"Hurt"
Andreza podia lembrar o momento em que abriu a Bordados & Paixão naquela manhã, se admirando pela prima não estar ali dentro como habitual. Tirou o casaco e foi pendurá-lo no vestiário, onde aproveitou para trocar e usar a camisa com o logótipo da loja.
O telefone tocou logo cedo, era Justice Fuertes que gritava pelo telefone querendo falar com a Designer, mas Andreza sabia que se a prima não estava na loja era porque não queria ser incomodada ou teria deixado algum recado. Costumava estranhar as recaídas que Lara por vezes tinha, mas com o tempo aprendeu a respeitar o jeito misterioso, principalmente no que se referia ao passado.
Então, atendeu mais três chamadas da noiva mais indecisa do ano e adiou alguns compromissos na agenda, mas não acreditou quando a porta se abriu e aquele homem tão intrigante atravessou em toda uma imponência que fez o lugar ficar pequeno. Os orbes azulados a despiram, eram confiantes e cheio de segredos que dançavam lá por trás. Os cabelos castanhos ora se mostravam dourados a depender da luz e os lábios pareciam sorrir de maldade pura e líquida.
Agora, olhando para os dois, não conseguia tirar nenhuma elação válida.
— Vocês... Se conhecem? — Perguntou.
— Há muito anos. — Konstantine tinha uma pose rebelde, daquele tipo de homem que não sabe levar um não, mas uma classe de quem não precisava muito para receber um sim. — Não é?
— É... verdade. — Lara se endireitou, mas não deu um passo para se movimentar, chamando a atenção da prima que a conhecia muito bem para saber que jamais se intimidava. Sempre enfrentava qualquer situação sem demonstrar medo algum, colocando suas observações contra quem fosse sem hesitar.
— Veludo... hum? — Ele se agachou assobiando para o cão que foi na sua direção, parecendo não saber que a razão de ter dormido mais do que devia na noite anterior era por causa dele. — Vem cá, rapaz. Lindo.
Lara levou a mão direita para massajar o próprio ombro, estava tensa demais e não gostava de se sentir assim. Dormir e pensar em tudo aquilo tinha feito com que enfraquecesse, pois vê-lo depois de tantos anos chegava a parecer surreal. Veludo o lambeu, o cheirando sem parar.
— Sabe... Andreza, — Ele disse subindo os olhos devagar. — Em tempos, eu tive um cão que se chamava Veludo.
— Ah! Coincidência? — Ela perguntou e procurou por um sorriso que não achou em lugar nenhum. Simplesmente ficaria estranha se conseguisse mexer os lábios naquele momento. — Claro que não. — Chegou a uma conclusão sozinha.
— Podemos falar na minha sala? — Lara se mostrou segura quando se expressou, até um pouco calma.
— Está com pressa, Paixão?
Havia algo de errado naquele rosto. Andreza pensou.
— Nenhuma. — Ela respondeu e o encarou. — Só que preciso trabalhar e não pretendo ser interrompida a qualquer altura.
Konstantine deu uma risada antipática e se levantou. Andou devagar até ao balcão oriental e tamborilou os dedos na superfície lisa, olhando diretamente para a prima dela.
— Não pretende... — Balançou a cabeça. — Ora vejamos... Andreza, querida, ainda se lembra da primeira pergunta que me fez ao chegar aqui?
— Se o senhor ia casar — respondeu e olhou para Lara, sem saber mais uma vez, onde tudo aquilo iria dar. Mordeu o lábio inferior.
— Exacto! Se quer saber por que o casamento da senhorita Pool foi o melhor que já fui na minha vida, é que o meu uma vez deu muito errado. Já imaginou o que seria ver que o melhor dia da sua vida se transformou no pior? É irónico descobrir que já fui um romântico, me perdoe a confissão disparatada. É tudo passado agora, pois finalmente me casarei. — Ele deu dois passos, mostrando que se movia rápido acompanhado dos ombros que eram de uma largura impressionante.
— Sinto que... perdi alguma coisa. — Andreza ficou de coração apertado ao ver como aqueles dois se olhavam, transbordavam sinistralidades que lhe causavam arrepios e a fazia mergulhar num nenúfar de angústias.
— Não contou para a sua prima, Paixão?
Lara começava a odiar como carregava no seu nome de um jeito tão peculiar e também odiava aqueles lábios que lhe tinham dados os melhores beijos de toda sua vida, pois ostentavam a maldita curva alta e provocante. As mãos grandes se apoiaram nos seus ombros, com firmeza, mostrando a força que sempre possuíra.
