Capítulo único
Quantidade de palavras 4985
No vasto recinto, que mais se assemelhava a uma arena antiga, todos os olhares convergiam para ela. As robustas colunas de mármore escuro erguiam-se majestosamente nas laterais, sustentando uma abóbada intricada de pedras rosadas, cuja suave coloração contrastava com a severidade do ambiente. O chão, um mosaico meticulosamente elaborados com pedras coloridas, prestava homenagem aos grandes feiticeiros e feiticeiras que teceram a história mágica daquele mundo.
Próximo aos seus pés, a figura imponente da Bruxa de Endor emergia do chão, suas feições esculpidas com uma precisão quase real. Era lembrada como a vidente que desafiara os deuses, sua importância radicava na fundação das artes divinatórias naquelas terras.
Abe no Seimei, o onipresente conjurador do Oriente, estava retratado com seus trajes tradicionais, a calma em seu semblante contrastando com a complexidade de sua magia. Ele, que harmonizara os espíritos da natureza com os homens, era o pilar do equilíbrio entre o visível e o invisível.
Morgan Le Fay, a feiticeira que tecera intrigas em torno do trono de Camelot, estava representada com um olhar astuto e enigmático. Sua habilidade em manipular as relações entre os seres mágicos e mortais estabeleceu novos paradigmas para a magia política.
Circe, a encantadora de homens e bestas, Medea, a feiticeira vingativa, e Hecate, a deusa das encruzilhadas, eram representadas em poses que capturavam sua essência e influência na expansão dos domínios mágicos.
Baba Yaga, a temida feiticeira eslava, parecia quase viva com seu olhar penetrante esculpido na pedra, a guardiã dos segredos da floresta e da magia antiga que ainda assombrava as mentes dos habitantes daquele mundo.
Por fim, o semblante sereno de Merlin emergia, seu legado era um farol para todos os praticantes da arte mágica. A pressão sobre ela era imensurável, sendo ela uma descendente direta do legendário feiticeiro. Era o dia da avaliação, um rito de passagem que todo jovem bruxo ou bruxa precisava enfrentar para dar início à sua jornada mágica. Luna sabia que não havia margem para falhas.
Seus olhos percorriam a multidão que circundava a arena, espreitando por entre as sombras lançadas pelas colunas majestosas. Entre a multidão, ela identificou a silhueta familiar de seus pais. Eles se destacavam não apenas pelas vestes elegantes e coloridas que trajavam, mas pela aura mágica e poderosa que emanava deles, como um lume suave que dançava ao redor.
Seu pai, Magnus, era um mago de renome, conhecido por sua habilidade de manipular luz. Vestia uma túnica de seda de um azul profundo com bordados prateados que brilhavam à luz do dia. Sua mãe, Lilith, uma feiticeira exímia, possuía a domínio do fogo, capaz até de assumir a forma de um dragão imponente. Trajava um longo vestido vermelho com detalhes dourados que pareciam chamas bordadas.
Ao lado deles, seu irmão Alberto ostentava uma armadura reluzente, que refletia o sol de forma quase cegante. A armadura, apesar de robusta, era elegantemente desenhada, com gravuras que contavam histórias de batalhas mágicas. Alberto era um bruxo guerreiro, respeitado por nações inteiras, sua fama vinha de sua habilidade em evitar e resolver conflitos com sua magia e força.
Distante deles, em um canto mais afastado, estava sua irmã Catharina. Com longos cabelos roxos e óculos de meia lua repousados delicadamente sobre o nariz, Catharina era o epítome da erudição mágica. Vestia uma túnica longa de um lilás suave, com detalhes intricados em prata e ouro. Era reconhecida por seu trabalho com textos, tomos e pergaminhos antigos, sua habilidade em romper selos e maldições permitiu que um tesouro de conhecimento mágico fosse acessado pelos habitantes daquele mundo.
Luna sentia uma mistura de orgulho e apreensão. Como poderia corresponder às expectativas geradas por uma linhagem tão ilustre? Ela, que carregava um segredo grande e pulsante dentro de si...
"Senhorita Luna, está pronta?" a voz respeitável de um ancião, membro do conselho avaliador, ecoou pelo salão monumental. Ele pigarreou inquieto, pois Luna parecia perdida em seus pensamentos e não respondeu imediatamente.
