O Nascimento de um Guerreiro
Antes que eu pudesse compreender o que aconteceu, duas silhuetas surgiram à frente saindo de dentro de uma espécie de alcova formada devido a um recuo na parede.
Eram dois homens altos, cujo aspecto era completamente diferente das demais figuras vistas durante o percurso daquela área da cidade.
Um deles tinha o tronco mais largo e era mais baixo que o outro, vestindo uma camisa de cetim vermelha larga bordada e de mangas compridas.
O outro, mais alto e magro, usava uma camisa semelhante, mas na cor branca com um colete vermelho por cima.
Ambos usavam calça folgada na cor preta com uma faixa dourada de seda presa à cintura.
O da esquerda, mais alto, usava um lenço vermelho no pescoço e tinha argolas presas às orelhas. O mais baixo tinha um lenço semelhante, mas na cabeça, e um cordão envolta do pescoço com um medalhão preso.
Eu parei e me agachei onde Leo estava caído sem tirar os olhos dos homens.
Graças ao Criador, pensei assim que soube que Leo estava bem.
Ele foi golpeado com o bastão na lateral esquerda da cabeça.
Constatado que Leo estava bem, fiquei de pé e observei os dois homens a minha frente.
Um deles segurava um bastão roliço de madeira nas mãos, o que provavelmente fora usado para atingir o Leo.
— Você vem conosco, garoto! — falou o homem troncudo batendo com o bordão na mão em tom de ameaça.
Eu fiquei imóvel. Sem reação. O coração disparou e a mente foi a mil.
O que eu vou fazer?
Não conseguia pensar em nada. Meus olhos pousavam sobre os homens adiante e para o Leo caído ao meu lado.
Correr poderia ser uma opção, mas para onde? Eu abandonaria o Leo ali sozinho? Claro que não!
Precisava encontrar uma alternativa melhor. Mas qual?!
Um tremor originado em minha espinha percorreu todo o meu corpo chegando até a cabeça dando uma pontada fazendo com que parecesse ser perfurada por pequenos alfinetes.
O turbilhão de pensamentos fluía de forma incontrolável quando ouvi uma voz em minha cabeça:
"Ravel, domine sua mente".
A lembrança dos ensinamentos do meu pai brotaram como nascentes em minha mente.
Eu precisava me acalmar e conter o ímpeto desordenado de idéias que surgiam como torrentes em minha cabeça.
Então eu respirei fundo. Desta vez não podia fechar os olhos como costumava fazer, mesmo assim, aos poucos fui me conectando com o ambiente ao meu redor.
Uma sombra espessa se projetava sobre nossas cabeças causada pelas extensas paredes que nos rodeavam.
A falta de luz fazia com que o local onde estávamos assumisse um tom plúmbeo e lôbrego.
O som ritmado do bastão batendo na mão do homem, o ping constante de uma goteira ao atingir uma pequena poça esparramada no chão paludoso.
"Confie em seus instintos", mais um ensinamento do meu pai e mestre surgindo em minha memória.
Enquanto analisava a situação observando cada detalhe que nos cercava, o homem com o bordão fez sinal com a cabeça para o outro.
Prontamente o magricelas com o lenço vermelho partiu em minha direção.
Eu recuei um pouco com a finalidade de ganhar espaço para pensar em uma estratégia.
Sabia que a situação não se resolveria com conversa, então, não me restavam alternativas, a não ser enfrentá-los.
— Pega leve com o menino, Zallo — advertiu o homem troncudo. — Não é pra machucar, só pra capturar — concluiu num sorriso desdenhoso.
Capturar?
— Venha cá, garoto! — O sujeito de camisa branca caminhou em minha direção vagarosamente fazendo gesto com a mão direita me chamando como se eu fosse um cão.
Preciso avaliar meus recursos, pensei sem dizer uma só palavra.
Neste mesmo momento notei que o homem carregava uma espada curvada presa à cintura.
Ótimo, não bastasse serem dois, ambos estão armados.
Eu não tinha nenhuma arma, com exceção da inteligência e do meu próprio corpo. Mas seriam estes recursos suficientes? Isso eu iria descobrir rapidamente.
"A inteligência sempre superará a força". Mais uma vez ouvi a voz do meu pai em minha mente. Então eu observei o homem que se movia em minha direção a passos largos.
Eu deixei que ele chegasse perto o suficiente com o objetivo de ver como tentaria me capturar. O homem veio com os dois braços estendidos e quando chegou perto o suficiente, fechou-os rapidamente na tentativa de me agarrar.
Como havia previsto, eu era mais rápido do que ele e fugi facilmente.
Permiti que ele se aproximasse mais uma vez para uma segunda tentativa. Como eu também tinha previsto, o homem tentou fazer o mesmo.
