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Yanka entrou na tenda de seu pai.
Haviam gastado exatamente uma noite para preparar suprimentos para a viagem e roupas para todos aguentarem o calor e a secura da terra. La fora, todos esperavam que ela se despedisse.
Seu pai permanecia dormindo, assim como todos os outros integrantes da tribo. Depois de muito observar, Yanka chegara à conclusão de que era como se estivessem encantados: não precisavam de comida, de cuidados especiais ou mesmo de água.
Apenas dormiam, como se estivessem esperando algo.
Ela tocou a testa de seu pai. Ele havia envelhecido muito nas últimas semanas. Seu pai sempre fora forte e alegre. Lembranças ternas lhe passavam pela cabeça: ele a girando nos braços quando era apenas uma garotinha, seu pai lhe ensinando a caçar, os dois dançando ao lado de uma fogueira, ele lhe dando suas primeiras marcas douradas no corpo. Seu pai sempre fora seu companheiro e seu porto seguro, e deixá-lo ali sozinho, lhe partia o coração.
- Sinto muito por ter que te deixar aqui – Murmurou, ajeitando o cobertor em cima dele. – Mas preciso descobrir o que está acontecendo.
Uma lágrima desceu pelo seu rosto.
Pegou a mão do seu pai e a levou aos lábios.
- Se eu não voltar... Saiba que sua filha fez de tudo para libertá-los desse sono sem fim. Fiz de tudo por vocês, minha família. – O tocou no coração – Obrigada por ser meu pai nessa vida. Se houver uma próxima para mim... Gostaria de ser sua família de novo.
As lágrimas escorriam livremente pelo rosto.
- Foi uma honra te conhecer, papai.
Se levantou e deu as costas para ele, antes que sua coragem fraquejasse. Parou em frente à entrada da tenda, tentando se recompor.
Uma mão surgiu na abertura da tenda, lhe oferecendo um pedaço de pano. Dedos longos e calejados, brancos e pálidos.
Yanka aceitou, enxugou as lágrimas e saiu da tenda para selá-la.
Olhou para os lados, esperando encontrá-lo, mas ele não estava mais lá.
Ela sorriu e caminhou para o começo da sua jornada.
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Caminharam pela terra seca e desértica o dia inteiro. O lugar era cheio de colinas cobertas por um solo rachado e o horizonte tremeluzia e criava ilusões a olhos desacostumados com o lugar. Com mais frequência do que Yanka gostaria, eles tinham que parar, com os homens sofrendo pelo calor que queimava suas peles pálidas e minava sua resistência física. Até mesmo Eros parecia cansado depois de algumas horas sob o sol torrencial.
Em algum ponto, as pegadas dos antílopes viraram para o leste, na direção de uma planície coberta com grama seca.
Yanka praguejou em sua língua materna.
- Aquilo... É água?
Os homens comemoraram, alguns até correndo na direção da água. Eros a observou atentamente.
- Qual o problema?
- Aquele não é o caminho para a tribo Malo. Não deveríamos virar aqui.
Ela mordeu os lábios, confusa. Eros observou com atenção as pegadas e passou os dedos por uma delas. Voltou pelo caminho de onde tinham vindo, até achar uma pegada que vinha da tribo Cati, antes de virar para leste. Era óbvio o espaçamento entre as pegadas ali e as que faziam a curva, como se no ponto específico de virada, os animais tivessem começado a correr. Ou tivessem sido espantados.
Antes que pudesse chamar Yanka para ver, um rugido alto ecoou pela planície, e dois antílopes apareceram em debandada, descendo para a ravina onde os homens de Eros estava, junto com Yanka. Atrás deles, o animal mais majestoso e perigoso que Eros já havia visto em toda a sua vida, mostrava garras e dentes, enquanto perseguia sua presa.
Três homens que haviam se precipitado na direção da água, voltaram correndo, mas mais predadores apareceram no encalço deles.
