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O cheiro de enxofre fez os olhos e nariz de Yanka arderem. Do lugar onde estava, ela conseguia ver o brilho alaranjado do vulcão.

- Pai... – Ela tentou implorar para o homem ao seu lado, mas ele parecia quase enfeitiçado pela cantoria do Velho Urso, sem sequer reconhecê-la. Aliás, todos na tribo pareciam estar em transe.

Ela apertou os olhos e mordeu a língua para evitar um grito de fúria.

"Grande mãe", pensou, sua esperança ruindo, "por favor, por favor, por..."

O último batuque foi dado no tambor. O silêncio era quase gritante depois de horas ouvindo a música.

- Minha querida tribo – Velho Urso falou com falsa amabilidade – Estou orgulhoso do caminho que trilhamos até aqui! E lhes garanto que nossa prosperidade está bem perto!

A tribo soltou gritos de entusiasmo. Com verdadeiro horror, ela percebeu que sua tribo se jogaria no fogo por aquele homem se ele assim pedisse.

- Agora só precisamos dar o último passo... – Ele acenou para os homens que carregavam Yanka, e eles a empurraram para mais perto da boca gigantesca do vulcão. Estava a um passo de cair no lago de fogo abaixo e Velho Urso escondeu o sorriso nojento com a mão – Vamos...

De repente, gritos romperam a calmaria, e atrás de si, o barulho de dezenas de pessoas correndo fez a terra sob seus pés tremer ligeiramente. Velho Urso franziu a testa confuso e Yanka aproveitou a distração de seus guardas para pisar no pé de um e empurrar o outro para longe.

Com as mãos amarradas, ela conseguiu chegar até o começo da descida íngreme antes de ser puxada para trás pelo Velho Urso. Uma faca foi encostada na sua garganta.

- Onde pensa que...

Da borda externa, homens apareceram. Muitos deles, tantos que Yanka perdeu a conta depois de algum tempo. Homens pálidos e bronzeados, com uma mistura de roupas gastas e peças rígidas e brilhantes. Se a situação não fosse tão perigosa, Yanka teria rido daqueles homens estranhos.

Os homens apontavam o que quer que tivessem em mãos para Yanka e seu povo: facas grandes, facas pequenas, algo que tinha um cabo grande, encimado por uma lâmina, lanças, discos... A cabeça dela começou a doer só de tentar entender aquela confusão.

Os homens pálidos à sua frente abriram espaço, e de lá surgiu o maior homem dentre eles. Tinha os olhos azuis e um cabelo na altura dos ombros loiro, puxado para trás. Andava como os guerreiros da tribo Wattu antes de um ataque, e tinha os olhos fixos nela.

- Quem são vocês?! O que pensam que estão fazendo? . – Velho Urso, desesperado por seu plano estar indo ladeira abaixo, se revezava, ora apontando a faca para os homens desconhecidos, ora apontando para Yanka.

O homem altivo parou em frente aos dois, cruzando os braços.

- Precisa de ajuda?

Yanka arregalou os olhos.

- Você... – pronunciou na língua dele com uma fluência espantosa. Sua mãe ensinara somente a ela aquela língua estranha, dizendo que era o futuro da tribo dependia disso. Ela tentou se concentrar – Quem é você?

O homem franziu a testa e olhou ao redor.

- Só você fala a minha língua?

Ela assentiu.

- O que ele fala?! – Velho Urso gritou, afundando a lâmina um milímetro no pescoço de Yanka e apertando dolorosamente seu braço. Ela sentiu o sangue escorrer e lutou para ficar calma. Se ela fosse dominada pelas emoções, condenaria a ela e a todos da tribo.

Olhou de novo para o homem, o avaliando. Ele parecia fazer exatamente isso.

- Ele veio para nos redimir.

- O quê?!

Calmamente ela encarou o homem a sua frente, torcendo para que ele aceitasse ajudá-la no seu plano recém-formado.

- Eu e minha tribo estamos em – Ela pensou na palavra certa por um momento - Perigo. Preciso que finja ser um enviado de Rabuk, o deus de guerra.

- E por que eu deveria te ajudar?

- Pelo mesmo motivo pelo qual você subiu até aqui.

Ele riu, debochado.

- E por que você acha que eu subi até aqui?

Velho Urso se mexeu inquieto atrás de si.

- O que ele está falando?! Me conte, vadia!

Engolindo em seco, ela soltou um grito e revirou os olhos. Velho Urso afrouxou o aperto, enquanto Yanka apontava um dedo trêmulo para o homem a sua frente.

- Ele... – Ofegou, esperando que seu povo acreditasse em sua mentira – é um enviado de Rabuk... E ele veio... para nos redimir de nossos pensamentos e prosperar nossa terra! Ele veio nos dizer que não é necessário nenhum sacrifício!

- Ela mente! – Velho Urso se virou para a tribo, completamente insano – Ela mente para não virar sacrifício!

- Então como explica tudo isso que eles usam? Nunca, na história da nossa tribo nós conseguimos fazer armas tão ameaçadoras, ou roupas tão estranhas! – Ela se ergueu, tremendo, machucada e altiva.

Olhou nos olhos de sua família, cada uma daquelas pessoas. Algumas a tinham visto crescer. Outras haviam chegado depois, mas eram tão amadas quanto qualquer um ali. Em seus rostos havia apenas vazio, um vazio desesperador. Ela só podia torcer para que por trás desse vazio, sua família ainda estivesse ali.

- Se ele não é um escolhido do deus Rabuk, quem será então?

Murmúrios se espalharam, e o povo se remexeu, minimamente.

Velho Urso urrou de raiva. Apontou para o homem loiro, que observava a cena toda de testa franzida.

- Se ele é mesmo o escolhido do deus Rabuk, então deve sobreviver ao teste mais difícil de todos! – Ele cutucou Yanka com maldade – O labirinto de fogo!

Yanka fechou os olhos. Ele havia mordido a isca.

Agora, pelo bem de sua tribo e daqueles homens estranhos, ela tinha que fazer aquele homem sobreviver.

"Custe o que custar" 

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