2. O Despertar

Quando a luz tocou seus olhos, o corpo de Lana encolheu em protesto. Agarrou-se um minuto a mais ao sono, tentando afastar os efeitos do despertar brusco. Então lembrou-se de uma alcova de prostituta e de um copo de vinho envenenado e sentou-se se supetão, atormentada.

Estava em um grande quarto com cortinas de seda, deitada numa grande cama esculpida e coberta com peles. Seu peito doeu diante da familiaridade. Ela reconhecia cada detalhe daquele lugar, desde os objetos sobre a penteadeira até os riscados do chão de madeira. Aquele era o seu quarto de dormir na casa de seus pais, o mesmo que havia usado por uma vida inteira. Aquele era o lugar onde ela havia crescido. Aquele era o lugar de onde ela nunca deveria ter saído.

Quando levantou-se, percebeu que enroupava até as mesmas vestes de dormir que costumava usar no passado. Nada daquilo fazia sentido, então certamente devia ser um sonho. Onde estava o Imperador? Por que o eunuco Gui tinha sumido? Por qual razão ela tinha voltado para casa? Lana tinha plena consciência de sua própria morte, mas ainda não parecia estar no pós vida. Era tudo físico demais. Talvez fosse como diziam os teólogos e a Deusa tivesse preparado um lar para sua alma. Ela nunca havia pensando que a coisa podia ser tão literal!

O susto inicial deu espaço a uma espécie de encantamento. Lana estava tomada pela nostalgia e tinha os olhos enevoados pelas lágrimas. Começou a andar pelo quarto e lentamente avaliou os objetos, tocando-os e girando entre seus dedos. Estava tudo ali. O pesado guarda-roupa de madeira ainda abrigava seus vestidos de juventude e a caixinha sobre a penteadeira ainda continha todas as joias das quais ela se lembrava. Ao puxar a gaveta da cômoda, deparou-se com as cartas de um antigo amante ainda guardadas com carinho. Engoliu em seco quando ergueu o espelho de prata e viu que seu rosto de doze anos atrás lhe encarava. As peças não pareciam se encaixar. Era como se ela tivesse encapsulada no tempo, de volta a quando todas as coisas eram mais jovens e mais vívidas.

A pesada porta de madeira abriu e deixou uma pequena mulher passar. Era jovem e bela, mas apesar dos trajes finos, tudo nela indicava alguém da criadagem. Trazia nas mãos um gomil de porcelana pintada e deu um sorriso reconfortante ao perceber que Lana já estava de pé.

— Bom dia, jovem senhorita. — a criada saudou gentilmente. — Já de pé tão cedo?

Engasgada de emoção, Lana teve que conter o ímpeto de se lançar nos braços da jovem servente. Era um prazer rever aquela tez pálida circuncidada por cabelos tão negros e ser contemplada pelos mesmos olhos de âmbar que estiveram ao seu lado durante sua juventude inteira. Até a voz da criada parecia ter um timbre mais doce do que o usual. Nada parecia pertencer mais ao seu lar do que Linete, a sua atendente pessoal. As duas tinham crescido juntas e a moça a acompanhava desde que ela se entendia por gente. Antes de ser uma serviçal, Linete era também uma amiga querida. Revê-la era como encontrar novamente uma parte de si que Lana acreditava já estar morta há muito tempo.

— Você está bem, senhora? — Linete perguntou, preocupada. Só então Lana percebeu que não havia respondido a primeira pergunta da garota.

— Na verdade, eu nunca me senti tão bem. — um sorriso sincero tomou a face de Lana. — Você está se sentindo bem nessa manhã?

Linete estranhou a pergunta. Não era comum que os senhores perguntassem sobre o bem estar de seus servos.

— É claro. — respondeu timidamente. — Precisamos nos apressar, senhora. Seus pais a esperam para o desjejum.

Linete despejou água na bacia para que Lana lavasse as mãos e o rosto. Depois ajudou-a a vestir um bonito vestido com as cores de sua casa. Era todo feito de seda turquesa e possuía um bordado dourado e delicado. As longas mangas quase tocavam os joelhos de Lana e o corpete estruturado deixava antever a parte superior de seus seios. A serva lhe trançou os cabelos e colocou um fio de ouro adornado com pequenas pedras preciosas em sua testa. Quando Linete trouxe o grande espelho de bronze e permitiu que Lana desse uma olhada em si mesma, ela mal se reconheceu. Estava jovem e vistosa. O tom azul do vestido realçava o tom azeitonado de sua pele e o castanho de seus olhos. Era bom ver os cabelos escuros arrumados à moda sulista ao invés da moda imperial. Lana sorriu para si mesma, sentindo a confiança aquecer seu corpo, e deixou os aposentos, partindo em direção às escadas.