"S-sim... Eu... Eu estou pronta..." Luna conseguiu murmurar, embora sua voz tremesse com a insegurança clara que a assolava.
"Então, por favor, apresente seu poder ao público, Luna, descendente do grande Merlin!" o ancião declarou, sua voz amplificada por magia, reverberando majestosamente através do imenso salão.
Luna não sabia se era a magia na voz do ancião, o peso de sua herança mencionada ou talvez a indigestão do seu café da manhã regado a leite que agora tumultuava seu estômago, tudo isso parecia a tornar ainda mais nervosa. Ela estava perdida em uma tempestade de emoções. A apresentação do seu poder foi...
Subitamente, a realidade a sacudiu com o solavanco da carruagem elétrica, cujo motor pipocava ritmicamente, cortando seus pensamentos. A carruagem estava repleta de almas cansadas, retornando aos seus lares após um dia exaustivo de labuta. Luna escondeu seu rosto sob o capuz do moletom que usava, desejando a invisibilidade entre a multidão, mesmo que todos parecessem demasiado esgotados para notá-la. A carruagem deslizava suavemente ao lado das ruínas do que fora a grandiosa arena, palco do seu espetáculo de poder dias atrás...
"Olha só que desastre..." alguém murmurou com um suspiro pesado.
"Sim, dizem que foi um IMI que fez isso. Pode acreditar?" outro trabalhador bruxo falou, seus olhos fixos na melancolia das estruturas ancestrais agora despedaçadas.
"IMI?" uma criança questionou inocentemente sua mãe.
"Indivíduo Magicamente Instável, querido. São pessoas que causam desastres como esse quando tentam usar magia," a mãe explicou suavemente, apontando para o amontoado de destroços.
Luna era a única que desviava o olhar da triste visão, o remorso fervendo em suas veias pelo caos que sua demonstração causara. A culpa era uma sombra fria que a envolvia, um lembrete constante da explosão catastrófica que agora jazia em silêncio, mas cuja memória ressoava estrondosamente em seu coração.
"Cemitério Crepusculi Mystici!" ecoou a voz profunda do condutor, enquanto a carruagem elétrica freava com um suave chiar de rodas diante do enigmático cemitério. Luna, a única passageira a desembarcar naquele ponto isolado, rapidamente recolheu sua mochila e desceu do veículo. Era compreensível que ela estivesse sozinha; afinal, o local só recebia visitantes durante festividades em honra aos mortos, ou por aqueles em busca das tumbas de bruxos e bruxas ancestrais.
Tomando um fôlego profundo, Luna ergueu os olhos para o cenário majestoso e ligeiramente perturbador à sua frente: imensos muros de mármore negro, praticamente engolidos por heras sinuosas e ornamentados com esculturas grotescas de caveiras e gárgulas. Essas últimas pareciam ter vida própria, como se movessem sutilmente quando não estavam sendo observadas.
"Vai ficar tudo bem", murmurou Luna para si mesma, abraçando sua mochila como se fosse um talismã. Dentro dela, repousava um grimório que inspirara sua jornada. Luna era uma IMI — uma incontrolável manifestação mágica. Depois que um desastre tornou público seu estado, ficou claro que sua futura carreira na magia estava em perigo, uma vez que IMIs são proibidos de exercer magia para a segurança de todos.
A reação de sua família foi uma mistura de decepção e culpa. Seus pais, sempre ausentes e concentrados em suas próprias vidas, se recriminaram mutuamente por não terem percebido os sinais. Seu irmão foi mais compreensivo, sugerindo que existiam outras carreiras além da magia. Mas sua irmã foi categórica ao afirmar que Luna era uma espécie de anomalia na família, já que nunca houve um descendente de Merlin com IMI.
Em meio a esse turbilhão de emoções, Luna buscou refúgio nos livros. Não tinha a habilidade de sua irmã Catharina para quebrar maldições ou traduzir línguas antigas, mas adorava ler. E foi assim que, no recanto mais afastado da vasta biblioteca da família, ela encontrou o grimório. As palavras gravadas nas páginas amareladas pelo tempo lhe deram uma centelha de esperança.
