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Yanka estava furiosa, mesmo depois de terem se despedido de Bumbo e partido para a tribo Ula, levando montarias, roupas e comida para a viagem.

Se recordou das palavras da velha mulher:

"Yanka, mulher orgulhosa. Coração de amado, simples e verdadeiro. Decisão estar nas mãos de Yanka."

Ela bufou.

"Aquele idiota ser meu amado?", pensou jocosamente, fuzilando as costas dele com o olhar "Ele é só um idiota que beija qualquer uma que encontra".

Nem mesmo o tapa que Wola dera na cara dele por tê-la beijado a força ou sua decisão de ficar para trás conseguiram acalmar ânimos de Yanka.

Enquanto caminhava, irritada, Yanka tomou a decisão de ficar o mais longe possível daquele selvagem. Afinal de contas, ela devia respeitar seu povo e suas tradições e seu pai com certeza ficaria orgulhoso com sua decisão.

Yanka permaneceu afastada do grupo de guerreiros pálidos por boa parte do dia, até mesmo nas refeições, se recusando a fazer contato visual com aquele idiota brutamontes.

Em sua mente, esbravejava e lançava pedras nele com sua funda. Na vida real, se limitou a andar furiosamente, em um silêncio castigante até mesmo para Kaiko.

Dispensou olhares de canto para Ícaro e Alexander. Por mais que estivesse com raiva de Eros, não conseguia tirar de seu coração o ódio pela tentativa de assassinato deles. Ela analisou seus movimentos, palavras e até mesmo suas risadas, certa de que alguma coisa os entregaria.

Foi no fim da tarde que chegaram à um morro incrivelmente alto, circundado por um estreito espaço de terra. Muitos metros abaixo, a terra volva a ser plana, e o único caminho para descer era seguirem pelo caminho estreito.

Yanka já havia começado a caminhada nauseante quando Kaiko lhe puxou para trás. Apontou para o fim da caravana, onde Eros lutava com o bisão, que permanecia firmemente no mesmo lugar, se recusando a seguir em frente.

- Ajude ele. - Ela balançou a cabeça enfaticamente, cruzando os braços. Kaiko suspirou – Preciso ajudar os guerreiros dele com seus próprios animais.

Ela fechou a cara, ainda se recusando. Kaiko baixou a voz, apenas para ela ouvir.

- Achei que você não se importasse se ele ficava com outra mulher.

Yanka soltou uma risada ultrajada.

- E quem disse que eu me importo?!

- Então por que está assim?

- Porquê... - Ela pigarreou, tentando achar uma resposta – Porque...

- Se você não se importa mesmo, vá ajudá-lo.

E saiu.

Respirando fundo, ela se adiantou até Eros, se recusando a encará-lo.

- Mandaram que eu te ajudasse.

- Se veio até aqui foi por conta própria - Ele resmungou – Ninguém manda em você, Yanka.

Ela trincou os dentes. Faltava muito pouco para bater naquele idiota.

Ele puxou o chifre do animal agressivamente e ele puxou Eros de volta. Entre rosnados e bufados, Yanka o empurrou com força e Eros caiu de bunda na terra.

Ela apontou o dedo furiosamente na cara dele.

- Observe, seu bunda mole. Só vou ensinar uma vez.

Tirou da bolsa que carregava junto a ela uma maçã e balançou na frente do animal. Os olhos pequenos do bisão reluziram e ele avançou para pegar. Yanka recuou, levando a maçã. Cada passo do bisão, ela chegava mais perto de seu torso, até o momento em que encostou nele. O animal estava tão concentrado na fruta que sequer notou. Yanka deslizou as mãos pelo seu corpo, fazendo sinal para Eros fazer o mesmo.

O bisão ganhou a recompensa quando permitiu que os dois pegassem em seu corpo musculoso sem se contorcer.

- Pule para cima dele – Ela instruiu Eros.

- Por quê?

Ela revirou os olhos.

- Vai atravessar essa faixa puxando-o? Sério?

- Eu monto – Ele falou, olhando intensamente para ela – Se você montar comigo.

Yanka dispensou a ideia rapidamente e se afastou, mas Eros pegou sua cintura e facilmente pulou para cima do animal, levando-a junto.

Ela socou o braço musculoso e duro que a segurava.

- Me solte, seu selvagem!

- Shhh – Ele murmurou em seu ouvido, segurando-a contra o peito – vai assustar o animal que você acabou de domar.

- Me deixe descer, Eros.

Ele a abraçou com mais vontade.

- Não até resolvermos isso, Yanka.

- Não vou resolver nada com você.

- Então você não desce.

- Você mesmo disse que ninguém manda em mim – Ela quase gritou de frustração. Aquele... aquele... aquele guerreiro bunda mole e idiota!

- De fato.

E se calou. Yanka lutou contra ele, mas o animal embaixo deles mugiu, alarmado. Logo, ela desistiu, arfando e tentando se manter longe do abraço quente dele.

Eros fazia seu estômago parecer que estava em chamas e dando cambalhotas ao mesmo tempo. Vê-lo com outra mulher havia incendiado o resto do seu corpo em fúria, e ficar assim com ele... com certeza era fogo, mas bem diferente.

A tropa os olhava cautelosamente. Ela viu Nicholas apertar os olhos na direção dela e Kaiko esconder um sorriso.

Logo começaram a marchar novamente, dessa vez mais lento, o precipício se avultando abaixo deles.

Eros enrolou a crina do animal nas mãos fortes, protegendo os lados de Yanka com os próprios braços.

No começo, o animal não quis sair do lugar, mas com tapinhas, incentivos, e a visão de uma bela maçã, logo ele andou.

