VIII
Amélie acordou com o barulho de saltos pelo seu quarto. Quando finalmente abriu os olhos, notou que havia três mulheres estranhas pelo seu quarto. Levantou-se assustada e vestiu o robe que estava na cadeira da sua penteadeira.
— Bom dia. — Amélie cruzou os braços. — Quem são vocês?
— Bom dia, alteza. — todas as mulheres fizeram uma reverência. — Somos suas damas de companhia. A arquiduquesa nos escolheu para servi-la durante sua estadia no palácio. Eu me chamo Rachel. — apontou para uma mulher ruiva. — Aquela é Annelie. — depois para uma loira. — Aquela é Leni.
— Eu não entendo. Por que eu teria necessidade de tantas pessoas para me servirem? Eu sou tão nova, nem tenho tantos caprichos.
— Aqui é a Alemanha, alteza. — Leni disse. — A arquiduquesa é bastante severa quando quer. Eu não perturbaria a vontade da sua tia. A corte alemã é muito cheia de regras. A senhorita sabe disso, não sabe?
— Sim, eu sei. Assim como a austríaca. — Amélie começou andar pelo quarto. — Não me agrada ter tantas pessoas me servindo. Eu me contentaria com apenas uma pessoa. — colocou as mãos na cintura. — Eu não fui comunicada sobre isso. De repente meu quarto foi invadido por vocês três.
— Sinto muito se aborrecemos, alteza. — Annelie ficou com uma expressão triste. — Mas é nossa obrigação. Servimos e obedecemos às ordens da arquiduquesa.
— Sabem se minha mama e irmã receberam damas?
— Sua irmã recebeu mais do que a senhorita. Sua mãe se contentou apenas com quatro. — Annelie disse.
— Ótimo. — Amélie sentou-se na cama. — Rachel, por favor, mande prepararem meu banho, água morna com sais de lavanda. Leni escolha um vestido para mim. Annelie, você fará um penteado para mim, eu nunca consigo pentear esse cabelo sozinha.
Rachel saiu do quarto, Leni foi em direção ao quarto de vestir, e Annelie ficou no quarto com Amélie esperando as outras retornarem. Amélie não gostava de toda aquela atenção, ela queria poder reclamar com sua tia, mas não podia. Ela era uma hóspede, e sua tia parecia não gostar muito dela. Ela tinha que ser gentil com aquelas mulheres. Todas pareciam ser bem mais velhas do que ela, mas ao mesmo tempo, tão jovens.
— Quantos anos vocês tem? — Amélie perguntou finalmente.
— Eu tenho dezenove anos. — Annelie respondeu prontamente. — Leni tem vinte anos, e Rachel dezoito anos.
— Sempre responde pelas outras? — Amélie arqueou as sobrancelhas.
— Uma mania de amigas. Se isso incomoda vossa alteza, eu paro. — Annelie disse envergonhada.
— Não me incomoda. Apenas achei curioso. — Amélie deu um sorriso. — Acho que não quero mais saber a idade de vocês. Se vamos ficar tanto tempo juntas, esqueçam que sou a arquiduquesa da Áustria. Na frente dos outros podem me chamar com formalidades. Não relutem em me chamar de Amélie. Ou eu ficarei muito chateada.
— Faremos o possível para nos acostumarmos. — Annelie abriu um enorme sorriso. — Nossa, eu pensei que era uma pessoa chata. Vejo que me enganei bastante! Nunca vi ninguém da realeza tratar os empregados tão bem assim.
— O problema dos nobres querida Annelie, é pensar que são melhores do que os outros. Podem até serem melhores nas casas, roupas, educação, joias, dinheiro, mas a essência... Bem, muitos deles não têm. Você conhece uma pessoa a partir do momento que ela trata o outro inferior a ela com grosseria. — Amélie se levantou da cama e voltou a andar pelo quarto. — Por que eu deveria tratar mal vocês? Que motivos eu teria? Por que vocês não são filhas de um nobre? Não tem uma coroa na cabeça? Não falam várias línguas? Isso é realmente o que importa em uma pessoa? E o amor? A alegria? O caráter? Isso não deveria valer também. A humanidade é doente por riqueza e poder.
— Eu deveria dizer que concordo plenamente com suas palavras. — Heinz entrou no quarto. — Perdoe-me se entrei no quarto da senhorita sem avisar, mas eu bati na porta. Creio que estava tão empolgada com seu discurso que não ouviu.
— Bom dia para você também, majestade. — Amélie respondeu ironicamente. — Deve ter sido a empolgação. Agora, não me deixe curiosa. O que faz aqui tão cedo?