"O poder de um bruxo pode ser estabilizado e até ampliado pela presença de um familiar — uma criatura mágica profundamente ligada ao usuário de magia. Por eras, essa conexão permitiu que muitos bruxos e bruxas transcenderam as limitações de seus poderes para se tornarem grandes mestres de suas épocas."
Nos dias atuais, as criaturas conhecidas como "familiares" eram majoritariamente vistas como meros animais de companhia, não como os poderosos parceiros mágicos que um dia foram descritos em textos antigos. Se Luna desejasse um familiar para algo mais do que simples companheirismo — especificamente para estabilizar sua volátil magia interna — ela teria que buscar além dos típicos gatos pretos, corujas ou sapos. Precisaria encontrar uma criatura cujo poder mágico fosse suficiente para contrabalancear o caos mágico que ela própria emanava. Era essa busca que a levava ao enigmático cemitério.
"Fantasmas não são familiares comuns, em grande parte porque a maioria dos bruxos perde seus poderes após a morte e não retorna como espíritos errantes. No entanto, se um mago, bruxo ou feiticeiro tiver sido excepcionalmente poderoso em vida e retornar como um fantasma, ele pode manter uma parcela significativa de seus antigos poderes, tornando-se assim um companheiro ideal para qualquer usuário de magia." Essas palavras, extraídas do antigo grimório, ressoavam na mente de Luna. Ela sabia que o cemitério à sua frente era o mais antigo da região e um notório local de avistamentos de fantasmas de magos e bruxas renomados.
"Se eu conseguir encontrar apenas um fantasma disposto a assinar um contrato de familiar, poderei finalmente me livrar do meu indesejado status de IMI", murmurou Luna para si mesma, instilando em seu coração a coragem necessária. Inspirada, ela deu o primeiro passo decidido em direção ao cemitério, embarcando na aventura de encontrar seu tão almejado familiar espectral.
~**~
Imponentes mausoléus que se assemelhavam a santuários dedicados a deuses esquecidos se erguiam majestosamente pelo terreno labiríntico do Cemitério Crepusculi Mystici. Entre eles, túmulos mais modestos ficavam quase invisíveis, ocultados por árvores de salgueiro com folhas tão escuras que pareciam absorver a luz do ambiente. Esculturas de anjos com lágrimas eternas, caveiras sinistras e gárgulas ameaçadoras completavam a paisagem. Uma névoa perene envolvia todo o local, tão densa que forçava o uso de postes equipados com velas encantadas, cujas chamas emitiam uma luminosidade esverdeada inquietante, mesmo sob o céu diurno.
Luna avançava com cautela pelas trilhas estreitas de paralelepípedos que serpenteavam entre os túmulos. Seu corpo estremecia, tanto pela ansiedade quanto pela atmosfera arrepiante que a cercava. Ainda não tinha visto nenhum fantasma, mas cada sombra e movimento repentino no canto de seu olho a faziam questionar se seu coração suportaria um susto tão grande.
"Concentre-se, Luna. Você é capaz," ela sussurrava para si mesma, sua voz trêmula tentando se sobrepor à palpitação acelerada de seu coração. Com mãos igualmente trêmulas, ela alcançou o bolso de seu moletom roxo e retirou um pedaço de papel meticulosamente dobrado. Nele, estavam listados os nomes de magos e bruxas notórios enterrados ali, cada um seria uma potencial alma forte o suficiente para ser seu familiar.
"Mas, e se eu encontrar um? Como vou convencê-lo a se tornar meu familiar? Não é algo que eu possa forçar, pelo que entendi," murmurou ela, liberando um suspiro profundo e cansado. Sacudindo a cabeça, ela tentou afastar seus medos e incertezas. Por ora, sua missão era encontrar esses elusivos fantasmas; o resto, ela resolveria quando chegasse o momento certo.
Foi nesse momento que Luna percebeu uma silhueta ao longe, iluminada por um brilho etéreo. Ela ficou paralisada, uma mistura de medo e fascínio a percorrendo, antes de se refugiar atrás de uma imponente escultura de um anjo de asas quebradas, envolto em trepadeiras escuras.