— Há um egoísmo constante que agora mora em mim, mas não lhe farei essa desfeita. Deixarei que conte para ela. — Konstantine disse e retirou as mãos dos seus ombros tão rápido quanto as tinha colocado e parou ao lado dela que era alvo do olhar da mais nova. Lara passou a língua pelos lábios secos.
— Nós vamos nos casar. — Lara foi rápida em dizer aquilo.
— O quê? — O grito escapou da garganta de Andreza mais alto do que gostaria. Ficou nervosa de imediato, pois soube que tinha algo de errado naquela história. — É alguma brincadeira? Está brincando!
— Não, não está! — Konstantine andou até ao balcão novamente. — Parece tão difícil de acreditar que a sua prima tenha conseguido um exemplar tão bom como eu?
— A Lara odeia casamentos!
— Não odeia mais. — Ele garantiu.
— O que está acontecendo? — Andreza ficou preocupada. — Lara, quem é esse homem e de onde ele surgiu da noite para o dia? Como assim vai se casar? E a sua promessa?
— Promessa? — Ainda por cima, o Diabo era intrometido. — Que promessa?
— Nenhuma. — Lara sentiu todo o controle que lutou para conseguir ter, escapar de suas mãos, tal como tinha sentido sua vida se esvair quando a embarcação que estava virou naquele mar frio, quinze anos atrás.
— Ela jurou não se casar com nenhum outro homem e irá cumprir isso.
— Juramentos se quebram! E pare com isso, não sou bom quando começo a perder a paciência. — Se mostrou irritado, o sobrolho grosso demais e bem arqueado intensificou suas feições quando foi parar no meio de sua testa.
— Por favor, vamos até minha sala. — Lara insistiu, sabendo que precisava se sentar ou desabaria ali mesmo. — Andreza, por favor, leve Veludo até a cozinha. Falaremos mais tarde.
— E cancele todas as reuniões e trabalhos que ela precisava fazer, pois apenas irá se dedicar exclusivamente ao vestido do nosso casamento — ordenou no sussurro inquietante, começando a caminhar na direção da porta dela.
— Não pode entrar aqui dando ordens. Andreza não trabalha para você e... — a sua súbita explosão pareceu recuar para dentro de uma cápsula só pela forma como o homem alto parou de andar e se virou em toda elegância que o terno acrescentava, fitando-a em seguida.
— Sabe o que eu sempre gostei em você, Paixão? — Indagou, inclinando a cabeça um pouco para o lado como se a analisasse. — É que você sempre teve essa riqueza de sabores únicos em seu caráter. Abomino mulheres insonsas.
Andreza entre abriu os lábios, mostrando os dentes com aparelho, e não acreditou quando viu aquele homem estender a mão com todo vagar e sua prima obediente, andar até ele para a segurar.
— Não é só o senhor Estranho que tem histórias trágicas sobre casamentos. Lara também perdeu o noivo que morreu no dia em que iria se casar e então fez uma promessa que em sua memória não se casaria com nenhum outro homem. — Andreza saiu de trás do balcão, evitando demonstrar uma certa aflição. — Então seja o que for que está fazendo para obrigá-la a se casar, pare.
O Diabo apertou a pequena mão que segurou a sua, estava fria como o dia que a tocou pela primeira vez para arrastá-la até ao meio da areia. Observou a forma como as longas pestanas da Designer se moveram para baixo, cativando uma parte remota daquilo que sobrava do coração dele. Por um momento teve um vislumbre da doce jovem que tanto tinha amado acima de qualquer coisa.
— Eu conto ou você conta? — Perguntou e apertou a mão dela, exercendo um pouco mais de força, fazendo com que não fugisse do seu olhar. Não cairei mais em nenhum teatro, pensou de lábios cerrados. — Eu conto, não posso perder essa.
Virou a cara para Andreza que pestanejou, mais confusa do que estava.
— Ela não vai se casar com nenhum outro homem — afirmou fechando a mão dela dentro da sua, sem permitir que a tirasse. — Eu sou o noivo que morreu.
— Han? — A prima riu, mas porque ficou sem saber como reagir. Podia sentir muita dor espelhada naqueles olhos gélidos. — Fantasma?
— Diabo se preferir. Voltei do inferno!
Os olhos de Charles refletiram o sangue que, mais do que à areia branca, manchavam sua visão. As duas mãos cobertas pelas luvas velhas ainda seguravam o machado que tinha aberto uma fenda na cabeça de Credence cujo corpo se encontrava estatelado e mais inerte do que as montanhas que se avistavam no horizonte. Elas nunca se moveriam e, certamente, ele também. Os longos cabelos outrora platinados se tingiam de carmim, os olhos fechados não escapavam da expressão horrorizada que parecia habitar a expressão do atingido.
