O Poder de um Guardião - Capítulos Finais

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Visivelmente aterrorizado, Erdom deu dois passos para trás e olhou para mim. Com os olhos saltando-lhe as órbitas meneou a cabeça negativamente em uma clara postura de resignação.

— Precisamos fugir — advertiu como se estivesse perante uma assombração. — Corre! — gritou virando-se para as saídas, mas ao fazer isso deparou-se com ainda mais soldados entrando pelos outros corredores e fechando todas as opções de fuga. 

Empalidecido, Erdom virou-se novamente para frente com olhar gélido. Sua fisionomia revelava um espanto anormal, como se não fosse o exército que o amedrontava, mas algo terrivelmente pior.

Acompanhei a direção de seus olhos em busca de compreender o que havia despertado tamanho terror em um guerreiro tão hábil quanto ele, até que minhas vistas encontraram a figura sombria ao lado de Cazel.

A silhueta de um homem coberta por uma capa negra com detalhes em vermelho descendo pelos ombros até os pés com algumas pontas derramando-se pelo chão.

O manto aberto na frente revelava um dragão vermelho enrolado esculpido em metal flamejante. O símbolo do império, reconheci. 

Concentrei a visão na face do homem e inflamei um pouco as vistas devido a distância. 

— Não pode ser! — murmurei, perplexo, impressionado com o que meus olhos contemplavam.

Os cabelos curtos e as maçãs do rosto chupadas para dentro formando covas em sua face delineando os traços de uma expressão familiar. Os olhos amarelos como duas brasas incandescidas de longe repousados sobre mim em uma encarada ardente.

Continuei observando o homem ainda tentando assimilar o que estava acontecendo. Um suspiro profundo encheu meus pulmões assim que as dúvidas foram dissipadas.

Ele não trajava mais as vestes simplórias e maltrapilhas de outrora, nem mesmo tinha as características de um serviçal qualquer. Agora, sua imponência marchava à sua frente como insígnia de sua representação. Ainda assim, jamais me esqueceria daqueles olhos, os olhos do homem que me ajudou a escapar da cela entregando-me a fruta do dragão. 

— Quem é ele? — perguntei, dirigindo-me a Erdom, sem saber a verdadeira identidade do sujeito a nossa frente.

Ele virou seu rosto nitidamente abalado em minha direção como se eu devesse saber quem era o tal homem e disse baixinho: 

— Ele é o Imperador Tarus, Guardião do Fogo! — Sua voz saiu minguada, trêmula, como se falasse a respeito de uma assombração e não de um homem.

— Então este é o Tarus...

Enquanto encarávamos o imperador inúmeros soldados cruzavam as entradas lotando o pátio onde estávamos inchando cada vez mais o grande exército que já contava com centenas, talvez milhares.

Sem possibilidades de fugir com todas as saídas bloqueadas, ficamos ali, parados, sem saber o que fazer. A torre onde estava o meu pai ficava a pouco mais de cem metros de distancia, porém, entre ela e nós, um exército liderado pelo próprio imperador do fogo se nos oferecia como obstáculo.

Droga, praguejei em pensamento. Eles são muitos!

O cenário cada vez mais crítico desfavorável requeria uma solução rápida ou seríamos engolidos por uma avalanche de soldados.

— O que vamos fazer? — perguntei, tentando arrancar Erdom do seu estado de contemplação. Ele me encarou mais uma vez com olhar abatido e fisionomia entregue.

— Como assim o que vamos fazer? — rebateu levando ambas as mãos à cabeça. — Acabou, garoto. Você não entende?

Suas palavras me pegaram de surpresa. A poucos minutos atrás sua determinação era tanta, que ele avançava decididamente contra os inimigos como se eles não fossem nada. Agora, no entanto, sua face pálida exprimia desespero, desespero tal que aumentou assim que Tarus começou a marchar lentamente em nossa direção, sozinho. Quanto mais perto ele chegava, maior era o terror estampado na face de Erdom.