"O que estou fazendo?" ela murmurou para si mesma, sua voz tingida de incredulidade. "Eu vim aqui para encontrar fantasmas, não para me esconder deles."
No entanto, à medida que a figura se aproximava, Luna percebeu que não se tratava de um espírito desencarnado, mas de um mago. E ele não estava sozinho; uma comitiva de magos o seguia, todos envoltos em mantos enigmáticos, bordados com símbolos arcanos que pulsavam levemente com energia mística. Uma sensação de desconfiança imediata surgiu no íntimo de Luna. Não era comum encontrar magos errantes em um cemitério, muito menos um grupo com aparência tão intimidadora. Estariam eles em uma missão similar à sua?
Observando-os de seu esconderijo, Luna viu o grupo se dirigir a uma parte mais densamente arborizada do cemitério, um lugar onde as estátuas pareciam ainda mais grotescas e os túmulos mais raros. Uma parte de Luna gritava para que ela mantivesse distância, mas a curiosidade a impulsionou, como uma chama irresistível.
Assim, apesar de um sentimento de inquietação profunda e do risco palpável de se meter em uma situação complicada, Luna decidiu seguir o grupo de magos encapuzados. Movendo-se com a delicadeza, ela avançou silenciosamente, cautelosa para não revelar sua presença, enquanto se embrenhava ainda mais nos mistérios do Cemitério.
~**~
O grupo de magos encapuzados adentrou um túnel natural formado por árvores de troncos retorcidos e folhas descoloridas, que culminava em uma clareira. O lugar estava escassamente iluminado por postes com lanternas de vidro fosco, tornando necessária a intervenção mágica para iluminar adequadamente o ambiente. Esferas de luz flutuavam ao redor dos magos, lançando sombras dançantes nas faces esculpidas em pedra que circundavam o que parecia ser um altar de mármore.
Luna observava a cena de seu esconderijo atrás de uma espessa moita, indecisa se o que estava diante de seus olhos era um túmulo singular ou uma área destinada a rituais secretos.
O líder do grupo, destacando-se pela luminosidade que emanava de suas vestes, retirou o capuz, revelando um rosto enrugado, enquadrado por uma longa barba grisalha e coroado por uma careca reluzente.
"Contemplem, meus seguidores, o túmulo de Orion Arcanum!" exclamou o mago mais velho, seus gestos majestosos enfatizando cada palavra enquanto apontava para o altar de mármore incrustado com fragmentos que cintilavam como estrelas prateadas. "Ele foi um dos magos mais ilustres que este mundo já conheceu. Ah, se tivesse tido tempo, seu nome estaria eternizado ao lado das grandes lendas mágicas de nossa história."
Luna franziu o cenho, rapidamente consultando a lista que havia preparado. O nome 'Orion Arcanum' não estava ali, e ela não se lembrava de tal figura em seus estudos de magia. Intrigada e desconfiada, ela voltou sua atenção ao mago líder, que continuava a falar com um fervor quase religioso.
"Ele foi tirado de nós em sua juventude, mas era um visionário. Foi um dos raros magos a se aventurar na proibida arte da necromancia!" Ele fez uma pausa dramática, e os magos que o cercavam trocaram exclamações surdas de "ohhh", como se estivessem diante de uma revelação divina.
"Mas ele pagou um alto preço por suas investigações na magia que flerta com os limites entre a vida e a morte. Vejam, meus aprendizes, onde Orion Arcanum foi sepultado! Em um recesso oculto deste cemitério, distante dos olhares inquisitivos, como se sua existência fosse uma mancha vergonhosa! Mas não mais... Viemos aqui para exaltá-lo! Viemos aqui para invocá-lo!" exclamou o mago líder, com um fervor quase religioso. O público ergueu as mãos ao alto, repetindo o nome de Orion em uníssono, como um mantra místico.
Luna sentiu um calafrio ao perceber a energia que emanava daquele estranho grupo. Sabia que a necromancia era um ramo pouco popular e até mesmo estigmatizado da magia, o que explicava o apagamento de Orion dos registros históricos. Mas algo naquela cerimônia lhe soava perigosamente errado. O que eles realmente pretendiam?