— Poderíamos ter privacidade? — olhou para Annelie.
Amélie fez um gesto com a cabeça, e Annelie caminhou em direção à porta, mas antes de sair, fez uma reverência. Amélie riu daquela situação e se sentou na cadeira que ficava perto da lareira.
— Agora me responda o motivo da sua presença. Aposto que muitos desejam os minutos de sua atenção.
— Está certa. — sentou-se na outra cadeira. — Eu gostaria de saber por que mentiu para mim ontem à noite.
— Menti? — ficou com a expressão confusa.
— Disse que estava com dor de cabeça, mas não estava.
— E como você poderia saber isso? — perguntou secamente.
— Sua irmã..
— Eugenie é uma idiota. — esfregou a têmpora com força. — Ela está certa. Eu me sentia bem, porém, eu queria sair do baile. Eu apenas não queria magoar Eugenie dançando com você primeiro. Acho que ela gosta de você. Apesar de que ainda não conversamos sobre isso.
— Poderia ter simplesmente me dito a verdade. Eu não suporto mentiras. Peço a você para não começarmos uma relação baseada em mentiras, e sim, com sinceridade. — juntou as mãos. — Como ela pode gostar de alguém que mal conhece?
— Desculpe-me, eu não sabia que ficaria tão zangado com isso. Prometo não mentir mais. E eu gosto de você. — arrependeu-se assim que falou aquelas palavras. — Não no sentindo romântico, claro.
— Claro. — ajeitou as medalhas do seu uniforme desconfortavelmente e riu com o leve rubor nas faces de Amélie. — Tenho que ir.
— Claro. — levantou-se.
— Obrigado por não mentir mais uma vez. — levantou-se e abriu a porta.
— Não irei mais mentir para você. Fiz uma promessa. Eu cumpro minhas promessas.
— Tenho certeza que sim.
— Heinz.
— Sim?
— Ficou realmente zangado? — encostou-se à porta.
— Talvez. — deu de ombros. — Entretanto, isso foi uma desculpa para eu vir falar com você também. Eu poderia dizer que você é uma pessoa muito cativante.
— Você malmente me conhece Heinz Josef. — o empurrou para fora do quarto. — Até breve. — e fechou a porta na cara dele.
Ela ouviu o sorriso dele atrás da porta, e logo depois os passos dele indo embora. Sentiu-se rebelde, pois duvidava muito que alguém teria coragem de fazer isso com o kaiser da Alemanha. Tirou seu robe, e o jogou na cama. Leni voltou com um vestido rosa e sapatos combinando. Annelie entrou juntamente com Rachel, rindo.
— O seu banho está pronto, Amélie. — Rachel foi até ela e entregou um papel. — Sua mãe mandou entregar esse bilhete.
— E o que tem escrito? — Amélie pegou o bilhete. — Esqueci que é proibido ler bilhetes alheios. Obrigada, Rachel.
"Amélie, vamos tomar chá na sala de música. Sua tia quer ouvir Eugenie tocando violino.
Não se atrase.
Atenciosamente, sua mama."
— Eu já disse que odeio tomar chá com pessoas que só falam futilidades? — Amélie revirou os olhos. — Mama vai encher a Eugenie de qualidades. Tia Susi vai ficar impressionada, e fará de tudo para casá-la com o kaiser. Serei cunhada de um dos homens mais poderosos do mundo. Que promissor.
— Vejo que a ironia é uma característica forte sua. — Leni riu. — Gosto disso.
— Talvez. — Amélie riu.
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Parecia mais um baile real do que um simples chá. A sala de música estava cheia de mulheres da alta sociedade com suas damas. Amélie sentia-se deslocada, mas nada disse. Ficou observando todas ao seu redor, as mesmas futilidades de sempre eram abordadas. Eugenie já havia tocado algumas vezes, e todas ficaram maravilhadas, assim como Amélie. Notou que sua irmã ficou nervosa com uma plateia maior, mas também sabia que era charme. Sua irmã era vaidosa e adorava estar sobre atenção de todos. Acima de tudo, adorava os elogios.
— Mandei chamar Heinz para ouvi-la tocando piano. — a arquiduquesa disse quando estava se servindo de chá. — E quando eu disse que tocaria Mozart, ele se alegrou.
— Piano? — Eugenie perguntou assustada. — Eu não sou muito boa com o piano. É melhor que seja no violino.
— Você é muito modesta, Eugenie. Aposto que toca piano divinamente bem. — disse a duquesa de Bourbon.
