Reforço, Percepção, Resistência e Cura: As Potencialidades do KEER

Suas últimas palavras animaram-me por completo. Depois do episódio em Anzare, jamais havia conseguido conjurar o fogo novamente. Ter controle sobre esse poder seria deveras útil. Embora, a utilidade desta habilidade era o que menos me cativava no momento, preciso confessar. Na verdade, como um menino, eu estava empolgado, encantado com tal possibilidade, sem ao menos mensurar a respeito dos riscos e suas responsabilidades. 

Mas papai não deixaria com que isso passasse despercebido. Ele era minucioso e meticuloso, jamais me ensinava algo sem avaliar antes as consequências positivas e negativas. E mesmo que estivéssemos em situação de extrema necessidade, pois eu precisava aprender aquilo o quanto antes, ainda assim, nada o impedia de ser cuidadoso.

— Menos, Ravel — advertiu ao perceber minha reação. — O que você irá aprender agora é extremamente perigoso, em vários sentidos. — Ele levantou o dedo indicador enquanto falava e depois cofiou a barba. — Você precisa ser cauteloso com o que vou te ensinar.

— Tudo bem — concordei, mas ainda com um sorriso distraído no rosto.

— Você não entende — falou e carregou um pouco o cenho diante do meu comportamento displicente. — Muitos farão de tudo para destruí-lo por causa disso. As pessoas temem o que não compreendem e destroem o que não podem controlar — afirmou num tom seco e com expressão de reprimenda.

Uma sensação gélida traspassou-me o peito censurando-me o sorriso. Os olhos negros e sérios do velho mestre fizeram-me reconhecer a gravidade do assunto.

No fundo, aquele clima misterioso despertou ainda mais o meu interesse. Então, desfiz-me da postura descuidada e assumi um ar mais diligente.

Papai recebeu essa nova atitude com revelada satisfação. Sua fisionomia relaxou-se um pouco e pousou novamente as mãos sobre os joelhos.

Ao meu lado, Leo apenas observava tudo de soslaio.

— Bom — papai começou a dizer —, para que você possa conjurar o ON, primeiro você precisa compreender perfeitamente como funciona o EN...

— Mas o senhor já não me ensinou sobre o EN? — perguntei um pouco afoito e ganhei um olhar de censura novamente.

— Nosso treinamento foi interrompido naquela última vez — afirmou e no mesmo instante lembrei de quando estava pela primeira vez experimentando o modo sensorial antes da batalha de Anzare. — Mas agora, precisamos prosseguir. Temos pouco tempo e precisamos aproveitá-lo ao máximo — asseverou.

Acenei concordando e posicionei-me com a coluna mais ereta tentando transparecer o mais concentrado possível.

— O EN e o ON estão intrinsecamente interligados de modo que torna-se necessário compreender como ambos funcionam e qual a relação entre eles  — afirmou. — Você já sabe que em modo EN se conjura o keer que está dentro de você e em modo ON o keer que está fora. Correto?

— Sim — respondi, recordando-me das instruções que havia recebido quando estávamos sobre o grande monólito cinzento.

— Pois bem — prosseguiu —, primeiro concluiremos o seu treinamento no EN e em seguida partiremos para o ON — disse e ficou de pé, fazendo sinal com a mão para que eu fizesse o mesmo.

Levantei-me depressa tentando conter ao máximo a ansiedade que crescia dentro de mim.

— Faça a conjuração do EN — ordenou.

Sem demora, fiz como pedira e avancei rapidamente pelos três portais do controle total, bloqueando o fluxo dos pensamentos, anulando completamente as emoções e controlando por completo os meus sentidos.

— Eloi keer EN — murmurei as palavras da conjuração assim que atingira o controle total. 

— Agora procure sentir o keer dentro de você — orientou apontando com o indicador para o meu peito.

— Mas como farei isso? — repliquei.

— Feche os seus olhos — recomendou e eu segui sua instrução sem hesitar. — Agora busque em seu interior uma sensação... — Sua voz estava compassada, quase rítmica como uma canção. — Você vai perceber pequenas pulsações espalhadas por todo o seu corpo.