- Sabe lidar muito bem com antílopes – Eros comentou depois de um tempo.

- Não há muito segredo – Ela resmungou.

- Aprendi a cavalgar antes de pegar numa espada – Eros contou e Yanka se perguntou por que ele parecia tão calmo – Na propriedade do meu pai, havia muitos cavalos de raça, criados desde pequenos para levar grandes guerreiros. No entanto, eu nunca tive um.

Yanka mordeu os lábios quando ele se calou, a curiosidade consumindo seu orgulho.

- Porquê... você não tinha um? - Finalmente perguntou.

- Porque eu fui treinado para ser um guerreiro, mas nunca quis ser um. Ter um cavalo significaria que eu estava aceitando aquele destino. - Ele passou a mão carinhosamente pelo dorso do animal. - Este foi o primeiro animal que eu realmente quis cuidar.

- Porque não está vinculado a guerra – Yanka murmurou, compreendendo. Atrás de si, Eros assentiu

- Com ele, eu não tenho nenhuma obrigação. Eu posso apenas tentar montá-lo e ter que aguentar seu gênio horrivel.

- O gênio dele parece com o seu.

Eros cutucou-a nas costelas e ela deu um pulo, rindo. Se aconchegou contra o peito dele, decidindo dar uma trégua. Em sua cabeça, repetia que aquilo jamais iria afetar sua responsabilidade como futura líder da tribo Cati. Afinal, eles eram apenas conhecidos. Certo?

- Não está mais com raiva de mim? - Ele perguntou, acomodando a cabeça na curva do ombro dela. A marcha contida no espaço estreito, e o precipício abaixo deles não parecia mais assustador. Estar nos braços de Eros parecia lhe dar coragem e ousadia.

- Pode ter certeza de que estou.

- Por que você estaria com raiva se disse que eu sou livre para ficar com qualquer mulher?

- Eu... - Ela parou, sem saber o que falar. Emoções conflitavam em seu coração. Ela não podia aceitar aqueles sentimentos dentro de si. Fechou os olhos com força, pedindo a grande Mãe que lhe ajudasse a clarear as coisas. Com a sensação horrível de que seu coração estava sendo rasgado, ela murmurou - É claro que você pode ficar com qualquer mulher, Eros.

Eros ficou estranhamento quieto o resto do caminho. Terminaram de descer o precipício e viraram para oeste, para longe do vale abaixo. Caminharam até o sol se pôr, mas Kaiko forçou a tropa a caminhar noite adentro, mesmo que o frio do lugar fosse cortante e não fosse possível ver nada a frente.

Os homens se aglutinaram, temerosos que grandes predadores, animais ou humanos fossem aparecer. Yanka conseguia sentir a tensão no corpo de Eros atrás de si.

Deu tapinhas na mão dele, como uma forma de tranquilizá-lo.

- Nada vai nos atacar.

- Como sabe? - Tiro murmurou, caminhando do lado do bisão.

- É, parece que alguma coisa vai sair do escuro a qualquer momento.

- Não seremos atacados. – Yanka respondeu, mas nem ela conseguia acreditar em suas próprias palavras.

Continuaram o caminho, que era pontuado aqui e ali por vegetações mirradas. A lua acima de suas cabeças subia cada vez mais alto, chegando ao ponto de não enxergarem mais do que os companheiros mais próximos. Os únicos que permaneciam impassíveis eram Yanka, Wola, Kaiko e os animais.

- Não estou gostando disso – Nicholas comentou, emparelhando seu animal junto com o de Eros. - Diga que vamos parar, Eros.

- Vamos continuar, Nicholas.

- Mas...

- Não existe nenhum lugar em que podemos nos abrigar.

- Porque não escolhemos quando ainda estava claro! Permita que pelo menos os homens descansem um pouco. Yanka mesmo disse que este lugar é cheio de feras enormes. Estamos andando o dia inteiro embaixo do sol torrencial, alguns mal se aguentam em pé, capitão...

O som de uma trombeta ao longe fez o grupo congelar no mesmo lugar.

- Fiquem quietos – Kaiko ordenou. - Yanka, Eros, se adiantem.

Eros tocou seu animal para a frente, o movimento de seus corpos sincronizados com os do animal e Yanka achou que eles se encaixavam bem até demais.

A tropa se aglutinou ao redor deles.

- Quanto tempo, Kaiko?

- Alguns minutos até nos alcançarem, no máximo.

- O que exatamente irá nos alcançar? Fera ou humano? - erros perguntou, desmontando junto com Yanka.

- Pelo som da trombeta, humanos. Sem mais perguntas – Yanka instruiu. - Todos vocês. Não mostrem suas armas e permitam que sejam cercados. Só assim poderemos ter uma chance de entrar dentro do território da tribo.

Minutos se passaram, até Eros conseguir visualizar algo.

Formas se moviam na escuridão, desenhos rodopiantes brilhando contra a noite. Eros teve que resistir ao desejo de desembainhar a própria espada. Seus homens murmuraram, nervosos, mas permaneceram quietos, conforme a instrução de Eros.

As formas circularam a tropa e começaram a apertar o cerco.

Lentamente, foram guiados de forma cega pela escuridão, a única luz vinda das formas ao redor deles, silenciosas e indecifráveis.

Andaram pelo que pareceu horas, até finalmente pararem, a escuridão ainda caindo sobre a terra.

- Yanka – Eros murmurou, não conseguindo localizá-la – Onde diabos nós estamos...

E com um wush! ofuscante, uma tribo inteira se acendeu diante deles.  

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