I
Sempre no final da tarde Amélie ficava deitada em sua espreguiçadeira, o que a deixava levemente entediada e triste. Ela odiava aquela vida monótona, sem prazeres, sem diversão, sem nada. Muitas vezes se perguntava o que adiantava ser filha de um kaiser, se nem mesmo poderia comparecer em muitos eventos por causa das suas crises de falta de ar. Para ela, tudo aquilo era um grande pesadelo do qual não poderia acordar. Ela invejava seus irmãos a cada dia que passava, e era simplesmente horrível ter esse sentimento com os próprios irmãos, mas era inevitável. Sempre se lembrava das vezes que olhava eles correndo, brincando, cavalgando, e ela sempre sentada com uma enfermeira ao seu lado. Odiava os olhares de pena que caia sobre ela; era simplesmente insuportável.
Sua enfermeira, Anika, lia algum livro e não mostrava interesse no que lia, percebeu Amélie. Como uma pessoa podia ler algo que não lhe dava interesse, ou ao menos prazer? Murmurou algumas palavras profanas, e sua enfermeira olhou para ela de soslaio e voltou para o livro em mãos.
— Deseja alguma coisa Amélie? — perguntou Anika deixando o livro em cima da mesinha ao seu lado.
— Pulmões novos.
— Infelizmente não posso lhe oferecer isso.
— Então não quero nada. — virou-se e avistou sua mãe com sua irmã, Eugenie.
Sua mãe aparentava ser tão nova que nem parecia ter cinco filhos. Durante aqueles dezoito anos de sofrimento com sua doença, nunca viu sua mãe abaixar a cabeça para os problemas. Ela era uma kaiserin e tinha que mostrar sua força o tempo todo, apesar das circunstâncias. O povo adorava sua mãe, aclamavam por ela todas as vezes que a viam. Amélie tinha para si que era o sorriso fácil da mãe, ou aqueles olhos azuis roxeados que transmitiam tanta confiança a quem olhasse. Amélie não podia deixar de sorrir ao lembrar-se dela, achava que ela era a melhor mãe do mundo. Eugenie sentou em uma espreguiçadeira ao seu lado, e sua mãe sentou-se logo em seguida.
Eugenie possuía cabelos negros como ébano, ela era muito parecida com seu pai, até mesmo na cor dos olhos, que eram castanhos escuros. Observou que sua irmã mais velha mexia as mãos, e mostrava ansiedade em sua expressão.
— Conte logo a ela mama.
— O que a senhora tem a me dizer?
— Anika. — sua mãe deu um sorriso para a enfermeira. — Poderia nos dar licença.
— Com sua licença vossa majestade imperial. — levantou-se e fez uma reverência. — Vossas altezas. — e saiu com seu livro na mão.
— Então mama, o que tem a me dizer?
— Eu estava conversando com seus médicos.
— E...?
— Tenha calma, minha querida. — sua mãe revirou os olhos.
— A senhora enrola demais. — Eugenie disse.
— Vou fingir que não ouvi esse seu comentário. — a kaiserin fuzilou Eugenie com o olhar. — Como eu estava dizendo, seu médico disse que você não melhoraria enquanto estiver na Áustria. Essas malditas montanhas, esse maldito tempo...
— Pare de falar mal do nosso país, a culpa não é dele de eu ter nascido tão imprestável. — Amélie se remexeu na espreguiçadeira.
— Amélie Kirsten Anke von Battenberg! Jamais volte a dizer algo tão profano e ridículo novamente. — levantou-se. — Como pode dizer uma coisa dessas para sua mãe? Você não acha que isso me machuca? Ver você tão infeliz? Beirando uma depressão.
— Mãe, eu estou bem. Sério. Se eu morrer, bem, minha vida não valeu muito a pena, mas só de ter nascido nessa família...
— Amélie, quando se tornou tão amarga? — Eugenie se deitou na espreguiçadeira ao seu lado.
— Desde momento que percebi que não posso fazer quase nada.
— Amélie. — a kaiserin ajoelhou-se ao seu lado. — Você vai para a Alemanha.
— Eu vou para onde? — levantou-se rapidamente e sentou-se. — Mamãe, como? O que? Que diabo eu vou fazer lá?
— Tenha modos Amélie! Você vai melhorar sua saúde, pelo amor de Deus. Eu quero ver você melhor. O ar da Áustria não faz bem para você.
— Eu não quero deixar Viena! Meu palácio, meus irmãos, nada! Eu não quero deixar nada. — começou a se desesperar. — Mamãe, deixe-me ficar. Bitte, eu nunca lhe pedi nada.
