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Se reuniram em silêncio em frente ao túmulo de Helena, na parte de trás da casa árvore.
Bruxo da Árvore havia enterrado-a debaixo de um olmo enorme, seus galhos lançando sombra sobre a lápide de pedra. Macacos, de todos os tipos, cercavam-nos enquanto olhavam tristemente para o túmulo, e Yanka nunca os viu tão silenciosos. De fato, Helena havia sido especial na vida deles.
Eros se inclinou e limpou carinhosamente a lápide envelhecida, revelando as frases de um poema.
"Do desconhecido nós viemos
Para o desconhecido iremos voltar
De todas as coisas desconhecidas no mundo
Helena da Grécia
Foi a que tive a maior honra de conhecer
Bruxo da Árvore"
Eros depositou flores ao pé do túmulo. Ele parecia abatido, os ombros encurvados enquanto encarava o que um dia fora sua mãe. A impressão que Yanka tinha era de que ele havia envelhecido anos em pouquíssimo tempo.
Ela teve que conter as lágrimas. Saber que a mãe dele estava morta partia seu coração, mas ver Eros ir do paraíso ao inferno em menos de um dia a deixava completamente arrasada.
O amor que compartilharam na caverna era um passado distante agora, a paixão aferrecida pela dor.
Bruxo da Árvore entregou a ele um cinzel e um pequeno martelo e apontou para um lugar vazio ao lado de seu poema.
- Deixei esse lugar, caso o filho de Helena aparecesse um dia. Se quiser gravar algo...
- Eu quero – Eros pegou as ferramentas, as mãos surpreendentemente firmes. Em seu olhar, Yanka captou a chama de uma determinação forte no lugar da apatia oca que tinha antes. Se era pra bem ou pra mal, ela não saberia dizer.
- Vamos deixá-lo sozinho.
Bruxo da Árvore arrastou Yanka e Kaiko para longe de Eros, mesmo debaixo de uma chuva de protestos silenciosos.
- Não sei quem é mais apaixonado por ele – Bruxo da Árvore resmungou.
- Acha que ele vai desistir da profecia? - Kaiko perguntou, remexendo na peça que ele estava ajudando o velho homem a fazer, depois de atormentá-lo infinitamente.
- Não sei – Yanka suspirou, sentando-se pesadamente em uma cadeira. Ela se sentia exausta – Mas qualquer coisa que ele decidir, ele terá meu apoio.
Kaiko mexeu na peça, absorto em pensamentos. Bruxo da Árvore colocou na frente deles uma refeição que fizeram em um silêncio triste.
Yanka não sabia o que pensar. Ela precisava continuar aquela jornada, isso era fato, mas continuar sem Eros parecia... loucura. Impossível. Ela se acostumara com a presença forte dele, da sua calma em organizar seus homens, suas provocações e sua impetuosidade. Cada momento do seu dia, sendo bom ou ruim era tomado por ele.
Pelo seu povo ela precisava continuar, mas Eros tinha a opção de simplesmente parar.
Arrumou as coisas para sua partida segurando as lágrimas. Junto com Kaiko, empacotaram ração suficiente para chegarem até Tote, roupas novas e água e sentaram-se do lado de fora para esperar Eros.
Ele apareceu algum tempo depois, suado e cheio de poeira. Se trocou rapidamente se juntando aos outros e à Cinzento, a expressão distante. Yanka tentou tocá-lo, mas ele não pareceu sentir.
- Antes de irem, quero dar algumas instruções - Bruxo da Árvore falou – O que está se levantando é ainda mais poderoso do que aquilo que as antigas Mães derrotaram, tantos anos atrás. Seja qual for o motivo de tudo isso ter acontecido com a tribo de Yanka, com Kaiko e até mesmo com Eros, o que está acontecendo é enorme e não vai ser derrotado facilmente. - Ele tirou a profecia do bolso e a olhou atentamente. Ele se voltou para Kaiko e Yanka - Quando chegarem à tribo Tote, precisam descobrir onde está o terceiro colar.
- Como sabe que o colar estará lá? - Kaiko perguntou.
- Segundo a profecia a junção dos colares deve acontecer na tribo Tote. Provavelmente quem tem a terceira peça já deve estar lá. Os colares têm muitos poderes, mas quando estão juntos, têm o poder de fazer e desfazer qualquer magia.
- Então... - Yanka murmurou, a cabeça trabalhando – Podemos derrotar os Anciões com os colares, e acordar minha tribo!
Bruxo da Árvore assentiu, mas sua expressão era pesada.
- No entanto, tomem cuidado. Se não dominarem bem os poderes dos colares, poderão destruir tudo ao invés salvar algo.
