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O som de um pássaro acordou Eros. Yanka, dormia tranquilamente em seus braços.

Seu corpo nu se colava ao dele, os cabelos soltos jogados sobre os corpos de ambos e Eros deslizou as mãos por aquela mulher perfeita. Ele se perguntava todos os dias, como alguém tão bonita e incrível como Yanka olhara um dia para ele.

Toda a dúvida sobre os dois que surgiu depois que soube do que sua mãe fizera, parecia ter sumido. Em seu coração, ele sabia que aquele era o lugar exato em que gostaria de estar pelo resto da sua vida. Yanka se remexeu.

- Quem é o infeliz do pássaro que está cantando? - Resmungou, esfregando os olhos e bocejando. Piscou para Eros e ele a abraçou, rindo. Seu coração, apesar de triste, também se inflava de alegria por tê-la nos braços.

- Vejo que não é uma pessoa muito matutina, panemorfi.

- Não posso nem ser considerada como uma pessoa de manhã – Ela se aninhou em seu peito, preguiçosamente. Eros, contornou suas tatuagens douradas com o dedo.

- O que significam?

- Todas as coisas boas que já fiz. No Continente, acreditamos que, quanto maior a bondade de alguém, mais a pessoa deve ser marcada, para que os deuses consigam diferenciar os maus dos bons.

- Você tem muitas – Ele continuou contornando-as e Yanka o encarou, completamente desperta. Ela enroscou a perna na dele, deslizando a mão por seus músculos bem definidos.

- Precisamos ir.

- Podemos ir daqui a pouco – Ele a provocou mais um pouco, e não precisou de muito tempo até que ela mudasse de ideia.

Yanka montou em cima de Eros, espalmando as mãos em seu peitoral. Mordeu os lábios, se inclinando para a frente.

- Que menino levado – Ronronou – Terei que dar um jeito nisso, não acha?

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- Vocês fedem a sexo – Kaiko retorceu o nariz, pendurando alguma coisa metálica em um dos muitos fios da grande árvore casa de Bruxo.

Yanka ficou roxa de vergonha, mas Eros deu uma chave de braço em Kaiko.

- Antes eu do que você.

- Já entendi – Ele engasgou rindo e Eros o soltou. Apontou para a grande Árvore - Ele está te esperando. Seja rápido, estamos trabalhando em algo e eu gostaria de extrair o máximo de conhecimento dele antes de irmos.

- Você ficará bem? - Yanka parecia preocupada, mas a lembrança do que os dois fizeram na noite passada não deixava espaço no coração de Eros para inseguranças. Roçou os lábios na orelha dela, espalmando a mão em sua bunda.

- Você se certificou que eu ficaria bem por um tempo, panermofi.

Ela riu, beijando-o levemente. Os olhos dela brilhavam, mas Eros conseguia distinguir uma nota de hesitação, escondida bem no fundo de seu olhar escuro. Resolveu ignorar por ora, e depois de uma breve piscada e um tapinha amigável de Kaiko, Eros entrou na casa de Bruxo da Árvore.

- Seus olhos estão mais azuis que o normal – O homem comentou quando Eros entrou no lugar.

A casa na árvore era incrivelmente aconchegante. Tinha formato circular com seu topo perdido na escuridão da árvore que crescia acima deles. Arruda, coentro, hortelã e uma infinidade de plantas estavam penduradas em uma parede. Um fogão a lenha estava em outra, e na última parede havia uma cama e uma bacia grande, que Eros julgou que fosse para banho. Rascunhos e pergaminhos lotavam as paredes e o chão do lugar, com desenhos elaborados e engenhosos das mais brilhantes ideias.

Ele se sentou em uma mesa no meio da casinha, a cadeira mal comportando seu tamanho.

Observou Bruxo da Árvore com cautela enquanto ele remexia em uma pilha de metal em um canto da casa. Eros ainda se sentia tenso e culpado, mas o dia anterior lhe dera um tempo para colocar seus pensamentos em ordem. Ainda não sabia o que iria fazer, mas tinha certeza de que encontraria a resposta naquele lugar.

O pequeno homem bateu as mãos, olhando satisfeito para o objeto em suas mãos. Ele se sentou em frente a Eros e colocou uma caixinha simples na mesa.

- Me apaixonei por sua mãe no momento em que pus os olhos sobre ela. Eu era muito mais novo, mas isso não fez a menor diferença – O homem contou, sorrindo tristemente. - Ela ficou anos procurando por essa terra, e quando a encontrou, estava fraca e desnutrida. A achei em uma das minhas explorações para fora da Floresta, prestes a ser devorada por feras e urubus. Eu a trouxe para cá, e ela me contou por que tinha vindo – Ele suspirou, batucando os dedos na caixinha. - Eu sabia que era errado, mas mesmo assim a ajudei como consegui. Fomos atrás de informação, tentamos descobrir quem era o descendente de Mila, citado na profecia. Tentamos refazer a profecia, mas... nada. No final sua mãe apenas se frustrou por não conseguir tomar seu lugar na profecia.