Quando não havia nenhuma cerimônia oficial ou convidados importantes, a família real costumava fazer suas refeições em um dos salões interiores na parte inferior do palácio. Era um aposento bem menor, mas igualmente bem equipado para atender as suas necessidades. Os guardas abriram as portas duplas para deixar Lana passar, mas ela sentiu o corpo todo endurecer assim que as atravessou. Sentados à mesa, estavam seus pais. A rainha Fenora ainda era tão distinta quanto ela se lembrava e ainda possuía os mesmos traços, tão iguais aos seus. O rei Elbor tinha ombros largos e uma barba densa e escura, exatamente como Lana se lembrava. Os dois assim, juntos e com vida, a dividir um momento cotidiano, era algo que Lana acreditava que nunca mais veria outra vez. Ela não pode conter a emoção.

— O que há com você, querida? — a rainha questionou.

Ao ver a expressão no rosto da filha, Fenora levantou-se e andou até ela. Lana não foi capaz de se conter e se lançou aos braços da mãe, chorando copiosamente. As duas deslizaram para o chão, ainda abraçadas, e Lana sentiu o peso da mão do pai repousando em seu ombro. Por mais que seus pais lhe fizessem perguntas, ela era incapaz de respondê-las. Seu corpo sacudia-se violentamente com a força dos soluços e as lágrimas não paravam de verter. Era o pranto mais amargo de sua vida, mas também o mais doce. Aquele choro condensava as dores de uma vida inteira e as aliava com o alívio e o prazer do reencontro. Se tudo aquilo realmente não passava de um sonho, Lana decidiu que não queria mesmo acordar.

Lana só se acalmou depois de beber um grande cálice de água com mel. Disse aos seus pais que estivera em um lugar terrível e que os vira mortos, mas eles se limitaram a sorrir gentilmente para ela e garantir que tudo aquilo não tinha passado de um pesadelo. Ela quase chorou novamente quando a criada lhe serviu ovos mexidos, pãezinhos assados e leite adocicado. A refeição matinal do palácio imperial costumava ser muito mais exótica e Lana estava com saudades de sentir sabores tão caseiros dançando em sua boca. Esvaziou o prato e tornou a enchê-lo, para a surpresa de sua mãe. Em uma manhã comum, Lana costumava sentir uma terrível indisposição alimentar e se limitava apenas a experimentar alguns nacos de comida. Não foi a última vez no dia que ela mostrou um comportamento diferente do usual. Nunca antes ela havia recebido as lições de seu professor com tanto ânimo ou bordado tão alegremente com as damas de companhia. Todos notaram o quanto ela parecia alegre e cheia de vida, mesmo que não falassem a respeito. Quando a noite chegou, ela se recusou a dormir. Ficou acordada na escuridão de seu leito até as pálpebras se tornarem pesadas demais. Adormeceu a contragosto, temendo o que viria depois.

No dia seguinte ela despertou na mesma cama, assim como no dia depois dele. Foi necessário que uma semana se passasse antes que Lana aceitasse que não estava de fato sonhando. Sua mente jamais conceberia detalhes tão mínimos e ela duvidava que havia guardado tantas memórias sobre os acontecimentos ordinários do cotidiano. Por alguma razão ainda desconhecida, a morte não havia significado o seu fim, mas apenas um recomeço.

De volta ao ponto inicial de sua jornada, Lana precisava decidir quais seriam seus próximos passos. Ela havia se reintegrado de corpo e alma à rotina de seu lar e o único desejo que possuía era continuar levando aquela vida pacata e feliz até o fim de seus dias. Agir desse modo, entretanto, tinha um resultado já conhecido: seu pai selaria o acordo com a coroa imperial e ela seria feita esposa do príncipe herdeiro. Considerar essa possibilidade fazia com que o sangue de Lana fervesse de raiva. Uma parte dela ainda ansiava pelo sangue do futuro imperador, pois compreendia que essa era a única maneira de colocar o mundo ordem. A princípio não parecia ser possível conciliar essas duas vontades, então qual seria a melhor maneira de alcançar o objetivo final?

A resposta veio de um lugar inesperado. Numa noite em que o sono não vinha, Lana sacou da gaveta todas as cartas que tinha recebido de seu amor do passado e começou a lê-las. Haviam se passado muitos anos desde a última vez que tinham se falado, e mais ainda desde a última vez em que se viram. Mesmo assim, contemplar a letra elaborada de Pan Anen era como rever o próprio rapaz. Lana ainda se lembrava do temor em seus olhos quando ele partiu, do receio sincero de deixá-la. Hoje esses medos pareciam tão infantis quanto eram. Todas as pessoas partem um dia, de uma forma ou de outra. A antiga Lana podia não compreender essa lição, mas a Lana que vivia pela segunda vez compreendia.