Sem perder um único segundo, Eros começou a correr na direção do grupo. Percebeu que Yanka fazia sinal para que seus homens a seguissem e estava correndo na direção de uma das colinas. Olhando atentamente, Eros viu uma fenda lá.
- Beros, Alexander, Ícaro! - Gritou para os homens que estavam sendo seguidos e fez sinal em direção a Yanka. - Sigam ela!
Continuou correndo na direção dos predadores, com a espada a postos. Alexander e Ícaro conseguiram escapar e giraram para longe das garras dos animais, mas Beros foi derrubado antes de conseguir correr mais rápido. Eros forçou as panturrilhas ao máximo, mas sabia que não chegaria a tempo.
O bando de animais se dividiu, uma parte indo atrás dos antílopes e outra parte indo na direção de Yanka e seu grupo, que ainda estavam longe da fenda.
Eros se viu tendo que fazer uma escolha. Ou salvava todos os outros, ou salvava Beros. Seu coração se partiu com a escolha que fez, mas ele continuou, determinado.
Trincando os dentes ele usou a espada para abrir um talho no braço. Com o vento a favor dele, ele berrou, pulou e sangrou, até os animais virarem os olhos para ele.
Com um último olhar para Beros, que berrava em seus últimos momentos de vida enquanto era atacado, Eros começou a correr na direção oposta a Yanka, torcendo para ter atraído os predadores que a perseguia.
Correu rápido até sentir seus músculos gritando em protesto, o barulho dos animais atrás dele, cada vez mais perto. A sua frente, ele surgiu um grande paredão liso, que se estendia para a lateral direita. A sua esquerda, estava a planície, provavelmente infestada por predadores.
Apesar do paredão estar um pouco longe, ele sabia que estava encurralado.
- Eros! - A voz de Yanka soou atrás de si – Corra até a planície!
- Está louca? Saia daqui!
- Faça logo! Tem um jeito deles pararem de nos seguir!
Bufando, ele deu uma guinada, passando rente por um dos predadores. As garras dele arranharam sua perna, mas ele continuou correndo até a planície. Com o canto do olho, ele viu Yanka o seguindo na lateral.
Ele subiu, ofegante, os pulmões prestes a explodirem e a perna ardendo. A água de um lago enorme brilhou, refletindo o sol e cegando-o momentaneamente.
- Entra na água! - Yanka, aparecendo do nada, o puxou com força na direção do lago e ele não teve escolha a não ser segui-la.
Embainhando a espada, eles se jogaram na água refrescante, mergulharam e ressurgiram no meio do lago. Na borda, os animais andavam de um lado para o outro, rugindo, mas sem fazer nenhum movimento para entrar no lago. Ofegando e encharcado, Eros segurou Yanka pelo braço.
- O que está fazendo aqui?
- Eu vivo aqui. Conheço esse lugar melhor do que você.
- Yanka... - Avisou Eros.
Ela revirou os olhos. Sua pele brilhava, uma perfeita junção entre o sol e a água.
- Pare de tentar ser herói a todo momento! Você mesmo disse que uma equipe luta, se ajuda, e morre junto.
Ele jogou os cabelos para longe dos olhos, rindo com escárnio.
- Sim, e me referi a soldados! Você...
- O que tem eu? Só porque eu sou mulher?
Eros apertou os punhos, extremamente irritado. No calor da discussão, se esqueceram completamente dos predadores na borda do lago. E dos predadores dentro dele.
- Mulheres são femininas, delicadas...
Ela puxou a orelha dele dolorosamente, o levando para baixo.
- Chama isso de delicadeza?!
- Você...
Os dois pararam quando algo se levantou no meio do rio. Yanka, ainda puxava a orelha de Eros, até ele ter a cabeça encostada na água. Juntos, encararam a monstruosidade que se erguia do lago.
Com a pele acinzentada e boca enorme, o animal se avultou acima deles, espantando até mesmo os predadores na beirada do lago.
- Anh... Yanka? - Ela o olhou. - Esse era seu jeito de nos salvar?
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