Fiz como ele ordenara e no mesmo instante percebi como que se acontecessem minúsculas explosões por todo o meu corpo.

— É como se... Inúmeras explosões acontecessem simultaneamente por toda a extensão do meu corpo — descrevi.

— Esse é o keer dentro de você. São como pequenas fontes de energia que se estendem por todos os seus membros, órgãos, corrente sanguínea... — Sua voz pausou por uns segundos e depois continuou: — Enfim, por todo o seu interior. Essas são as partículas do keer que estão distribuídas por todo o seu corpo.

— Uau! — exclamei. — É uma sensação... Muito... — Procurei a palavra que melhor denotasse a sensação. — Incrível!

— Agora abra os olhos, Ravel — falou a voz grave de papai capturando novamente minha atenção.

Imediatamente abri os olhos e os repousei sobre ele.

— O keer conjurado em modo EN nos dá a possibilidade de potencializar nossas habilidades naturais — afirmou. — Por exemplo, quando você entra no modo sensorial, você está, na verdade, utilizando o keer para potencializar a percepção dos seus sentidos. Mas existem outras habilidades que também podem ser potencializadas — revelou.

— Sério? — Quis saber. Ele acenou com a cabeça.

— Veja. — Ele abaixou e pegou uma pedra mais ou menos do tamanho da palma de sua mão e a arremessou. 

A pedra viajou por uma distancia impressionante até cair sobre a grama verde dezenas de metros a frente. Entretanto, não compreendi o que aquilo significava.

— Eu usei praticamente toda a minha força neste arremesso — confessou. — Mas observe agora.

Ao dizer isso ele conjurou o keer no EN proferindo as palavras de conjuração e, em seguida, pegou outra pedra semelhante à primeira, olhou-me nos olhos como se conferisse que eu estava atento e depois arremessou.

Mal pude acreditar no que meus olhos viram. A pedra viajou pelo ar numa distância impressionante. Utilizando a percepção sensorial, busquei a pedra com os olhos e fiquei fascinado ao perceber que o arremesso potencializado com o keer tinha atingido uma distância muito maior do que o primeiro.   

— Quatro vezes mais longe — revelei.

Papai acenou positivamente com a cabeça. 

— Você entendeu o que eu fiz?

— O senhor potencializou a força de seu braço utilizando o keer — declarei.

  — Exatamente — afirmou. — Agora faça você — ordenou.

Procurei pelo chão uma pedra de tamanho semelhante e a apanhei. Preparando-me para o arremesso.

— Agora potencialize a força de seu braço — instruiu.

Hesitei um pouco tentando compreender como poderia fazer aquilo.

— Apenas se concentre na força do seu braço. É o mesmo princípio do modo sensorial quando você potencializa um dos sentidos — explicou.

Certamente essa orientação iluminou-me a compreensão e fiz exatamente como recomendara. Então, semelhantemente como no modo sensorial, direcionei a concentração para a força do braço e senti as pequenas explosões sendo direcionadas para os meus músculos.

Sentindo-me pronto, arremessei.

A pedra viajou formando um enorme arco no céu percorrendo uma distância assombrosa.

Assustei-me quando constatei que a pedra tinha ido muito além da que meu pai arremessara.

— Uau! — exclamei levando a mão à boca.

Papai acenou com a cabeça demonstrando-se satisfeito.

— A potencialização da força nos permite inúmeras possibilidades — acrescentou. — Por exemplo. Através dessa habilidade, você pode aumentar sua velocidade — falou, flexionou as pernas e se projetou numa corrida de dez metros em rapidez espantosa.

Antes que eu desfizesse a fisionomia de fascínio, ele continuou com a demonstração causando-me ainda mais assombro.

— Ou, então, você pode fazer desta maneira.

Mais uma vez ele flexionou as pernas, só que em vez de correr, ele saltou numa altura aproximada a quatro metros e pousou novamente levando uma mão ao chão e dobrando os joelhos para absorver o impacto.

— Vamos... — disse gesticulando com a mão. — Tente fazer.