Numa carta específica, Pan divagava sobre a dinâmica servil no palácio do Imperador:

Hoje eu vi um homem ser morto. Era um dos doutores da lei e foi executado por traição. Nunca antes senti tanto terror. Meu mestre acredita que ele tenha sido incriminado. Ao que parece, aqui na corte a maioria dos criados é manipulada como peões em um jogo de xadrez. Eles são usados para fazer o trabalho sujo no jogo político. Provavelmente, ele descobriu algo que não deveria e precisou ser eliminado antes que a pessoa por trás dele descobrisse. Suponho que isso também possa acontecer aí nos castelos do Norte, mas aqui no Sul parece ter uma dimensão assustadora. Não há ninguém em que se possa confiar.

Pan podia ser muito jovem para saber o quão correto estava, mas Lana não tinha o mesmo azar. Enquanto dobrava a carta, ela não pôde deixar de agradecê-lo. Suas observações haviam dado a ela muito o que pensar e, consequentemente, uma boa ideia para maturar.

O aniversário de dezoito anos de Lana veio e passou. Ainda não era inverno e, por enquanto, o sol ainda aquecia a região Norte. Muito em breve, ele passaria a oferecer pouco conforto contra o frio penetrante que descia das montanhas e não seria mais seguro viajar. As folhas já amarelavam nas copas das árvores e os pastores armazenavam os últimos frutos de sua colheita. Quando o outono apresentava sua face mais vistosa, Lana finalmente decidiu conversar com seus pais e apresentar as suas intenções.

- Você tem ideia do que está me pedindo? - perguntou Elbor, erguendo os olhos do documento que tinha em mãos. Ele, a esposa e a filha estavam juntos no gabinete real. Discutiam o futuro da moça entre as grandes estantes atulhadas e os papéis empilhados na grande mesa de mogno, acompanhados pelo vapor exalante do chá e pela quentura da lareira.

Lana havia expressado seu desejo de ir para a capital do Império e servir no palácio real. Ela não queria ser uma dama de companhia, como era de se esperar, nem estava pedindo para se casar com um príncipe. Lana queria ser uma serva como qualquer outra, mesmo que isso significasse assumir uma posição muito inferior a sua e trabalhar duramente.

— Garota tola! — Fenora repreendeu. — O que é que você está dizendo? A vida em casa não é boa para você? Você sequer entende o que servir no Palácio significa? É por isso que quer nos deixar?

A determinação de Lana estava bem mais sólida antes que ela chegasse às vias de fato com seus pais. Não era possível nem considerar contar a verdade para os dois, pois eles jamais acreditariam nela.

— Não é sobre como eu vivo agora, mas sobre como viverei no futuro. — ela disse com cautela. — Eu sou sua única herdeira e sei que chegará o dia em que eu vou precisar assumir o trono do Norte. Não acha que isso poderia me ensinar muito sobre o poder, pai?

— Se quer aprender sobre o poder, vá como dama de companhia da consorte real. Eu jamais permitiria que uma filha minha virasse uma serva.

— Não se aprende como exercer o poder com os poderosos, mas com aqueles que mais precisam dele. — Lana argumentou. — O poder na mão de um líder que anseia por ele pode acabar servindo somente aos interesses do próprio líder, mas o senhor que entende verdadeiramente as necessidades de seu povo pode exercê-lo com justiça. Aqui no Norte eu jamais poderia aprender essa lição de maneira tão direta, pois todos conhecem o meu rosto. O jeito de fazer de mim uma boa rainha é permitir que eu sirva na corte imperial e aprenda como é a vida das pessoas mais simples.

— Tola! — a mãe dela censurou. — Você deveria ir para a corte para ser esposa de um príncipe e não para esvaziar os penicos dele.

— Ora, mãe. Eu não sou cega e sei que se unir ao Império é vantajoso para o nosso reino. Se um dia eu me tornar uma consorte imperial — o estômago de Lana deu um salto de repulsa diante daquela possibilidade. — não seria ainda meu dever servir ao meu povo? Como posso fazer bem a um povo que eu não conheço? Como saberei os príncipes são nobres e não homens cruéis que me farão sofrer?

— Há razão em suas palavras, minha filha. — o rei disse. — Mas eu preciso concordar com a sua mãe. Seu lugar é o da honra e do prestígio. Está me fazendo um pedido que eu não posso acatar.

A conversa se deu por encerrada, mas mesmo Lana tenha perdido a batalha, ela não desistiu da guerra. Firmou um comprometimento momentâneo com os pais, mas continuou insistindo com eles de maneira efusiva durante as próximas semanas. Nenhum dos lados parecia pronto para ceder, então Lana precisou recorrer a mecanismos mais chantagistas. Ela chorou e até se recusou a comer, tudo para garantir que seus argumentos fossem ouvidos e convencessem o casal real verdadeiramente. A preocupação os fez ceder diante de sua persistência e, por fim, eles mudaram de ideia.

