5. Bolo Lunar

A primeira dificuldade vinha do número reduzido de trabalhadoras. O problema não era causado pelas meninas que tinham sido eliminadas, mas pelo fato de que um pequeno contingente, cada hora formado por mulheres diferentes, precisaria ir ao salão servir cada prato. A segunda dificuldade era mais grave e era causada pela ausência dos ingredientes necessários para refazer a receita original. Como nada podia ser reaproveitado, elas precisavam pensar em uma solução que fosse rápida e simples, mas gostosa o bastante para agradar as consortes.

Uma moça ruiva havia sugerido que elas preparassem bolos de frutas, mas além da escassez de frutas vermelhas na despensa devido a aproximação do inverno, havia também o fato de que cada mulher conhecia uma receita diferente e era impossível chegar a um acordo sobre qual era a melhor que as demais. Pastéis doces de feijão branco eram a segunda opção, mas não havia como esperar todo tempo necessário para que o feijão cozinhasse. Muitas sugestões foram dadas, mas uma parecia mais infrutífera do que a outra e as candidatas só estavam perdendo tempo.

— Acho que nós deveríamos fazer bolos lunares. — Lana sugeriu. Diante dos olhares confusos que recebeu, ela se viu obrigada a explicar. — É uma receita típica do meu país. Não leva muito tempo para ser preparado e podemos aproveitar que os fornos estão ligados para assá-los rapidamente. Só precisaremos fazer mais creme.

— É uma opção fácil. — Linete concordou. — Mas bolos lunares são feitos de orvalho colhido no início da manhã. Onde podemos encontrar orvalho a esta hora do dia?

— O orvalho nada mais é do que pequenas gotas de água. — Lana disse. — Acho que podemos obter orvalho fervendo água e cobrindo o vapor com uma panela de cobre.

Como não era uma receita conhecida pela maioria, foi preciso convencer as mulheres de sua qualidade. Linete ajudou Lana a argumentar, mesmo estando meio receosa. No fim das contas, o que fez a receita ser escolhida foi o tempo. O terceiro prato já estava prestes a ser servido quando elas começaram a preparar as sobremesas.

Lana e Linete foram escaladas para ajudar a servir o quarto prato e precisaram deixar as mulheres sem supervisão. Embora Linete se sentisse apreensiva em deixar estrangeiras preparando um prato típico sem acompanhamento, Lana esperava poder tirar algo útil de sua visita ao salão de banquete. Mesmo que ainda não tivesse sido aprovada para se tornar uma serva, ela já pensava em seu próximo passo. As esposas da corte gostavam de apontar as falhas alheias quase tanto quanto apreciavam se gabar de suas próprias qualidades. Talvez alguma deixasse escapar alguma informação útil ou no mínimo razoável.

Para sua decepção, tudo que as consortes tinham a oferecer eram seus rostos familiares e conversa fiada. Lana sentiu a nostalgia invadir seu peito novamente quando as viu sentadas em seus lugares de direito, falando energicamente umas com as outras. Parecia que ela ia andar de novo entre aqueles bancos e tomar seu lugar entre elas. O gosto das comidas de outrora dançava em seus lábios e odor de mil peles perfumadas invadia seu nariz. Não pode evitar procurar pelas faces que lhe eram mais queridas, mas notou a ausência das que ainda não tinha chegado a corte com o coração pesado.

Servir a comida em si não foi nenhum problema. Lana ainda se lembrava como as coisas costumavam ser feitas quando ela era uma consorte real e seus atos pareciam ser adequados, pois não foram vítimas de reclamação. Embora Linete estivesse usando toda a sua concentração para imitá-la, Lana fazia a tarefa de modo instintivo, focada apenas na conversa das mulheres. Enquanto pousava os pratos delicadamente na frente de cada uma delas, ouviu fragmentos inúteis de conversa. A princesa Myrtes tinha ganhado um cavalo do Imperador em pessoa e a concubina Sonma não conseguia parar de falar dos novos tecidos que chegariam na capital no Festival de Cristal. A informação mais interessante parecia não passar de mera fofoca: a concubina Sui havia escondido a harpa da concubina Signa porque ela pretendia tocar para o imperador e fazer com que ele se deitasse com ela em um dia que não lhe cabia. Conhecendo aquelas mulheres como as conhecia, Lana entendia que podia não passar de um mero boato maldoso. Apesar disso, Lana se lembrava como Signa tinha sido continuamente deixada de lado com o passar dos anos. Quando Lana chegou ao palácio para se casar com o príncipe herdeiro, já haviam piadas que troçavam da incapacidade da mulher de agradar ao soberano. Se Signa estava agindo assim, era porque estava desesperada para ser notada e isso era algo que valia a pena conservar na memória. Não há nada mais fácil de se manipular que uma mulher desesperada.