O imperador parou a poucos metros a nossa frente. Imediatamente Erdom prostrou-se aos seus pés até encostar sua testa no chão.

Tarus espremeu os lábios e acenou com o queixo para baixo olhando para mim, como quem esperasse igual veneração.

Permaneci imóvel, sem saber o que fazer. Era uma situação completamente nova, a qual eu não havia me preparado para vivenciar. Eu sequer pensei na possibilidade de me encontrar pessoalmente com Tarus, ali, naquele momento, naquela ocasião, quanto mais me ajoelhar diante dele.

— É prudente ajoelhar-se perante o seu Imperador — assegurou ele, com voz imponente e aspecto soberbo.

Continuei paralisado, recusando-me a fazer sua vontade, mas sem esboçar qualquer outra reação.

— Por quê? — perguntei. — Por que me enganou? — A lembrança do homem esguio do outro lado das grades me trazendo esperança foi virando fumaça espalhada pelo vento.

— Eu não te enganei — respondeu. — Embora seja um direito seu pensar assim. — Sua aparência era resoluta e intimidadora. Ele sequer se movia enquanto falava. — Mas deixe-me oferecer-lhe uma outra perspectiva — declarou arqueando as sobrancelhas de um supercílio ossudo e expressivo. — Suponhamos que, em vez de enganá-lo, na verdade, eu tenha te testado e, junto com o teste, te oferecido uma oportunidade.

— Que oportunidade? — questionei prontamente.

— Ora, a oportunidade de realizar o que queria. Vejamos, o que o impede, agora mesmo, de avançar até onde Mainz está e cumprir o seu plano de resgate?

Suas palavras soavam desafiadoras, não irônicas, nem mesmo sarcásticas, simplesmente desafiadoras. Como se ele me instigasse a seguir com o plano.

— Você me impede — afirmei olhando em volta. — Você e esse seu exército!

Tarus acenou com a cabeça levemente e espremeu os lábios.

— Bom, se esse é o problema... — Tarus levantou a mão direita olhando ao redor, capturando a atenção de todos a nossa volta. — Todos vocês me escutem — disse, aumentando o volume da voz para que todos pudessem ouvi-lo. — Nenhum de vocês impedirá este jovem de passar por nós e libertar Mainz, nosso prisioneiro. Se alguém, seja quem for, criar sequer um obstáculo que o impeça de prosseguir até aquela torre será condenado a morte aqui mesmo e agora. — Ele abaixou sua mão. No mesmo momento olhei para todos ao redor, inclusive Cazel, que estavam perplexos com a ordem do imperador, porém, todos abaixaram suas armas enquanto apenas nos observavam.

— Então você irá me deixar resgatá-lo, assim, sem nenhuma resistência? — questionei.

Tarus sorriu.

— Eu não disse isso, disse? — afirmou, gesticulando levemente com a mão direita.

Crispei o cenho em confusão, sem entender onde ele queria chegar.

— Ora, meu jovem, eu disse que nenhum deles irá te impedir. Desta forma, somos só você e eu — assegurou em tom moderado. — Se você passar por mim, estará livre para resgatar Mainz e ir embora. Dou-lhe a minha palavra.

Após se pronunciar Tarus permaneceu parado, esboçando a maior naturalidade possível, aguardando minha decisão. Não podia negar que se as minhas emoções não estivessem suprimidas pelo controle total, certamente eu estaria me borrando de medo, no entanto, a razão fez questão de calcular minhas chances usando a matemática pura. Um contra um, pensei. Não poderia ser melhor!

Depois de analisar as alternativas reparei que ambos estávamos desarmados. Fiz uma análise rápida do homem de expressão dura e marcada pelo tempo. Coração, têmpora ou pescoço, avaliei, consciente que em um único golpe eu poderia pôr fim em tudo aquilo. 