- Como... Como ela era? - Eros murmurou, tentando não se deixar levar pelas emoções

- No começo, cheia de vida e energia. Ela dançava e rodopiava pela grama quando descobríamos alguma pista, e cozinhava ensopado quando estava triste. Antes dela, eu era inimigo dessas pestes malcriadas e barulhentas que estão lá fora, mas Helena lhes deu carinho e amor, e no final eles a adoravam. Traziam frutas para ela, lhe mostravam os filhotes, e adoravam que ela lhe catasse seus piolhos, por mais nojento que isso parecesse.

Eros riu, saudoso.

- É, ela era assim mesmo. Você disse que isso aconteceu no começo... e no final?

- Sua mãe foi ficando triste. - Eros achou que o homem poderia chorar a qualquer momento – Eu a amei como um louco, mesmo que ela tivesse me rejeitado. Quando eu vi que ela estava definhando de preocupação em vida... achei que iria morrer com ela. Nada que eu fizesse parecia adiantar, e ela... no fim ela morreu.

Eros fechou os olhos. No fundo do coração, ele sabia que sua mãe não estava mais viva. Mas ouvir isso... era de cortar o coração.

- Ela morreu triste?

Bruxo da Árvore assentiu, pesaroso.

- Prometi a ela que, se um dia você aparecesse, cuidaria de você. Prometi a mim mesmo, que jamais voltaria a amar alguém novamente, e que eu seria o último da minha família. Que eu seja o último a carregar o fardo terrível da profecia.

Eros sentiu uma lágrima rolar, um espelho do homem à sua frente. Ele não sabia se estava chorando de pesar por ter perdido sua mãe e só descobrir isso ali, naquele momento, ou pelo homem que amara sua mãe até o fim. Talvez chorasse pelos dois.

Bruxo da Árvore abriu a caixinha e mostrou a Eros.

- Fiz isso para ela, como prova do meu amor. - Uma pulseira feita com diversos fios delicados de metal entrelaçados, repousava numa caminha estofada. Eros a pegou com as mãos trêmulas. Uma pedra azul clara e límpida estava cravejada no meio do metal. - Passei anos procurando uma joia que fosse exatamente da cor dos olhos de Helena.

- Foi por isso que me reconheceu. - Eros afirmou, sem conseguir desviar os olhos da peça. O homem assentiu.

- Helena havia me contado inúmeras histórias sobre seu garotinho, que tinha nascido com seus olhos. Guardei a joia, para nunca me esquecer de quem Helena foi, e sempre me lembrar de como você seria.

Eros apertou a joia contra o coração. Olhou ávido para o homem.

- Existe... mais alguma coisa da minha mãe aqui?

Bruxo da Árvore se levantou e voltou com uma pilha de rolos de pergaminhos em seus braços.

- Desenhei sua mãe muitas vezes. Ela adorava meus desenhos, e era uma modelo exemplar.

Eros se levantou, abrindo ansiosamente os papéis. Sua mãe havia sido representada com traços precisos e impressionantes. O carvão dava sombras ao desenho, dando um ar de realidade que deixou Eros desconcertado. Eram cenas de todo tipo, sua mãe rindo com um macaco encarapitado em seus ombros, sua mãe colhendo flores, concentrada enquanto analisava um papel, cozinhando, batendo palmas sorridente em frente ao lago que ele e Yanka passaram a noite.

As pernas de Eros cederam e ele se viu ajoelhado, tentando conter o choro. Sua doce mãe havia sacrificado seus dias e sua juventude pela segurança dele. Até seu último suspiro, ela havia pensado em Eros.

Ele percebeu que havia levado consigo o menor desenho, que cabia na palma de sua mão. Na frente, sua mãe apenas sorria para o observador, os cabelos pretos escorrendo em ondas, os olhos azuis como os dele. Atrás do desenho, tinha um recado, escrito na letra caprichosa de sua mãe:

"Querido filho,

Se está lendo isso é porque eu falhei em minha missão para protegê-lo.

Por muitos anos, eu tentei desesperadamente reverter a profecia.

Saiba que desde que eu te deixei, penso em você todos os dias.

O homem que me acolheu tem cuidado de mim e me amado, e eu sou grata por isso.

Eros, quero que entenda que, mesmo que eu tenha falhado, sou grata por ter tido a chance de tentar.

E se você achou meu amigo, é porque está tentando também.

Se você escolher seguir em frente, ou se escolher recuar, saiba que estarei orgulhosa de você.

Eu te amo,

Mamãe."

Eros percebeu que lágrimas de dor escorriam pelo rosto quando sentiu braços o rodeando. Yanka encaixou a cabeça na curva de seu ombro, Kaiko acolheu Eros no peito e Bruxo da Árvore lhe deu tapinhas gentis nas costas.

Juntos, passaram pela dor de Eros, como uma família. 

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