— Que seja como você quer então. — a voz do rei soou muito grave quando ele disse essas palavras. — Agora eu compreendo que você não vai mudar de ideia e, já que nunca agiu de maneira particularmente impulsiva, lhe darei meu voto de confiança.

— Só espero que você não esteja fazendo tudo isso para ir atrás do garoto Anen. — disse a rainha, massageando as têmporas. Pela feição em seu rosto, o tema claramente a desagradava.

— Pan não me manda nenhuma carta há anos. Eu não poderia continuar amando um homem que se esqueceu de mim. — isso era verdade. Em sua primeira vida, esse fora o principal motivo para que Lana decidisse se comprometer com outro. — Eu apenas desejo o conhecimento para servir bem ao nosso lar e não decepcionar vocês. — o olhar de Lana se voltou diretamente para o rosto do pai. — Esse é o lema de nossa Casa, pai. — ela estufou o peito para poder recitá-lo. — Eduque os ignorantes, esmague os cruéis.

— É melhor que você tenha cuidado. — Elbor recomendou. — A família imperial não é conhecida por sua amabilidade com os criados. Não deixe que saibam quem você é, mas se necessário for, recorra ao seu nome e a sua Casa.

Lana recebeu das mãos do pai um selo gravado em prata. Era redondo e pequeno o suficiente para caber na palma da mão. Tinha sido cunhado com a coruja cornífera, símbolo da Casa Altharian, circundada com o seu lema no idioma original do norte. Na parte de trás haviam palavras escritas no idioma comum que diziam: "Através desse selo o Rei Elbor da Casa Altharian concede à princesa Lana da Casa Altharian a autorização e o direito de agir em seu nome, e a validade máxima de sua identidade".

— Não ouse perder isso. — Elbor frisou. — É sua única segurança.

Lana assentiu com veemência.

A rainha Fenora havia mergulhado em um pesar profundo e não disse nenhuma palavra nos dias que se seguiram. Apesar disso, foi ela quem cuidou dos preparativos para a partida da filha. Foi preciso encontrar um bom guia para conduzir a jovem através da travessia nas montanhas e garantir um lugar em um dos navios que partiam para a capital do Império. Todas as coisas precisam ser modestas e ter aspecto simples, pois assim nenhuma suspeita a respeito da identidade de Lana seria levantada ao longo do caminho. Até mesmo a bagagem tinha aspecto ordinário: dois vestidos de tecido grosseiro e sem corpete, cortados à maneira do povo simples, e um par de sapatos velhos, tudo amarrado em uma trouxa precária de pano.

A última coisa que faltava era uma carta de indicação. Quando os servos serviam bem as suas casas, mas expressavam o desejo de partir, era usual que os senhores redigissem um documento recomendando seus serviços para que não lhes faltasse emprego. O selo de um nobre costumava ser suficiente para garantir que o servo continuasse operando nos círculos sociais mais altos, mas a assinatura de um rei podia fazer maravilhas pela reputação de um criado. Lana conseguiu que o seu pai lhe desse uma, mesmo a contragosto. Elbor tomou cuidado de não deixar muito explícito que ela seria usada no palácio e até incluiu um novo sobrenome para filha: Solo, a alcunha dos nortenhos que não tem família. Ao tê-la em mãos, Lana sentiu pela primeira vez o peso que era renunciar a própria identidade, mas os temores relacionados ao futuro não seriam suficientes para dissuadia-la. Havia coisas demais a serem feitas para que ela se permitisse sofrer com antecedência.

Nas vésperas de sua partida, Linete veio ter com ela. Dessa vez, parecia mais aflita do que nunca. Lana baixou o livro e a encarou com surpresa.

— O que há com você? — ela perguntou, não sem ternura. — Nunca te vi tão tensa.

— Eu gostaria que me levasse com você, senhorita. — Linete respondeu com bastante timidez. —Eu sempre quis ver a capital do Império e... Eu não saberia o que fazer depois que vossa senhoria partisse.

Na sua vida anterior, Linete fora uma das coisas que Lana deixou para trás ao partir. Embora a separação tivesse doído e a saudade não tivesse tardado a despontar, chegou um momento em que ela tinha parado de se perguntar sobre o que teria acontecido com a sua serva. Comovida com o pedido e focada em não cometer os erros do passado, a princesa fez o que podia para levar a serva com ela. Não tardou e uma tal Lana Solo reservou mais um lugar em suas viagens para uma irmã misteriosa. Uma segunda trouxa de trapos simplórios começou a ser feita.

Restava, portanto, somente partir.

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