— É o melhor para você. Já me comuniquei com minha irmã, Eugenie vai com você.
— É por isso que está tão ansiosa? — perguntou Amélie.
— É um dos motivos. — Eugenie deu um largo sorriso. — Nossos primos também me interessam.
— Percebo que ela vai mais pelos nossos primos do que por mim. — Amélie riu. — Realmente já passou da idade de casar.
— Amélie! — Eugenie gritou, mas logo deu uma risada. — Você é indiscreta demais!
— Veja bem, eu sei muito bem que serei uma solteirona. Quem vai querer casar com alguém que tem mais crises do que pode rir? — riu mais uma vez.
— Amélie! — agora foi sua mãe com uma expressão horrorizada. — Você está impossível hoje.
— A senhora diz que estou impossível todo dia. Mas na verdade eu nunca estou.
— Nunca está? Eu acho você com um humor ferino demais.
— Bem, eu não posso fazer nada. É meu jeito de ser.
— E a Alemanha?
— Tenho alguma alternativa?
— Morar com sua tia no Brasil.
— Não, muito longe. Prefiro a Alemanha.
— Agora eu tenho que falar com seu pai.
— Papa ainda não sabe?
— Eu fiz tudo sem comunicar a ele. — sua mãe se levantou. — Ele não vai aceitar muito bem.
— Nem eu estou aceitando. — murmurou.
— Mas você compreende...
—... Que é pela sua saúde. — completou as duas em uníssono.
— Quando aprendeu a terminar minhas frases?
— Quando você começou a pronunciá-las com bastante frequência.
— Ora Amélie, está muito inconveniente.
— Eu sempre fui. — Amélie se levantou. — Vou para o meu quarto.
— Quer que eu acompanhe você? — perguntou Eugenie.
— Claro.
— Eu vou procurar seu pai e seus irmãos.
— Eles estão...?
— Caçando. — a mãe revirou os olhos. — Peter não se cansa dessas caças.
— E a senhora não cansa de compras. — Amélie rebatou já se afastando da mãe.
— Amélie!
— Eu estou impossível. Eu sei!
As duas irmãs começaram a rir e deram os braços.
O quarto de Amélie ficava perto da varanda, então logo elas chegaram ao seu quarto. Amélie abriu a porta e sentiu uma vontade enorme em escrever em seu diário. Porém, sua irmã estava ali e não sabia se ela queria ficar com ela. Mas como ela nunca ficava; não se preocupou.
— Amélie eu gostaria de conversar com você amanhã.
— E por que não hoje?
— Tenho que ir para a aula de violino.
— Uma hora dessas?
— Ele só podia agora.
— Entendo.
— Depois do café da manhã. Tenha um bom resto de dia.
— Você também. — abraçou a irmã. — Eu amo você.
— Eu também amo você. — sorriu quando soltou Eugenie.
Eugenie saiu pelo corredor e Amélie entrou em seu quarto. Tirou o xale azul do seu ombro e o jogou em cima da sua cama. Acendeu uma vela e colocou em cima da sua mesa, pegou seu diário que estava na gaveta da sua cômoda e abriu. Logo em seguida pegou um tinteiro e uma caneta.
05 de dezembro, 1850
Querido diário, muitas coisas estão prestes a mudar em minha vida. Eu não sei se vai ser coisas boas ou ruins. Não lembro bem como é a Alemanha, faz muito tempo que não vou lá. A ideia de estar longe de casa me deixa... Como eu posso dizer? Temerosa? Essa seria a palavra certa? Eu sei que tia Susi não é tão ruim, mas também não é um anjo. Eu acho que ninguém me entende aqui, e também acho que ninguém vai me entender lá. Bom, eu tenho muitos primos lá, eu espero que eles sejam gentis, e Eugenie também estará lá. Algo me diz que Heinz Joseph Hohenlohe-Langenburg vem sempre na mente dela antes de mim; e eu não posso culpá-la, ela é louca para se casar, principalmente se ele for um kaiser ou tiver títulos. Se algum dia, por algum milagre divino, eu me casar, quero que seja por amor e não por conveniência e por uma coroa. Afinal, eu já possuo uma coroa. Em poucos minutos Anika chegará aqui e me dará o remédio mais horrível de todo o mundo. Eu simplesmente odeio esse remédio. Como odeio várias coisas. Odeio reclamar demais, mas eu simplesmente não consigo me conter.
Vou acabar por hoje, estou cansada. E o impressionante é que eu não fiz nada, mas sempre estou cansada. Malditos pulmões doentes.
Amélie.
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