Não restavam opções. Se eu não enfrentá-lo, de todo o jeito, esse exército não me deixará avançar ou retroceder. A possibilidade de sair dali sem um conflito era nula e as alternativas estavam bastante nítidas adiante. Ou eu enfrento o exército, ou enfrentarei Tarus.

Eu sabia que não seria fácil, mesmo assim precisava seguir em frente. Com certeza enfrentar o exército seria bem pior. Resignado com minha situação, decidi agarrar aquela oportunidade com todas as minhas forças.

Fiz postura de ataque sem retirar os olhos de sobre o imperador, que estranhamente permaneceu imóvel enquanto me observava atentamente.

Antes que a luta começasse, porém, Erdom levantou o corpo deixando a coluna ereta, mas ainda permanecendo de joelhos. Seus olhos fixos aos meus revelando assombro como se não acreditasse no que eu estava prestes a fazer.

— O que você pensa que está fazendo?

— Irei lutar! — declarei, sem desviar os olhos da figura sombria adiante.

— Você não pode — Erdom afirmou. — Ninguém pode enfrentar o Guardião do Fogo. Você não entende?

— Cale-se! — exclamou Tarus com firmeza interrompendo-o e caminhou em sua direção. No mesmo instante Erdom enrijeceu-se transparecendo uma expressão aterrorizada que aumentava conforme o imperador se aproximava. Então, Tarus parou diante do homem ajoelhado e estendeu sua mão direita em direção à sua cabeça. Erdom encolheu-se todo como se tentasse fugir do toque do imperador, mas não foi possível. Tão logo a mão de Tarus encontrou sua fronte o corpo inteiro do homem pulverizou-se em cinzas numa fração de segundos espargindo-se sobre o chão de pedra.

Um terror agudo sobrepujou-me no mesmo instante conduzindo-me a compreender tarde demais o motivo de todo o espanto de Erdom em relação ao imperador. Como ele fez isso?

Tarus deu um passo a frente pisando sobre as cinzas do homem espalhadas pelo chão e novamente dirigiu-me o olhar.

— Pronto, agora somos só você e eu novamente — declarou como se nada tivesse acontecido. Parte das cinzas de Erdom presas à sua capa contrastando o negrume.

Fiquei paralisado com os olhos aprisionados ao pequeno monte de cinzas abaixo dos pés de Tarus. Mas que tipo de poder é esse!, pensei, dando um passo para trás de apreensão. Esse não é um inimigo comum.

A situação estava bastante crítica. Mesmo com os sentimentos suprimidos senti um leve tremor pelo corpo e uma linha fina e gelada subindo do umbigo até o esôfago. 

Vamos, Ravel, pense!

— Por que hesita? — perguntou o imperador antecipando-se, como se pudesse discernir meus pensamentos ao ler a minha expressão. — Você não entende? Não há opções — ele afirmou gesticulando suavemente com a mão. — Como disse antes, agora somos apenas você e eu. Nas últimas semanas tenho ouvido muito sobre você. Aliás, não somente eu, as notícias de como o Usuário do Fogo tem derrotado todos os seus adversários tem se espalhado como o vento por todos os cantos. — O imperador levantou as duas mãos encarando-me com serenidade como quem esperasse um postura mais agressiva de minha parte. — Vamos, mostre-me do que você é capaz — desafiou aumentando um pouco o volume da voz.

Eu não poderia deixar de admitir a razão dele. O exército nos cercava por todos os lados e o contingente inimigo era muito numeroso para que eu pudesse enfrentá-los sozinho. Eu estava encurralado e sem opções. Enfrentar o imperador parecia a alternativa mais arrazoável no momento.

Sem mais alternativas, concentrei todo o meu keer potencializando os músculos das pernas e dos braços favorecendo a força e a agilidade. Sem hesitar inflamei os punhos até que ambos se incendiassem numa luminescência rubra.

