29 Γ ☐▲•
A mágoa de Eros não se abrandou nem mesmo quando Kira o socou no estômago e ordenou que ele saísse da tenda. Ele tentou argumentar que Yanka havia escondido algumas coisas dele, mas Kira apenas respondera, em um tom cortante:
- "E o que você fez para merecer a confiança dela?"
E mesmo que Eros pensasse que ganhara a confiança dela ao se juntar à sua jornada, ele sabia no fundo de seu coração de que o processo não era tão simples assim.
O alívio por Kaiko ter voltado com vida e as informações que ele trouxera consigo também não conseguiram animá-lo. Aparentemente, Pati havia ficado furioso com a deserção deles, e desviara seu exército na direção dos túneis em que eles tinham sumido. Mas antes que tivessem a chance de fazer algo, a tribo Malo atacou seus flancos, e a carnificina começara.
Kaiko fugira no meio da desordem, com soldados em seu encalço até chegar no penhasco. No entanto, o homem que o acompanhava desde a tribo Malo havia sido abatido.
O plano de Eros fora um sucesso, e passar pela tribo Wattu lhes as dariam informações que rodopiavam a mente de Eros.
E por mais que tudo estivesse correndo bem, nenhuma felicidade brotou em seu coração, por isso se enfiou no meio da forja de Wattu e trabalhou impiedosamente em uma arma. Após um tempo, Kaiko se juntou a ele, e apenas murmurou "Yanka" antes de se virar para o arsenal. Pela segunda vez, Eros se postou ao lado do guerreiro para trabalharem juntos, sentindo uma conexão com ele que ia além de suas origens e línguas.
Só parou de trabalhar, quando os guerreiros os expulsaram e fecharam a oficina. Se despediu com um aceno de Kaiko e caminhou pesadamente em direção ao outro fosso. Foi quando viu uma figura encurvada na beira do penhasco.
Reconheceu a trança comprida de Yanka e engoliu em seco. Sua forma estava encurvada e ela tremia ligeiramente, como se tivesse ficado muito tempo sob o vento cortante do penhasco.
Se olhasse bem para dentro de si, veria que não estava com raiva dela, apenas magoado porque ela não confiou nele, como ele havia confiado nela.
Sua vontade era a de correr e tomá-la nos braços, mas de repente parecia haver um precipício entre eles.
- O amor... é difícil – Kira comentou, se colocando ao seu lado. Eros permaneceu calado.
A certeza de que queria falar que se sentia atraído por Yanka, havia sido substituída pela confusão. Ele se sentia... impotente.
- Mas se o amor fosse fácil, ele não teria sentido em existir.
Eros riu, sem humor.
- Nunca disse que amo Yanka.
- Se não amasse, não estaria escolhendo passar por uma prova ao invés de perguntar diretamente a ela.
- Ela nunca me contou nada...
- E você contou?
Ele a encarou, furioso. O brilho inteligente nos olhos de Kira era o suficiente para ele ter certeza de que jamais ganharia uma discussão com ela. Assim como Yanka.
Kira colocou a mão em seu ombro.
- Conheço Yanka desde que era uma garotinha. É a mulher mais forte que eu conheço, levando o peso do mundo nas costas, mas é uma alma solitária e machucada. Ninguém, Eros, nunca foi o porto seguro dela, porque Yanka sempre foi a força de sua tribo. - Ela suspirou, olhando amorosamente para Yanka – Tenha paciência com ela. Cactos do deserto nunca desabrocham quando são maltratados.
- Não quero maltratá-la – Ele murmurou.
- Se não quer que ela se machuque mais, deveria conversar com ela na festa de amanhã à noite.
Ele bufou.
- Também não quero falar com ela.
Kira revirou os olhos e lhe deu um beliscão doído, enquanto saia na direção do fosso da arena.
Eros olhou uma última vez para Yanka, e com o coração pesado se afastou.
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Fizeram uma fogueira enorme no centro da arena esculpida.