— O que foi que eu fiz? — Seus lábios trémulos traduziram seus pensamentos mais alto do que almejava. Estava em choque, sentia como se o frio todo tivesse abandonado seu corpo e recuado para dentro da sua alma.
Era verdade que odiava Credence e que não era a morte dele que o deixava assustado, e sim a razão de tê-lo matado. De todas as vezes que tivera oportunidades belíssimas, nenhuma se comparava àquele momento, e precisaria justificar com sentido para todos que o questionassem. Ou não.
Veludo ladrou uma única vez, como se lhe chamasse a atenção. O olho castanho e o azul transmitiam informações que eram bastante óbvias. Não só pela chuva fina que caía e que parecia compactuar com a lavagem necessária que a areia iria precisar, mas também para lembrar a Charles que em breve teria dois mortos se não se movimentasse com rapidez, e então, o que tinha feito seria em vão.
A praia. Pensou largando o machado. Conhecia a história dos pescadores que eram surpreendidos por marés inesperadas e que desapareciam pelas águas sem nunca serem encontrados, deixando viúvas desconsoladas – ou talvez não – e filhos órfãos ainda mais esfomeados do que já eram. Por isso, ganhou coragem para se aproximar do que restava daquele que um dia fora seu inimigo, não que deixasse de ser até na morte, e o agarrou pelas botas que por alguns instantes no meio daquela escuridão lhe pareceram um pouco familiares. O arrastou, dando passadas para trás e descobrindo o quanto era pesado, mas trincou os dentes e o empurrou até as águas geladas.
Charles olhou ao de longe para a jovem deitada e pensou que se as ondas tinham trazido um, poderiam levar outro. Uma troca justa, a seu ver. Se era verdade que costumavam circular tubarões por ali, talvez se entreteriam com uma nova refeição, só esperava que não apanhassem nenhuma indigestão por uma carne tão insípida. Quando entrou mais para dentro das águas frígidas, seu corpo não reclamou movido pela adrenalina que o culminava. Sabia que precisava ser rápido por causa do tiro que ecoou por todos lados e que em breve mais homens apareceriam por ali.
A água tirou todo peso do corpo, e ele só parou de o puxar quando esta tocou seu queixo firme, e o soltou, vendo como flutuava para longe dali. Nunca tinha assassinado ninguém antes, mas a morte em North Folk sabia ser algo mais comum do que a vida, matar e beber água era a mesma fonte que saciava muitos dos habitantes. Era verdade que já tinha tirado a vida de vários animais, e era muito certeiro em suas caçadas habituais, sempre se mostrando implacável quando segurava a espingarda para disparar contra um veado. Até as crianças se reuniam para assistir os animais se esvaírem até a morte.
E se tinha chegado até ali era porque obedecia as ordens de seu pai para extirpar a vida de seres humanos. Qual seria a diferença? Ele não se importava de todo, nadando em braçadas fortes e contínuas até chegar na areia da praia. Suas vestes estavam molhadas e se mostraram pesadas, respingando sem parar. Charles olhou para os lados, e com a ponta da bota começou a tentar camuflar os rastros de sangue, sem muito se preocupar, pois a chuva de certo iria concluir o que tinha começado.
— Fique aqui! — Ordenou para Veludo, subindo a encosta a correr, sentindo os galhos se esmagando na sola de suas botas e o gelo se colar em sua pele. Se agachou entre as árvores onde tinham estado a dormir, apanhou a mochila e guardou as garrafas, a colocando em suas costas antes de voltar com a mesma pressa até onde o cão guardava a jovem quase morta.
Por que a salvara? Não tinha nem tempo para pensar naquela resposta. Apanhou a espingarda e a pendurou no pescoço pelo laço velho, depois o machado para colocar dentro da mochila e por fim, se estacou, antes de se aproximar do corpo feminino que lhe pareceu tão fragilizado quanto a atitude que tomava. Seria um homem morto se o descobrissem. A elevou em seus braços, sem saber se ainda respirava, mas quase a deixou cair quando ela abriu os belos olhos dolorosos para o encarar sem os conseguir suster por muito tempo antes de voltar a fechá-los.
Mal sentia o coração dela bater.
Nem o seu.
— Vamos, Veludo! — Chamou, começando a caminhar para longe dali, lutando contra o peso, a chuva que molhava tudo e o frio acirrado que sentia, acrescentavam a dificuldade de se locomover pela areia. O cão se embrenhou pela floresta, vigiando o percurso obscuro que faziam. A respiração ofegante de Charles não era a única coisa que se ouvia, alguns uivos desagradáveis ecoavam distantes. E ele nem queria pensar o que faria se tivessem que enfrentar algum animal selvagem.