"Será que eu deveria chamar meu irmão Alberto?" Luna ponderou em um sussurro, ciente de que ele saberia como lidar com a situação e talvez evitar uma catástrofe. O que ela poderia fazer? Ela não podia usar magia. Ela só podia assistir aquilo, sem poder interferir.
"Ei, o que esses sujeitos pensam que estão fazendo? Será que ninguém pode sossegar depois de morto? Já ouviram falar em 'descanse em paz'? Grande farsa, hein?" uma voz soou ao lado dela. Luna virou-se lentamente para encontrar um jovem de cabelos negros salpicados de mechas prateadas. Sua pele era morena e seus olhos eram azuis e cintilantes. Vestia um sobretudo marrom, uma camisa branca desabotoada e calças escuras. Mas o detalhe mais surpreendente era sua aparência translúcida e o modo como ele flutuava ao lado dela: um claro indicativo de que ele era, de fato, um fantasma.
"O que você acha? Devo colocar uma placa dizendo 'Não perturbe' ou 'Sai para almoço'? Você acha que eles entenderiam o recado para me deixarem em paz?" O fantasma cruzou os braços, claramente exasperado.
"V-você é... O-Orion?" Luna gaguejou, sua voz tingida de alarme.
"Dã," ele respondeu, com um ar de impaciência.
"Eles conseguiram te invocar?" Luna perguntou, desviando o olhar dos magos que ainda entoavam o nome de Orion em um mantra fervoroso.
"Eles? Pfff..." O fantasma revirou os olhos, visivelmente desgostoso. "Eu já estava aqui muito antes de essa turma de idiotas aparecer. Já é a terceira vez só neste mês. Deve ser alguma coisa relacionada ao solstício de inverno. Esses caras pensam que precisam de ocasiões especiais para invocar os mortos. Claramente, nunca leram sequer uma linha dos meus trabalhos. A necromancia é uma ciência, não um... quê? Um culto? Um rebanho de seguidores fanáticos? É vergonhoso!"
Luna estava sem palavras, ainda processando o sarcasmo ácido do fantasma, quando o mago líder retomou sua fala.
"Orion, nós iremos honrar o seu legado! Vou despertá-lo do seu sono eterno e..." Ele desenrolou de dentro de seu robe um pergaminho que Luna imediatamente reconheceu. Era um contrato de familiar, semelhante ao que ela carregava em sua própria bolsa. "...irei vinculá-lo a mim! Juntos, seremos poderosos e dominaremos o mundo!" O mago então soltou uma risada sibilante e sinistra, digna de um vilão de romance.
"Aí está. Todos vêm aqui só para isso..." Orion murmurou, resignado. "Para me escravizar! Que tédio!"
Luna sentiu o rosto corar. A franqueza desconcertante do fantasma a fez perceber a incongruência de suas próprias intenções. Embora ela não tivesse vindo especificamente para invocar Orion, seu objetivo não era tão diferente do grupo de magos. Ela nunca havia considerado que um espírito pudesse enxergar a ligação como uma forma de escravidão, e agora se sentia culpada.
"'Oh! Orion! Venha a mim!'" O mago líder entoou, mais cantando do que falando, enquanto erguia os braços para o céu enevoado que pairava sobre o cemitério.
"Basta! Você não é nem um pouco o meu tipo," exclamou Orion, saindo do esconderijo onde Luna estava oculta e puxando-a consigo para a luz. "Esta jovem aqui, por outro lado, é muito mais interessante. Vocês, ocultistas, deveriam ter pensado nisso antes de virem aqui com suas ofertas de contrato. Uma bela ocultista teria sido um incentivo muito melhor do que todo esse cântico macabro. Você realmente acha que vou me vincular a um mago medíocre que claramente quer usar meu poder para se autopromover? Se você não consegue fazer isso sozinho e precisa de um familiar, obviamente é incompetente!"
Luna sentiu os dedos gelados do espírito do mago tocarem sua pele, mesmo através da manga do seu moletom. Era como se o frio mortal ignorasse completamente as barreiras de tecido.
"Quem é ela? Uma rival? Planeja roubar Orion para si?" perguntou o mago líder, apontando para Luna com uma expressão irritada.
