O Temível Mapinguari


A besta parou defronte ao meu pai que brandiu sua espada, impressionado, sem acreditar no que seus olhos contemplavam.

A cada respirada da fera podia se ouvir o chilreio do ar ao ricochetear em suas enormes e afiadas presas que pareciam concorrer com a lâmina nas mãos de papai. A diferença era que enquanto meu pai carregava apenas uma espada, a boca do animal era toda circundada por inúmeros dentes que ficavam distribuídos na expressiva bocarra em formato oval. 

Tão grande quanto os troncos das árvores mais altas, a cabeça do Mapinguari alcançava as copas, tamanha a altura da criatura monocular. Observando de perto, era possível perceber que a criatura superava facilmente os cinco metros. É bem maior do que eu imaginava, conclui.

Papai fez gesto com a mão esquerda para que Leo e eu permanecêssemos atrás dele, como se pudesse ser diferente. Não precisa nem pedir, respondi mentalmente.

A besta permaneceu parada, no entanto, sua postura era visivelmente hostil e ameaçadora com os braços levemente arqueados.

As mãos semelhantes às nossas, com exceção das exageradas garras do tamanho de um braço humano. Numa atitude que causava agonia, a criatura tamborilava com os dedos raspando uma garra na outra emitindo um som agudo como metal ao ser amolado. A sensação era que aquelas coisas ansiavam por rasgar as carnes dos invasores indesejados.

Sem hesitar, papai avançou e golpeou o flanco esquerdo da fera, que sequer esboçou reação. Nada aconteceu. Então, ele tentou novamente e novamente, mas a pele do guardião da floresta parecia impenetrável.

Numa atitude de puro desdém, o Mapinguari olhou para famosa lâmina aaori e depois para os olhos de papai, como se estivesse desapontado com a inofensividade dos ataques recebidos.

— Impossível! — murmurou Leo.

Ambos ficamos chocados quando percebemos que a mesma lâmina que havia dilacerado dezenas de inimigos na batalha de AnZare agora parecia um mero brinquedo ineficaz.

Depois de realizar vários ataques frustados, o velho guerreiro pareceu mudar de tática. Ele assumiu uma postura concentrada e, mesmo estando de costas para nós, vimos quando seus músculos se retesaram igual ao couro enrijecido. Imediatamente, papai segurou firme a espada com as duas mãos e flexionou ambas as pernas. Assim que ambas as mãos juntaram-se sob o cabo do sabre, a lâmina encorpou umas três polegadas e aumentou uns vinte centímetros de comprimento. 

A parte oposta ao corte da espada agora era formada por uma linha reta. Já a lâmina passou a apresentar uma curva bem mais acentuada.

Não bastando a aparência opulenta do sabre, algo ainda mais impressionante chamava atenção.  O corte da  espada pareceu adquirir um aspecto bem mais contundente transmitindo revelada agressividade. 

A impressão era que aquela magna espada somada à força do espadachim lendário com os músculos sobressaltados poderia de uma vez por todas penetrar a pele do Mapinguari.   

Leo e eu ficamos admirados com a incrível habilidade demonstrada, a qual não havia sido revelada na batalha anterior.

Ao olhar para o guerreiro a nossa frente, a sensação que tínhamos era que não havia limites para suas habilidades e técnicas.

A fera, entretanto, indiferente, como se nada estivesse acontecendo, permanecia imóvel parecendo desafiar a destreza e o poder do adversário e sua arma.

Sem hesitar, papai curvou os punhos para trás como se pegasse impulso. Utilizando as pernas como alavanca condicionando considerável aumento na força e velocidade, a Lâmina Letal desferiu um golpe violento em diagonal da direita para a esquerda. 

A ferocidade da investida fora tão grande que o corte da espada chega sibilou ao cortar o ar dando a impressão que desta vez cortaria ao meio a terrível besta da floresta. Entretanto, o que se seguiu deixou-nos com as pernas moles e o ânimo abalado.

Um estrondo seco se propagou pelo ar quando, sem muito esforço, o Mapinguari parou a lâmina da espada com as garras da mão esquerda. Em seguida a fera encolheu a mão direita na altura do ventre e contra atacou com violência usando a parte posterior das garras. O golpe atingiu em cheio as costelas na lateral direita de meu pai que foi arremessado longe com a força do golpe parando apenas quando atingiu com as costas o caule de um pomposo carvalho velho.

Não houve mais reação. O lendário espadachim caiu desacordado, tamanha a brutalidade da pancada.

O guardião da floresta olhou para o corpo abatido ao sopé da árvore e depois assentou seu único olho sobre mim como se eu fosse a próxima vítima. Com assombrosa expressão, a fera soltou novamente um veemente e estrondoso rugido, que por muito pouco não estourou a minha cabeça.