— Oh! — exclamou Tarus, parecendo surpreso. — A tão famosa Chama Sagrada — reconheceu, mais uma vez sem se demonstrar desrespeitoso. — Isso parece que vai ser interessante — disse e permaneceu imóvel.

Nesta distância eu só preciso tocar nele com a chama sagrada em qualquer lugar, pois o fogo vermelho o consumirá até a morte, refleti. Mesmo que ele seja veloz, está perto demais para escapar dos meus golpes sem se desviar. E ainda que ele se defenda assim que meus punhos se encostarem nele eu vencerei a luta, conclui.

Decidido sobre o que precisava fazer, sem vacilar, flexionei um pouco as pernas e me arrojei contra o imperador. Eu não preciso feri-lo, só tenho que encostar nele e estará feito. Isso aumentava consideravelmente as minhas chances. Com os músculos potencializados pelo keer venci a distância que nos separava no tempo de uma piscada. Tarus manteve-se imóvel e com olhar altivo. Desferi um chute com o pé esquerdo apenas como distração, aguardando que ele repelisse com o antebraço ou se esquivasse. Porém, ele não fez nenhum e nem outro. O pé acertou em cheio seu ombro sem ao menos demovê-lo do lugar, foi como se eu acertasse uma rocha intransponível.

Aproveitando o mesmo movimento projetei o punho incendiado com a chama sagrada em direção a sua barriga num movimentos tão veloz, que seria impossível ao imperador esquivar-se. Mas algo terrivelmente incompreensível aconteceu.

Tarus não se moveu e eu o acertei em cheio. Venci, pensei, entretanto, antes que eu pudesse comemorar, de uma forma inexplicável, a chama não o devorou, nem sequer se prendeu em seu corpo. Aturdido diante do que meus olhos observavam, direcionei todo o meu keer para o punho direito que se acendeu em labaredas, mas, ainda assim, nada aconteceu.

Perplexo e desorientado, voltei meus olhos para o imperador. Um sorriso orgulhoso se desenhou em seus lábios assim que nossos olhares se cruzaram. Eu não entendo, pensei, observando novamente o meu punho em contato com o corpo do imperador. Isso não faz nenhum sentido!

Sem reação e completamente frustrado, senti o peso da mão de Tarus sobre a minha cabeça. O ar fugiu dos meus pulmões ao lembrar o que havia acontecido com Erdom. Tentei fugir, mas meu corpo não obedecia. Estava completamente dominado e imobilizado por uma espécie de força invisível. 

Imediatamente a chama sagrada se extinguiu contra a minha vontade e todas as forças dos meus membros começaram a esvaírem-se como se a energia que havia em mim escoasse para fora do meu corpo. Era como se eu estivesse sendo... sugado. 

Ao olhar para a mão de Tarus notei algumas linhas avermelhadas como pequenos filetes líquidos subindo pelo seu braço e ocultando-se através das mangas de sua camisa. 

M-Mas o que está acontecendo?, questionei mentalmente sem conseguir mexer os lábios. 

Meus olhos cravaram-se no peito do imperador. Na boca do Dragão, símbolo do império, uma pequena joia em formato esférico refulgia num vermelho intenso e resplandecente. A Pedra do Fogo, reconheci. Naquele momento compreendi a grandeza do poder de um dos quatro Guardiões Elementares.

Inutilmente tentei reagir mais uma vez, mas já não tinha controle algum sobre o meu corpo, que estava cada vez mais fraco, sendo sugado pelo poder da Pedra do Fogo. As vistas embaçaram e em seguida senti as pernas se dobrarem.

— Isso é bem menos do que eu esperava — declarou o Imperador demonstrando desapontamento. — Bom — continuou, abrindo bem os olhos amarelos —, pelo menos agora você está de joelhos diante do seu imperador. 

Essa foi a última coisa que ouvi antes de perder totalmente a consciência.

Continua...

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Mano, o que foi isso?  😲

Quem aí está perplexo também?

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