Entusiasmado com tudo aquilo, concentrei o keer em minhas pernas flexionando-as exatamente como papai fizera e saltei. Subi desengonçado pelo ar e desci pior ainda. Os pés chocaram-se firmes contra o chão sem conseguir absorver o impacto perfeitamente. 

 Acho que preciso praticar isso, pensei, sentindo uma pontada de vergonha ao notar o sorriso na boca do Leo.

Saltei seguidamente para praticar. Na terceira vez já dominei o impulso de subida e a absorção do impacto na chegada.

Logo depois eu corri. Tive dificuldade ao perceber as pernas mais velozes do que o corpo e compreendi que eu precisava dosar a distribuição do keer entre força e equilíbrio, exatamente como no salto. Não demorou muito e eu já estava fazendo tudo perfeitamente.

— Isso é... Fantástico — admiti.

Papai anuiu sem censura diante da minha euforia.

— Você pode potencializar tudo o que demande força. Como, aumentar a força e a agilidade de seus golpes, arremessar, saltar e até mesmo elevar objetos pesados — explicou em voz passiva, sem demonstrar animosidade com tudo aquilo, embora estivesse visivelmente satisfeito com meu desempenho. — Agora —  falou denotando mais seriedade —, tudo tem um limite. É bom que você encontre o seu logo.

Rapidamente assumi uma expressão mais séria conforme exigia a última recomendação de papai e aquiesci num gesto de queixo, lembrando de todos os seus ensinamentos ao longo dos anos. Eu deveria testar as minhas novas habilidades o quanto antes, a fim de compreender as minha possibilidades, e, também, as limitações a elas impostas. 

Mas os testes teriam que ficar para depois, pois o velho guerreiro tinha pressa em me transmitir todo o conhecimento possível enquanto tínhamos oportunidade.

— Precisamos continuar, Ravel — afirmou e prosseguiu assim que manifestei concentrar minha atenção nele: — Ao todo existem quatro potencialidades. Além das já mencionadas Força e Percepção, ainda existem as potencialidades de Resistência Cura

"Resistência está relacionada à capacidade de potencializar a reposição de energia no organismo permitindo uma recuperação mais rápida, ou, então, evitando o desgaste mais rápido de energia.

Meu cenho crispou-se imediatamente revelando incompreensão ao que falara.

— Todo o esforço realizado acaba gastando energia. Seja utilizando ou não o modo EN e o ON. Quando você se sente cansado depois de uma atividade ou exercício, isso apenas quer dizer que você gastou suas energias — afirmou levantando o indicador. — Essa energia é reposta de duas formas: Alimentação e descanso.

"Quando nos alimentamos, por exemplo, repomos em nosso organismo os nutrientes gastos. Por isso precisamos nos alimentar regularmente, pois, de certa forma, estamos sempre gastando energia. Assim dizendo, tanto a fome como a sede são apenas sinais do corpo informando-nos da necessidade de reposição desta energia — informou e entrelaçou os dedos das mãos.

"Já o descanso, por sua vez, funciona de modo diferente. Quando descansamos, embora nosso metabolismo continue funcionando, ele deixa de gastar energia e começa a recarregá-la. A pergunta é: De onde nosso corpo busca energia para recarregar-se?"

— Do keer? — respondi, hesitante.

Papai anuiu com a cabeça.     

— Quando repousamos ou dormimos — continuou —, nosso organismo se reabastece com a energia do keer, só que de modo inconsciente. O que fazemos no modo EN, no entanto, é realizar esse processo de forma consciente e intencional. 

— Uau! — exclamei, completamente surpreso e admirado com toda a explicação, encontrando sentido lógico em tudo o que foi mencionado.

— Eu já mencionei que a energia da vida vem do keer. Certo? — Ele questionou. — Isso quer dizer, que nosso corpo usa naturalmente a energia do keer como uma fonte de reabastecimento, ainda que na maioria das vezes faz isso de maneira instintiva.