Quando Lana retornou para a cozinha ficou surpresa em notar que o processo com os bolinhos lunares estava correndo bem. A fabricação do orvalho tinha funcionado e a massa e o creme já estavam prontos, apenas esperando para ser moldados. Modelá-los, entretanto, era a parte mais difícil. Eram necessário que eles tivessem uma aparência uniforme entre si, além do delicado formato da lua estrelada. As outras mulheres tiveram dificuldade para entender o que deveria ser feito no início e algumas delas precisaram refazer o mesmo bolo mais de uma vez. Por sorte, a última fornada saiu exatamente no momento em que as sobremesas precisavam ser servidas. A Matrona Rose chegou exalando euforia e olhou com surpresa para os bolinhos enquanto eram empratados. Ela tomou em mãos um dos que tinham sobrado e experimentou com uma grande mordida. Uma expressão de surpresa e contentamento tomou seu rosto, mas ela não teceu nenhum elogio.

— Isso é... diferente. — disse. — De quem foi essa ideia?

— Da Lana, senhora. — Linete disse apressadamente, apontando para a amiga. — É uma receita típica do nosso país.

— Não interessa de onde ela vem, mas pra onde ela vai. — a matrona cortou. — Sirvam imediatamente.

Lana nunca ficou sabendo qual tinha sido a recepção de sua sobremesa, mas concluiu que ela havia sido positiva, afinal ninguém mais tinha sido eliminada. Depois que o jantar acabou, uma outra matrona apareceu para fazer as concorrentes lavarem o salão de banquete e a cozinha. Todas estavam cansadas e famintas, e o trabalho parecia nunca ter fim. A matrona não as liberou até que o chão estivesse brilhando tanto quanto as panelas e depois disso elas ainda foram obrigadas a esperar do lado de fora das acomodações do palácio.

Era tarde da noite e fazia muito frio. Na rua principal que ligava todos os edifícios, várias dezenas de garotas aguardavam. Haviam as que tinham servido junto com Lana e as que provavelmente tinham desempenhado tarefas em outros setores. A maioria parecia exausta e desanimada, mas uma onda de excitação percorreu as fileiras quando as matronas começaram a anunciar os resultados.

O estômago de Lana afundou quando ela se deu conta de que todos os nomes estavam sendo chamados menos o dela. Até Linete tinha se unido às aprovadas, mas ela continuava imersa no grande talvez. Em sua arrogância, ela nunca tinha contemplado a possibilidade de falha até aquele momento. Como ela faria se sua entrada no palácio fosse negada? Revelar sua face nobre não era um caminho possível, pois não lhe daria o acesso aos segredos que ela desejava. Linete poderia ajudá-la, servindo-a dessa forma mais uma vez? Parecia crueldade usar a amiga para se vingar de alguém que para ela era desconhecido e não haviam modos de justificar seus motivos. Ela estivera tão perto, mas agora...

Os pensamentos de Lana foram cortados ao meio quando a Matrona Qin retomou a palavra após o anúncio.

— Aquelas cujo nome foi chamado começarão a desempenhar sua função amanhã. O Eunuco Finn as levará para os seus dormitórios e amanhã vocês receberam mais indicativos de suas funções. — a matrona silenciou e, por um segundo, pareceu olhar no rosto de cada uma das meninas que não tinha sido chamada. — As demais estão eliminadas e serão conduzidas para fora do palácio.

Lana fitou a mulher, incrédula. O mundo ao seu redor era um tumulto de vozerios e prantos. Ela parou por um momento, incapaz de se mover. Seu olhar se encontrou com o de Linete e ela viu que lágrimas grossas escorriam pelo rosto da amiga. A pergunta que nenhuma delas queria fazer permanecia ali, pairando no ar.

No último segundo, porém, a Matrona Qin recapturou a atenção da plateia com sua voz potente.

— Lana Solo! — chamou a plenos pulmões. — Onde está Lana Solo?

Lana deu um passo para frente, trêmula.

— Ainda bem que você ainda está aqui, garota. — a matrona disse. — Quero que você seja minha assistente. Junte-se as outras. — e fez um gesto indicativo para os eunucos levarem as outras garotas.

Lana estava tão tomada pelo alívio que poderia ter desmaiado ali mesmo. Ao invés disso, ela se juntou depressa a fileira que se dirigia para os dormitórios. Temendo uma reprimenda, ela e Linete se limitaram a dar as mãos, abonançadas pela pequena glória da aprovação.

O grupo de mulheres acabou sendo dividido em quatro pequenas construções que acomodavam oito em cada. Provavelmente novas servas ainda chegariam até o começo do inverno e os postos sofreriam alterações até o fim do verão. Por dentro, as acomodações eram bastante simples: haviam só dois cômodos além do dormitório propriamente dito, e eles incluíam uma casa de banho e uma cozinha. Cada uma tinha seu próprio beliche e os uniformes estavam esperando-as sobre os catres. Lana nunca tinha tido uma visão melhor do que aquela.

Na manhã seguinte, Lana acordou antes de todas as outras meninas. Por um minuto, ela se permitiu parar no meio da agitação do despertar palaciano. O outono despia as árvores e as folhas caíam no chão com uma dança rodopiante e bela. Lana sentia as pétalas tocarem seu rosto e abriu os dedos para acomodar uma delas na palma de sua mão. Por um momento, ela vacilou. Suas memórias retornavam camada a camada, puxando umas as outras como se estivessem em uma teia. Aquele lugar majestoso abrigava a doçura de seus momentos mais felizes e o fel de seus piores pesadelos em igual medida. Era estranho retornar para um tempo onde tudo viria a ser, mas ainda não era.

Lana estava, finalmente, no começo e no fim de tudo.



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