Amélie já tinha assistido a umas aulas de piano da irmã, e realmente ela não era muito boa. Sempre confundia uma nota com a outra, o que deixava o professor muitas vezes irritado, por mais que tentasse disfarçar.
O professor Josef sempre dizia que Eugenie não tinha mãos para o piano, mas sua mãe queria que ela aprendesse a qualquer custo. Quando ela ia ter aulas de piano escondido, mas tinha conhecimento do seu pai, Josef lhe fazia muitos elogios e dizia que ela tinha nascido para o piano, o que a deixava muito feliz.
O kaiser adentrou na sala com sua postura diplomática impecável. Amélie quis rir. Nem parecia aquele jovem que tinha invadido seu quarto pela manhã. Olhou ele cumprimentar todas, deixando-a por último com direito a uma piscadela.
Sentou-se ao lado da sua irmã, dizendo alguma coisa em seu ouvido, o que a fez rir e despertar a curiosidade dela.
— Senhoras e senhoritas. — Heinz tossiu falsamente para a mãe. — E senhor. Nossa querida arquiduquesa Eugenie vai tocar mais uma vez para nós, só que no piano. E eu pedi para que tocasse Mozart, pois o meu filho é um grande admirador de suas músicas.
Todos bateram palmas entusiasmadas, exceto ela que só bateu por educação, e para não dizerem que estava com inveja da irmã. Ela não confiava em ninguém quando se tratava de fofoca.
Eugenie levantou-se do sofá e foi para o piano lentamente. Quando sentou, Amélie observou que Heinz a observava com grande atenção. Quando Eugenie deslizou os dedos pelo piano, a suave música começou a preencher o ambiente, e todos estavam maravilhados, até mesmo Amélie. Ela estava tocando divinamente bem, quando ela cometeu um dos seus erros mais constantes, trocou as notas. Heinz foi um dos primeiros a perceber, e cochichou algo com Heidi que confirmou com a cabeça. E como se tivesse percebido que Heinz havia comentando algo com Heidi, Eugenie começou a ficar nervosa e errar cada vez mais.
— Eu não posso continuar. — Eugenie parou de tocar. — Eu não sou o suficientemente boa para tocar.
— Minha querida... — Susi começou a falar.
— Eu vou tocar essa partitura. — Amélie se levantou. — Eu acho essa música maravilhosa.
— Amélie. — sua mãe falou ameaçadoramente. — Você nem sabe tocar piano. Quase não teve aulas.
— A senhora não sabe de nada. — foi em direção ao piano. — Poderia me dar licença?
— Você está querendo nos humilhar na frente de todos? — Eugenie sussurrou.
— Na verdade, vou salvar você. — sussurrou de volta.
Eugenie levantou-se com o humor péssimo, e Amélie sentou-se em frente ao piano com muita felicidade. Olhou a partitura que já conhecia perfeitamente bem, e começou a tocar. Com o passar do tempo seus dedos flutuavam sobre as teclas, e começou a se lembrar das aulas do seu amado professor. Ela achava que deixaria Mozart muito feliz se o mesmo estivesse vivo.
Quando terminou, Heinz e Heidi levantaram-se batendo palmas, e todos da sala repetiram o gesto. Sua mãe, irmã e tia, estavam surpresas, era nítido pelas expressões das três. A expressão de Eugenie que era de surpresa mudou para raiva.
E isso deixou Amélie bastante incomodada.
14 de dezembro, 1850
Querido diário, hoje eu surpreendi a todos ao tocar uma peça de Mozart. Adorei ver a cara da mama, ela nunca esperava que eu fosse tão boa. Eugenie está com raiva de mim, isso é notório. Tadinha, nem sabe disfarçar o que está sentindo. O que me machuca é saber que ela não está feliz por mim, sendo que eu sou schwester dela e já fui privada de muitas coisas. Ela tocou violino divinamente bem, todos gostaram. Pergunto-me o motivo dela não gostar de eu ganhar um pouco de destaque. Ou ela estava com ciúmes de Heinz, que ainda nem é nada dela, e nem sabe se será. Tia Susi veio me dar os parabéns, o que eu achei muito estranho. Mas, milagres acontecem, não é o que dizem?
Heinz me deu tantos elogios, que por um segundo eu quase acreditei nele. Heidi concordava com ele, e conseguia ser mais exagerada e empolgada do que ele; e eu ri muito disso. Mais cedo eu tive uma crise de falta de ar, mas pedi para Anika e minha mãe não dizer nada a ninguém.
O sono está tomando conta de mim, tenho que ir dormir.
Amélie.
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