"Até pouco tempo, só conhecíamos três habilidades que poderiam ser potencializadas: Força, Percepção e Cura. Entretanto, depois de muito treinamento, descobri uma forma de potencializar o recarregamento da energia do corpo utilizando o keer. A essa potencialidade, sua mãe e eu denominamos de Resistência.

"Essa potencialidade nos permite dosar o desgaste físico pelo uso do keer e recarregar as energias de modo mais rápido — concluiu a explicação revelando moderada satisfação nos olhos.

Meus olhos observavam as expressões do velho mestre enquanto explicava os conceitos do keer. Hoje compreendo a facilidade que Mainz tinha em transmitir o conhecimento de forma simples e desembaraçada. Conceitos que mestres levam anos para transmitir aos seus alunos, eram facilmente ensinados pelo senil guerreiro em poucas horas.

A cada dia, a cada batalha e ensinamento, mesmo nas coisas mais triviais, pude perceber sabedoria na forma como o velho vivenciava tudo. Isso só fazia aumentar a minha admiração por ele.

— Consegue compreender o que digo? — quis saber, relaxando as mãos mais uma vez sobre as pernas.

Acenei positivamente com revelado entusiasmo.  

Tudo aquilo deixava-me extasiado. Era um universo novo para mim, do qual, há alguns dias atrás eu não tinha ideia que existia. 

Saber sobre o keer mudou para sempre a minha maneira de ver o mundo e as coisas. E não somente isso. Não foi apenas a minha percepção da realidade que havia se transformado. Eu não era mais o mesmo. Aquele dia verdadeiramente foi um divisor de águas em minha existência. Sem dúvida alguma, compreender o keer, suas leis e suas potencialidades expandiram meus horizontes além do que eu jamais poderia prever. E aquilo era só o começo. Existia muito mais a explorar. Conhecimento é poder!  Cada vez mais essa frase fazendo sentido para mim.

Fiquei alguns segundos refletindo sobre tudo o que ouvira até aquele momento. Então, perguntei como para passar a limpo:

— Isso quer dizer que através das potencialidades do keer nós podemos aumentar nossa força e agilidade, ampliar nossas capacidades sensoriais, retardar o desgaste físico, recuperar-se deste mesmo desgaste de forma mais rápida e ainda regenerar-se de ferimentos? — As palavras saíram céleres por entre os lábios. Estava difícil conter a euforia pelas recentes descobertas.

— Sim — disse papai e hesitou. — Basicamente. Na verdade, nós nunca podemos descartar as ligações destas potencialidades com a nossa própria herança de sangue — afirmou.

De súbito, fui precipitado mais uma vez no abismo da incompreensão. Quando pensava que não havia mais o que saber sobre o keer e suas leis, enormes ondas chocavam-se contra a minha cabeça aturdindo-me por completo e revelando que aquele mar era bem mais profundo do que eu imaginava.

Mais uma vez eu passei as mãos sobre o rosto, cocei os olhos e respirei fundo.  

Do meu lado direito, só que um pouco mais afastado, Leo observava tudo sem interferir. Sua fisionomia estava tranquila, sem demonstrar-se surpreso com nada daquilo. Provavelmente ele já deve saber de tudo isso, presumi. Só pra variar.

Isso também queria dizer que eu precisava prosseguir. Não podia ficar para trás.

— Mas você não precisa desanimar com isso — consolou-me o velho mestre. Sua vida inteira foi um treinamento de preparação para que você pudesse dominar perfeitamente esse poder compreendendo seus conceitos quando chegassem a hora — revelou. — Com as bases e os fundamentos que você já tem, tudo será assimilado de forma mais rápida e fácil — concluiu.

Relembrei de todas as aulas e treinamentos que tinha realizado com ele e mamãe até aquele dia e compreendi o sentido de suas palavras.   

— Muito bem — falei, ansioso por continuar. Não tinha tempo a perder. — Vamos lá... me conte mais sobre as leis do keer e suas potencialidades — requeri, já sentindo o mundo girar com tanta informação, mas determinado a prosseguir.

Ele assentiu positivamente. Quase vi um sorriso desenhado nos lábios do velho, contudo, penso ter sido apenas uma impressão.

Continua...

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