"Seu idiota! Por que me arrastou para isso?" Luna exclamou, tentando se soltar do aperto gelado de Orion.
"Bem, se você estava aqui, espiando, é porque claramente tinha algum interesse em se envolver nessa história," respondeu Orion, sorrindo de forma travessa.
"'Orion, glorioso necromante... Assine o seu nome neste contrato!'" O mago líder insistia, aproximando-se cautelosamente do fantasma, como se ele fosse uma criatura a ser temida. "Prometo que, assim, você será libertado da prisão que é este cemitério!"
"Você está preso aqui?" Luna perguntou a Orion, surpresa com a nova informação.
"Sim, estou confinado a este lugar," confirmou Orion. Com sua mão livre, a que não segurava Luna, ele passou os dedos pelos cabelos negros em um gesto que denotava cansaço — embora fosse questionável se fantasmas podiam de fato sentir-se cansados. "Foi toda uma precaução para me conter. Afinal, eu era um mago necromante; era óbvio que eu retornaria do mundo dos mortos de alguma forma, seja como zumbi, Lich ou, neste caso, fantasma." Ao dizer isso, seu tom exalava uma certa vaidade, quase como se ele estivesse se gabando de sua forma espectral. Ele era jovem e atraente, um tipo que, quando vivo, sem dúvida atraía muita atenção.
"Ao assinar esse contrato, você estará livre!" reiterou o mago ancião, cujos asseclas já começavam a cercar Luna e Orion.
"Livre? Minha liberdade estará atrelada ao contrato," Orion retrucou, apontando para o pergaminho enrolado nas mãos do mago. "Imagino que você tenha incluído algumas cláusulas aí para me tornar submisso e, em resumo, seu servo, não é mesmo?"
"Orion, todo familiar é um servo. Você já está morto; não deveria ter outras perspectivas além de servir como um familiar," falou o mago, com um tom de condescendência que Luna imediatamente desaprovou. Era o mesmo tom que ela havia ouvido quando implorou por uma segunda chance após o incidente com a explosão.
"Luna, você é uma IMI, seu futuro não está associado a magia" foi essa as palavras proferidas pelo avaliador que perfuraram o seu coração e destruíram o seu sonho.
"Bem, isso você não sabe!" interrompeu Luna, para a surpresa tanto de Orion quanto do mago. "Ele pode muito bem querer apenas ser um fantasma e aproveitar sua existência etérea. Ele não é obrigado a ser um familiar se não quiser. E definitivamente não deveria ser perseguido por pessoas como você o tempo todo!"
"Menina... O que você sabe? E por que você está aqui? Obviamente você busca algo..." O mago líder indagou, avançando em direção a Luna com uma expressão astuta. Ele tentou enfiar sua mão na bolsa dela de forma abrupta, mas Luna reagiu com um chute instintivo. A ação enviou uma onda de indignação elétrica através dos seguidores do mago, que murmuraram entre si.
"Vocês realmente são de uma falta de educação extrema. Furtando objetos de jovens aparentemente indefesas," comentou Orion, claramente desaprovando a atitude do mago. Luna, ainda agitada, tentou chutá-lo também, mas seu pé atravessou a perna espectral de Orion, quase a fazendo perder o equilíbrio e cair para trás. Foi paradoxal, já que o fantasma ainda a segurava pelo braço. A única explicação lógica era que Orion devia ter alguma capacidade de controlar a tangibilidade de seu corpo.
"Que droga..." Luna resmungou, irritada e ainda mais contrariada ao perceber o sorriso contido no rosto de Orion.
"Veja, ó grande e glorioso necromante, ela também possui um contrato de familiar. Ela também busca controlá-lo!" anunciou o mago líder, sua voz tingida de triunfo. Ele segurava um pergaminho, roubado da bolsa da garota.
"'Eu não vim aqui por ele!'" Luna retrucou rapidamente, defendendo-se. "Existem outros magos, bruxas e feiticeiros neste cemitério que eu poderia tentar convencer a se tornar meu familiar. Até fiz uma lista!'" Ela então exibiu um pedaço de papel com alguns nomes escritos.