Atordoado, meu corpo todo estremeceu assim que aquele olhar frio e assustador repousou sobre mim. Era como se o Mapinguari estivesse me dizendo: "Você é o próximo!"

Eu correria se fosse possível, mas como faria isso?

Ao olhar para o corpo do meu pai estirado no chão e depois para o Leo e ver a sua perna fraturada reconheci que fugir não era uma opção. Não posso deixá-los, conclui.

Mais uma vez me vi encurralado tendo diante de mim um inimigo poderoso capaz de derrotar o lendario espadachim da Terra. Como poderei vencê-lo? Não houve resposta alguma.

Antes, porém, que eu pudesse considerar minhas alternativas, Leo tomou a minha frente colocando-se entre a besta e eu. Ainda tentando entender o motivo pelo qual ele fizera isso, fui surpreendido por suas palavras:

— Corre, Rav! — disse com a voz gélida e firme.

— Não diga besteiras numa hora dessas — rebati, atônito por causa da atitude dele e ao mesmo tempo sem saber o que fazer.

— Você precisa fugir — insistiu. — Você precisa sobreviver!

— Eu não posso te deixar aqui! — afirmei já com o coração apertado e os olhos embaçados pelas lágrimas.

O coração acelerado e as pernas moles. Um turbilhão de pensamentos turvando a mente impedindo-me de refletir e arrazoar em busca de uma saída.

De costas para mim, Leo parecia sereno, como quem estivesse absolutamente decidido sobre o que deveria fazer.

— Você não entende — disse ele. — Tem muita coisa em jogo. Há muito tempo o mundo aguarda pela esperança de dias melhores, pelo nascimento daquele que trará o equilíbrio e porá um fim aos tempos de guerra. — Após dizer isso Leo cerrou o punho com força e me encarou por sobre o ombro esquerdo com olhar determinado e convicto. — Por isso eu não posso deixar você morrer aqui! — assegurou confiantemente e voltou os olhos para frente.

— E porque eu não devo morrer aqui? Porque você tem que morrer para me salvar? — gritei.

— Por que é o meu dever proteger o Descendente do Dragão Vermelho! — assegurou Leo num sussurro baixo.

Não houve mais tempo para nada. Ainda que essa revelação deixara-me ainda mais confuso, assim que Leo proferiu essas últimas palavras o guardião da floresta fechou o punho da mão direita e desferiu um poderoso soco de cima para baixo em direção ao Leo, que permaneceu parado como quem aceitasse o seu destino.

Sem entender o que aconteceu, quando me dei por conta eu estava na frente do Leo e com a mão direita estendida, a mesma do braço fraturado, mas desta vez, inexplicavelmente sem dor.

O choque foi brutal. A força do golpe fora suficiente para destruir qualquer coisa a sua frente, no entanto, fiquei completamente estarrecido quando percebi o que havia acontecido.

Com a palma da mão aberta, sem saber como, havia segurado o bestial ataque do Mapinguari, que me observava com seu único olho esbugalhado parecendo não acreditar no que estava contemplando.

Um grande contraste delineou-se bem na frente dos meus olhos. O braço esguio e de aparência frágil contendo o ímpeto colossal da manzorra da besta.

Como isso é possível?, pensei, ainda perplexo.

Sem demora, o Mapinguari recuou o punho frustrado e se projetou preparando-se para uma nova investida.

Uma confiança descomunal me sobrepujou, como se eu pudesse, naquele momento, enfrentar e subjugar qualquer inimigo.

Encarei a besta com olhar determinado. O temível Mapinguari já não me parecia tão ameaçador como dantes. De alguma forma inexplicável, sabia que poderia derrotá-lo.

O guardião da floresta pareceu hesitar dando um passo para trás com a perna direita.

Eu estava pronto. Confiante para destruir a besta lendária. Eu queria isso!

Por alguns segundos minha mente recordou da sensação que sentira ao eliminar o Naelin e desejei ardentemente por mais do mesmo.

Senti uma força incomum perpassando por todo o corpo. Não sabia como ou de onde vinha, só sabia que era poder, e poder bruto.

Sem demora, flexionei minhas pernas e me preparei para o ataque. 

Antes, porém, que a batalha continuasse, o galho de uma árvore próxima começou a remexer capturando a minha atenção. Do meio das folhas, uma voz aguda como de criança se fez ouvir:

— Mas... O que diabos é você, garoto?

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E aí, o que você está achando da história até agora? Ansioso para saber a sequência? Curioso para saber mais a respeito da identidade do Ravel? Deixe seu comentário aqui. É muito importante para mim e para o desenvolvimento da história 😉

Ah, sei que tem muitos leitores aqui que já pensaram em várias teorias. Quer compartilhar conosco? Vamos lá, vai ser divertido 😀😁

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