- E como iremos achar o colar na tribo Tote? Como iremos dominar os poderes do colar?
- É aí que entra algo que preparei para Eros – Bruxo da Árvore voltou para o grande guerreiro e o olhou com tanto carinho que Yanka sentiu vontade de chorar de novo. Como ela podia se transformar em uma manteiga derretida do dia para a noite, ela não fazia a mínima ideia. – Passei noites acordado te imaginando, filho. Como você seria, o que gostava de comer, se gostava da vida que vivia. Para mim, você é tão especial quando Helena.
Ele tirou duas coisas dos inúmeros bolsos de seu avental e os estendeu para Eros.
- Quando Helena se foi, comecei a pensar se poderia fazer algo por você, se um dia você chegasse aqui. Passei anos fabricando duas coisas. - Ele abriu uma das mãos. Uma bussola, toda de ouro e cravejada por delicados diamantes repousava na palma da sua mão. Era tão linda e bem trabalhada, que até mesmo Kaiko a olhava impressionado. - A primeira, vai ser aquilo que vai te levar de volta para casa.
Imediatamente o objeto perdeu a beleza e Yanka deu um passo atrás, horrorizada. Kaiko a conteve e balançou a cabeça. Se comunicaram com olhares silenciosos, o de Yanka desesperado, enquanto o de Kaiko pedia calma.
- Essa bússola vai te levar a qualquer lugar que você quiser. Basta pensar onde quer chegar, e quem quer encontrar, e ela lhe apontará as direções exatas. Dessa forma, poderá chegar na costa e voltar para casa.
- Eros – Yanka o chamou, mas ele parecia enfeitiçado pelo objeto. O olhar em seu rosto amedrontou Yanka. Como se ele estivesse pensando mesmo em ir embora.
- Minha mãe... - Ele murmurou – O que ela pensaria de mim se eu continuasse depois de todo o sacrifício que ela fez?
Bruxo da Árvore pareceu pensar. Yanka precisava que ele respondesse algo positivo, desesperadamente, mas não havia como interromper o momento dos dois.
- Helena fez tudo aquilo porque tinha medo de que você não vivesse uma vida normal, Eros. Acho que você não tem que me perguntar o que sua mãe pensaria, e sim se perguntar se você está disposto a viver uma vida normal pela sua mãe, ou uma vida extraordinária por você.
Yanka agarrou o braço de Kaiko com força, precisando se ancorar em algo físico. Aquilo não estava ficando melhor.
- No entanto, existe outra coisa que fiz para você - Ele abriu a outra mão. Um pequeno livro, encadernado em couro repousava ali. - Se decidir ficar, terá todo o conhecimento sobre os colares que somente minha família teve. Tudo sobre seus poderes, como controlá-los, como conectá-los. Como fazer e desfazer a magia. Tudo está aqui.
Kaiko abriu a boca para protestar, e dessa vez Yanka teve que contê-lo. Mesmo de Eros desistisse, eles precisariam daquele livro. Mas se Eros desistisse... por que precisariam do livro? Yanka sentia que a profecia inteira estaria condenada sem Eros.
- É sua escolha, filho – Bruxo da Árvore murmurou.
Eros hesitou um momento, olhando de um artefato para o outro. Se pegasse um, poderia ir para casa com sua tropa, assim como sua mãe queria e todo o Continente estaria condenado. Se pegasse o livro, o sacrifício de sua mãe teria sido em vão. O continente seria salvo, mas não havia garantia de que o final seria feliz.
Ele virou os olhos cansados para Kaiko e Yanka.
- O que fariam no meu lugar?
- Salvaria o continente – Kaiko falou, convicto.
Yanka hesitou. Ela começara aquela jornada sem saber de nada, justamente pela sua tribo e seu pai. Cada sacrifício, cada lágrima, cada dor, tudo o que sentira, fora em nome deles. Como ela poderia exigir que Eros ignorasse a própria família em nome dela?
Ela segurou seu braço carinhosamente e olhou profundamente em seus olhos.
- Faça o que seu coração mandar, Yretoo. Qualquer que seja sua escolha, iremos te apoiar.
- Por quê? Porque me apoiariam, mesmo se a escolha for ir embora e não completar a profecia?
Kaiko se adiantou e colocou a mão em seu ombro.
- Porque é isso que uma família faz, bunda mole. - Ele abriu os braços, abarcando todos eles – E todos nós aprendemos a te amar e iremos te amar mesmo se estiver longe.
- Amor e família... - Eros murmurou, pausando o olhar em cada um deles, como se não acreditasse que aquilo de fato existisse.
Eles se olharam, e então Eros tomou a decisão que iria mudar a vida de todos eles para sempre.
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