Orion, fazendo uma expressão teatralmente ferida, arrebatou a lista das mãos de Luna. "Isso dói, sabe? Tenho certeza de que eu seria uma opção muito melhor do que... Quem é essa? A bruxa vidente Mãe Diná? Eu sou muito mais interessante do que ela! E essa aqui, Cuca... Ela é uma bruxa em forma de jacaré! Você gostaria de ter algo assim como seu familiar? Que gosto peculiar..."
"Espera um pouco, acho que a decisão deveria ser minha, não é mesmo?" Luna falou, sua voz vibrando com indignação crescente e um toque de embaraço por ter suas intenções tão publicamente expostas.
"Obviamente, ela não possui a sabedoria ou a maturidade necessárias para requisitar Orion, ou qualquer um desses outros fantasmas em sua lista!" o mago líder zombou, seu riso ecoando com arrogância e fazendo Luna corar até as orelhas. "Você realmente acredita que pode simplesmente se aproximar desses seres gloriosos e famosos e pedir que assinem um contrato? Quem você pensa que é?"
Luna mordeu seu lábio inferior, sua mente um redemoinho de dúvidas e incertezas. Ela estava consciente de suas limitações, mas será que estava condenada ao fracasso desde o início?
"Espera um momento!" interrompeu um dos discípulos do mago ancião. "Eu reconheço essa garota. Ela é uma descendente do grande Merlin! Ela revelou seus poderes há alguns dias!"
Luna sentiu um nó se formar em seu estômago, amaldiçoando-se internamente por não ter se disfarçado melhor. Em meio ao caos, ela se esquecera de ocultar seu rosto com o capuz. Seus cabelos castanhos ondulados, com mechas de um tom lilás discreto, e seus intensos olhos verdes, uma característica marcante em sua linhagem, estavam completamente expostos.
"Ah, uma Merlin, aqui?" Orion a examinou com um olhar renovado, seu interesse claramente aguçado.
"Não se impressione tanto, nobre necromante," o mago líder advertiu, seu tom carregado de escárnio. "Se ela é de fato a referida descendente de Merlin, não é algo digno de celebração. Afinal, ela foi responsável por causar uma grande explosão. Ela é um 'Indivíduo Magicamente...'."
"Meu nome é Luna!" a jovem interrompeu, a indignação borbulhando em sua voz. "E o que importa se vocês me rotulam como IMI? Eu ainda sou capaz de praticar magia!"
"Presumo que só com um familiar," o mago ancião retrucou, um sorriso mordaz esticando seus lábios finos. "Quanto desespero... E quanta infantilidade. Quem iria querer se aliar a uma IMI?"
Cada palavra dele parecia ser uma farpa que perfurava a confiança já frágil de Luna, mas ela manteve o olhar firme, determinada a não se deixar abater por sua crueldade.
"Isso sim é fascinante!" Orion exclamou, puxando Luna mais para perto de si. Seus olhos azuis, quase luminosos na penumbra, encontraram os olhos verdes da jovem com uma expressão de genuína admiração. Embora não pudesse sentir calor vindo do espectral corpo de Orion, Luna percebeu seu coração acelerar, seus sentidos inesperadamente aguçados devido à proximidade.
"Orion! Você não deve realmente querer essa menina, que mal pode ser chamada de bruxa, como sua parceira! Eu, por outro lado, sou um mago renomado. A necromancia é uma das minhas especialidades. Ao meu lado, você..." o mago líder começou, sua voz tingida de um nervosismo que denunciava seu desconforto por estar sendo ignorado.
"Ao seu lado, eu provavelmente morreria de tédio. Ou deveria dizer, morreria de novo," retrucou Orion, desviando sua atenção para o mago que o incomodava.
"Agora, ela... Bem, ela parece ser uma companhia muito mais intrigante, talvez até algo mais," continuou Orion, seu olhar se desviando brevemente para uma Luna visivelmente corada.
"E-eu não sou algum tipo de passatempo para você! E quem disse que eu te quero como parceiro? Ou como familiar? Ou... qualquer coisa!" Luna gaguejou, tentando inutilmente controlar o turbilhão de emoções e a sensação de borboletas em seu estômago.
"Isso não vai acontecer!" rosnou o mago líder, tirando da manga de sua longa túnica um punhal de prata que parecia emanar uma bruma mágica. "Orion pertence a mim!"