Seu pai costumava dizer que Konstantine era um rapaz teimoso e sem solução, mas pessoalmente, preferia se considerar persistente. E era isso que o movia numa passada constante, sem reduzir seu ritmo, mesmo que seu corpo reclamasse. Conhecia tudo naquele lugar, muitas vezes quando sua mãe era espancada violentamente, era por ali que seguia, procurando abrigo no único local que sabia que não seria apanhado.
Diziam por ali, que a cabana do noivo da senhorita Pool, que cometera suicídio no dia do casamento, era assombrada por ela que ainda o procurava todas as noites. Muitos afirmavam já ter visto o vulto e escutado o lamurio fantasmagórico carregado pelo vento. Charles não acreditava nessas superstições, mas a comunidade inteira tinha mais medo dos mortos do que dos vivos. E ele ao contrário.
Arfou. O lugar era distante e nem tinha percorrido metade do caminho, quando sentiu que ela soltou um espasmo de dor. Não tinha como cobri-la, também estava todo ensopado e seus cabelos colavam na sua testa. Precisava chegar o mais rápido possível, até porque não tinha mais como voltar atrás.
Veludo parou de repente, e ele também.
— Shh... — Sussurrou, os olhos atentos giraram por todos lados, enquanto se embrenhava para fora do trilho junto do cão que se aproximou, e se encostou entre as árvores, agachando e a puxando para perto do seu peito. Tentou controlar a respiração, seus ouvidos atentos escutaram passadas apressadas.
— [...] Veio de perto mar. Devem ter achado algo! — Era a voz de Enin, que provavelmente estaria com Toy, uma vez que tinham sido designados a descer pelas montanhas. A parte boa é que Charles iria a subir para o lugar isolado, mas antes precisava não se encontrado por ninguém.
— Ou devem ter se matado. — Toy respondeu com a voz grossa. — Todos sabem que aqueles rapazes se odeiam, mas não são tão parecidos?
Charles ergueu o sobrolho.
— Não... — A voz de Enin agora se ouvia um pouco distante. — Credence é feio que dói. A mãe o deve ter parido pelo c...
Os homens riram e seguiram caminho ainda a conversar, até que tudo se recolheu apenas ao barulho da floresta. Os braços de Charles reclamaram quando se ergueu novamente junto do corpo que estremecia, apontando uma clara hipotermia.
— Vamos... — Sussurrou para o companheiro e se endireitou, teve a certeza que carregava algo muito valioso em seus braços, que nem mesmo sabia o quê, só que queria protegê-la de qualquer dor futura que viesse. Enquanto estivesse vivo, ninguém jamais a machucaria. E essa foi a promessa que fez internamente, subindo com dificuldade a estrada de areia e pequenas pedras escorregadias, até alcançar a velha cabana triangular de madeira, com degraus de tábuas velhas e semi partidas, escondida no meio de grandes árvores.
Nunca tinha tido um propósito de vida. Não até aquele momento.
Lá dentro estava frio, mas era mais agradável que a temperatura que tinham enfrentado pelo percurso. O lugar era precário pela falta de manutenção, tábuas se soltavam do chão e a cama era um pedaço de madeira velha castigada por cupins, mas pelo menos havia cobertores mesmo que o cheiro tresandasse a mofo. Além da lareira de pedra e dos livros velhos de páginas amareladas e capas desfeitas, o que Charles mais gostava ali era do relógio antigo e de ferro que era redondo com gravuras em bordados circulares, quatro pernas arqueadas e com um pêndulo que deixava o "tic tac" soar pelo lugar.
— Pronto... — Charles disse ao deitá-la com cuidado, agradecendo que sempre deixava um montículo de madeira para poder acender o fogo aquando das suas fugas inesperadas. — Estamos seguros aqui.
Ou assim ele pensou.
Boa tardeee diabinhas.
Mais um capítulo para montar o quebra-cabeça. Rsrsrsrs. Aos poucos vamos acompanhando essa tragetória enigmática que envolveu Konstantine e a Paixão. Rsrsrsrs. jÁ se perguntaram por que ela é Lara Paixão? Ohhhh.
Olha, estou vendo muito boas teorias meninas, algumas bem mornas mesmo e estou gostando bastante. Quem acertar eu grito QUENTE ihihihi mas bora conspirar mais um pouco. As diferenças entre o passado e o presente também se percebem entre a elegância e a miséria? Um cenário luxuoso e outro bem bucólico, não?
Se repararem, eles se conhecem há 15 anos atrás, mas não se vêem há 13. Quer dizer que ficaram 2 anos convivendo juntos. O que será que aconteceu? Chutem aí... Se comentarem bastante, quem sabe se a mamãe diabinha aqui não deixa um spoiler!
Beijos Quentes No Coração.
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