lara deu um gole e fechou os olhos ao sentir o sabor do vinho delicioso que espalhava sensações diferentes nas suas papilas gustativas. Bebeu mais um pouco, o corpo agradecendo por relaxar fora das horas normais, pois estava tenso demais.

Château Latour 1982. Essa foi a safra que mudou a Bordeaux.

— Como você sobreviveu?

Konstantine finalmente terminou de comer, limpou a boca e se recostou melhor na cadeira confortável, segurando a taça que na mão dele até parecia menor do que era na dela. A encarou por longos segundos, o sobrolho grosso se destacando mais que tudo no rosto com a barba aparada.

— Dextrocardia. — Finalmente se dignou a responder, respirando lentamente e os olhos azuis soltavam farpas quentes e ameaçadoras. — Nunca tive complicações algumas e por isso não sabia, até o dia em que você decidiu me matar.

— Coração no lado direito? — Lara sorriu, surpreendida, suspirou aliviada e o encarou com certa ternura. — Você é uma caixa de surpresas.

— Pois sou. Perfeitamente Errado.

— E os seus sonhos?

— Meu único sonho foi você, Paixão. — Ele se levantou com um ar sério, baixou as mãos até as calças e abriu a fivela do cinto. Só o som da peça a correr – puxada com toda raiva de Konstantine – fez Lara se arrepiar dos pés a cabeça.

— Você sempre achou que não conseguir sonhar era uma maldição, mas lhe garanto que todos estes anos os pesadelos que tive me fizeram desejar ser como você.

— Eu tive pesadelos acordado, acredite foi pior — sussurrou. — Venha comigo. Vou lhe dar o que quer.

— Espere. — Ela o encarou, ainda sentada, e observou como enrolava o cinto ao redor da mão. Era um Ralph Lauren Alligator com uma fivela de placa lisa com um acabamento horizontal despojado, da mesma cor dos sapatos e que custava quase dois mil dólares.  — O que você realmente acha que fazia quando ia para aquele lugar? Levar umas palmadas e gozar com isso?

O Diabo arqueou o sobrolho e acompanhou com atenção quando Lara pousou a taça de vinho por cima da mesa e se levantou devagar, ajustando a saia antes de levar as mãos trémulas para a bainha da blusa de lã de gola alta e a puxou por cima de sua cabeça, se desenvencilhando do tecido que foi ao chão. Ele susteve a respiração ao ver o torso esguio e o sutiã rendado que cobria os seios grandes, mas os olhos aumentaram quando ela se virou para mostrar as suas costas.

— Lara... — balbuciou, afrouxando o cinto em sua mão e deixando a raiva se esvair por alguns segundos, antes de caminhar até estar tão perto dela que o próprio corpo se eletrizou. Com a mão livre esticou os dedos para tocar nas Cicatrizes que se mesclavam entre antigas e recentes e que se espalhavam por toda parte de trás do tronco dela. — O que anda fazendo?

— Me punindo. — Ela deixou escapar um soluço. — Me punindo por tudo o que aconteceu.

Konstantine a virou de frente, deixando cair o cinto e agarrando-a contra seu corpo, sem desviar os olhos do rosto bonito que tanto gostava. Subiu a mão até a nuca e enterrou os dedos ali, puxando a cabeça dela para frente.

— E como essa agressão te satisfaz, hum, Paixão?

— Dizem que uma dor forte supera a outra... — Os olhos escuros estavam cheios de lágrimas. — Mas nenhuma ainda conseguiu superar.

— Então... — Ele aproximou os lábios do ouvido dela e a sentiu estremecer junto do seu corpo másculo que não sabia se mostrar indiferente. Era como se o puxasse com força de encontro a ela. — Vou lhe causar todo sofrimento possível para que sinta muito mais do que na pele, Paixão. Existem flores como você que só murcham com a dor, pois não representam nenhum amor.

Konstantine recuou, mesmo com o corpo reclamando até aos ossos pelo distanciamento repentino, e começou a desbotoar a camisa com vagar, revelando aos poucos o torso bem moldado com cicatrizes em diferentes cantos da pele pálida tal como tinha no rosto. Apanhou o cinto novamente.

— Você vai implorar para eu te foder, tal como a bala que disparou em meu peito fez com a minha vida — sussurrou de um jeito tão arrepiante, que Lara sentiu sua intimidade pulsar com força.

Boa tarde/Bom dia diabinhas... Como estão? Estou de volta, na segunda-feira não apareci porque estava colocando meu livro na Amazon, então corre lá dar uma ajuda e compre Para Além da Beleza, compartilhe e deixe uma avaliação. #ApoieOSeuAutor. (A personagem Darcelle que foi mencionada é de lá, masneste caso é num futuro um pouquinho distante.)

Sobre o capítulo... Gente, isso só está começando a aquecer kkkkkkk Trevor ta furioso com a Lara e o embate com a Deza não fica por ali. Rsrsrsrs. E esse Konstantine e essa Paixão? Devem ser os personagens mais cabeludos que já tive até agora. Ainda iremos mais fundo! E não se preocupem que o passado deles deve aparecer no capítulo que vem.

Por favor não se esqueçam de votar! E comentem bastante para mostrar que estão gostando e me ajudando aqui a ficar ainda mais inspirada. Muita gente acertou aí sobre o que a Lara fazia kkkk continuem conspirando.

Beijos Infernalmente Elegantes.

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