Porcos, galinhas e cordeiros eram assados, pessoas riam e dançavam ao som dos tambores, crianças corriam e todos se reuniam ao redor de Kaiko e das mulheres Wattu que viajaram com Eros e Yanka. Pareciam uma grande família, feliz pelo retorno de seus irmãos.
Eros permaneceu sentado em cima da cerca no limite da arena, observando seus homens. Catri abocanhava enormes pedaços de carne, Tiro seguia Wola, Tetrum tentava imitar a dança da tribo e Nicholas estava em algum lugar, provavelmente admirando armas.
Eros continuava olhando de forma quase obsessiva para a escada que descia para o fosso, mas não havia o menor sinal de Yanka.
Kira apareceu em frente a fogueira e o som dos tambores pararam.
Ela estava muito bonita, as tatuagens reluzindo a luz alaranjada. Saída da multidão, Yanka se postou ao seu lado.
Eros se endireitou tão rápido que quase caiu da cerca. Yanka tinha cordas de couro dourado trançadas em seus cabelos pretos, a pele preta reluzindo à luz da fogueira. Um vestido prateado, longo e leve se moldava ao seu corpo, e vê-la vestida com algo que não fosse rústico dava um aperto na boca do estômago de Eros.
Ele só percebeu que a olhava boquiaberto quando um guerreiro o cutucou no ombro e apontou na direção de Kira, que parecia estar esperando-o.
Mesmo aéreo, Eros caminhou até ela, sem conseguir tirar os olhos de Yanka.
Quando Kira tornou a falar com a multidão, Yanka murmurou para ele:
- Me odeia tanto assim que não consegue tirar os olhos de mim?
- Se eu te odiasse, teria te empurrado do penhasco.
Ela pareceu surpresa.
- Me viu lá?
Ele apenas assentiu.
Clamores e uivos irromperam da multidão quando Kira falou algo, e ele viu Yanka empalidecer. Ela lhe lançou um olhar arregalado e Kira falou em na língua de Eros:
- Expliquei ao meu povo que vocês passarão por quatro testes. Quatro de vocês formarão uma equipe e travarão uma batalha surpresa, com qualquer arma da sua preferência que esteja em nosso arsenal. Cada guerreiro que permanecer em pé terá uma recompensa. Podem nos pedir armas, ouro, informações. - Ela olhou significativamente para Eros – Qualquer coisa. No entanto, se todos os quatros forem derrotados, vocês deverão ficar na minha tribo para sempre.
- Fez um acordo com Kira? - Yanka perguntou sem acreditar.
- Eu disse que ia atrás das minhas próprias respostas.
- Isso se vencermos! - Ela esbravejou.
- E o que te faz pensar que não venceremos?
Yanka colocou as mãos na cintura, em uma pose irritada.
- Isso é arriscado. Você definitivamente não conhece as provas da tribo Wattu, Eros! Quase ninguém sobreviveu para contar a história e...
- Está tentando esconder mais alguma coisa de mim?
Ela estapeou seu rosto. Com força.
A multidão fez silêncio. Eros a olhou, surpreso.
- Acha que eu escondi alguma coisa de você por querer? - Ela gritou – Acha que eu tive sequer um segundo essas últimas semanas para pensar em algo que não fosse minha tribo?!
- Mas eu embarquei nessa jornada com você! - Ele gritou de volta.
- Por ouro e glória!
- Então você só queria pessoas que morressem por você?! Meus homens estão morrendo, Yanka, um a um!
- Minha tribo também, Eros!
Antes que pudessem aumentar mais ainda o espetáculo que criaram numa festa que era para ser alegre, Kira agarrou os dois pela nuca e colocou a cabeça entre os dois.
- Se não pararem com isso, vou mandar meus homens jogarem os dois do precipício – Ela silenciou o protesto deles com um olhar duro. - Escolham suas armas e homens. Começaremos daqui a três dias.
- E como diabos devemos nos preparar se nem sabemos o que iremos enfrentar? - Eros gritou quando Kira se afastou.
Ela deu de ombros.
- Você pediu respostas, não ajuda! Descubra sozinho!
E com uma risada divertida, ela se misturou ao seu povo, deixando Eros e Yanka sozinhos, furiosos um com o outro.
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