Para Luna, tudo parecia se desenrolar em câmera lenta. Ela viu o mago e seus discípulos avançando em sua direção. Orion, ao seu lado, fez um gesto amplo com sua mão livre — a outra ainda segurava Luna — e alguns dos ocultistas foram lançados a vários metros de distância. Era um claro indício de que, mesmo sendo um fantasma, Orion ainda detinha poderes mágicos. No entanto, o ataque do mago líder, armado com sua arma amaldiçoada, estava perigosamente próximo.
Foi então que Luna sentiu seu poder despertar. Tal como ocorrera há alguns dias, esse despertar se manifestou em forma de uma explosão colossal. O estrondo arrasou a área, desarraigando árvores, destruindo túmulos e estátuas e deixando uma profunda cratera no lugar onde estiveram. Até a neblina, que parecia ser uma constante na atmosfera do cemitério, foi momentaneamente dispersa, permitindo que raios de sol iluminassem o cenário caótico.
Luna tossiu, levantando uma nuvem de poeira ao seu redor, e então percebeu que ainda estava de mãos dadas com Orion. Não simplesmente segurando, mas seus dedos estavam entrelaçados como se estivessem conectados de alguma forma especial.
"Isso foi incrível! Você acha que consegue fazer de novo?" Orion perguntou, sua voz soando mais como a de uma criança maravilhada do que como a de um poderoso espírito necromante.
"Acho que não seria prudente repetir essa performance," Luna respondeu, examinando o cenário ao seu redor. Ela viu que os magos, embora cobertos por destroços ou lançados para as bordas da cratera, ainda estavam vivos. Um suspiro de alívio escapou de seus lábios.
Subitamente, algo começou a flutuar pelo ar, movendo-se em direção a eles. Era o pergaminho dela, o contrato para vincular-se a um familiar. Com um simples gesto da mão, Orion fez o documento pousar delicadamente em sua palma aberta.
"Bem, acho que devo assinar isto aqui," disse Orion, e Luna olhou para ele, seus olhos verdes arregalados em incredulidade.
"Assinar? O quê? Eu não vim aqui para...," ela começou a objetar.
"Você veio buscar um familiar para estabilizar esse seu poder formidável, não foi? E precisa de um familiar poderoso. Acho que me encaixo bem nessa descrição. Além disso, que poder você tem! Merlin ficaria orgulhoso," interrompeu Orion, um sorriso suave iluminando seu rosto etéreo.
"Merlin teria vergonha, isso sim... Ninguém na minha família jamais precisou de um familiar. Nenhum deles era um IMI," Luna murmurou, baixando os olhos para o chão.
"Ah, mas quem pode dizer se Merlin não era um IMI, só que com outro nome? Eram tempos diferentes; pessoas com grande poder eram apenas consideradas excepções. Eu me lembro de quando Merlin buscou seu próprio familiar, um dragão grande e rabugento," retrucou Orion, capturando a atenção de Luna mais uma vez.
"Você conheceu Merlin?" Luna indagou, surpresa tingindo suas palavras. A ideia de que seu antepassado pudesse ter sido um IMI como ela — algo que nem mesmo sua irmã Catharina sabia — a deixava boquiaberta.
"Posso contar mais depois que assinar este contrato, o que me diz?" Orion estalou os dedos, materializando no ar uma pena cuja ponta estava mergulhada em tinta vermelha.
"Você realmente quer ser meu familiar? Meu parceiro?" Luna questionou, quase como se temesse que aquilo fosse um sonho fugaz.
"Eu adoraria. Algo me diz que ficar ao seu lado será uma aventura e tanto," Orion respondeu, e no rosto de Luna brotou um sorriso radiante.
Com um aceno de cabeça, Luna deu seu consentimento. A pena deslizou pelo pergaminho, e o contrato foi solenemente assinado. No instante em que a tinta tocou o papel, ambos sentiram que algo mais estava selado ali — não apenas uma parceria mágica, mas talvez também um sentimento mais profundo, ainda indefinido. Embora ainda não conseguissem distinguir o que era, eles sabiam que teriam todo o tempo do mundo para descobrir.
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