Neste momento percebi duas coisas: primeiro, meus oponentes estavam desconsiderando completamente quem estava adiante deles. Estavam subestimando-me, e iriam pagar por isso; segundo, também não eram inteligentes, e isso lhes custaria caro.
— Fique parado menino — disse o que estava à frente enquanto abria um sorriso dourado. Seus dentes de cima pareciam ser de ouro. — Não dificulte as coisas, hã?!
Desta vez ele acelerou o passo e sem muita dificuldade, passou os braços envolta do meu corpo e me apertou fazendo pressão.
— Muito bem garoto — falou abrindo um sorriso de satisfação —, eu não quero te machucar, apenas te levar. Agora fique quietinho, hã!
Eu olhei bem no fundo dos olhos negros do homem e sorri. Ele demonstrou-se confuso diante da minha reação, sem saber que havia caído em minha armadilha.
Antes que ele me prendesse, havia levantado os dois braços esticando-os para o alto, deixando-os liberados.
Com as duas mãos livres segurei bem forte nas argolas, uma em cada orelha, e puxei-as com força.
Dois jatos de sangue jorraram salpicando de carmesim a camisa alva.
O homem urrou feito um boi e com a dor, abriu os braços libertando-me por completo.
Assim que ele me soltou, eu abaixei com as pernas flexionadas, segurei pelo cabo da espada e puxei.
Ela saiu com facilidade pela bainha fazendo um silvo contínuo e agudo.
— Seu moleque, você vai me p...
Acertei suas partes baixas com o cabo de sua própria espada antes que ele concluísse.
Assim que ele se curvou, acertei-lhe na têmpora, exatamente como meu pai me ensinara, ao que o homem caiu inconsciente.
Menos um!
O outro homem pareceu surpreso com o ocorrido e me encarou com os olhos esbugalhados.
— É melhor você soltar isso ou vai se machucar menino — disse e apontou com a ponta do bastão para a espada curvada em minha mão. — Uma espada destas pode ser perigosa nas mãos de quem não sabe como manejar.
— Quem disse que eu não sei manejar?
Eu o olhei com argúcia e em seguida comecei a girar a espada demonstrando habilidade e perícia.
Era a primeira vez que manejava uma espada de verdade. Ela era pouca coisa mais pesada do que a minha espada de madeira. Sua principal diferença estava em sua curvatura.
Mais uma vez fui assaltado por minhas memórias.
"Papai, quando é que eu finalmente usarei uma espada de verdade?", perguntara com ansiedade. "Quando você, enfim, for um guerreiro de verdade", respondeu meu pai há mais de quatro estações atrás.
Ao observar minha demonstração o homem pareceu hesitar.
Eu nem me dei conta, mas estava me divertindo com aquilo tudo.
Treinar com meu pai era muito gostoso, mas a sensação do risco e do perigo reais fazia com que a situação ficasse bem mais interessante.
Meu coração estava disparado, mas minha mente sóbria e dominada. Um leve tremor transcorria meu corpo dando um aperto leve no estômago.
Não, não era medo. Era prazer!
Eu estava me deliciando com a sensação de controle. Meu pai não estava ali para me dizer o que fazer e tinha certeza que era capaz de derrotar meus adversários.
O homem com o lenço na cabeça se aproximou com cautela. Diferente do outro, ele não tinha espada presa à cintura, apenas o bastão de madeira, o qual segurava de forma ofensiva enquanto caminhava para frente.
Assim que chegou mais perto, num borrão veloz, o homem desferiu um ataque na vertical de cima para baixo.
Sem dificuldades eu interceptei o golpe demonstrando ar de superioridade.
Antes, porém, que eu pudesse me gabar, senti uma dor aguda no pé da barriga. Defendi em cima, mas descuidei em baixo. Meu oponente me acertou um chute com sua bota de couro.
"O orgulho precede a queda". A voz do meu pai mais uma vez ecoou em minha cabeça. Eu me recompus e brandi a espada, desta vez, com menos arrogância e mais prudência.
O homem investiu novamente, desta vez com uma estocada. Repeli facilmente com a espada e, de forma bastante ágil, girei seguindo o movimento da espada e acertei o homem na fonte, também com o cabo da espada, antes que ele pudesse reagir.
Em seguida, mais um monte de pano colorido estava esparramado no chão, imóvel.
Logo depois, olhei para o pavimento de pedra e observei os dois homens derrotados e inconscientes.
Aquilo tudo era obra de minhas próprias mãos?
Um sentimento diferente de tudo o que já experimentei se apoderou de mim. Satisfação!
Ainda com a espada curva na mão, eu a levantei e contemplei. Sua lâmina era simples, sem grandes detalhes e de apenas um gume. Não havia nada demais nela. Diria, até, que sua moldura e ornamento eram bastante rudimentares.
Nada disso importava. Era uma espada, e era de verdade.
Enfim, tornara-me um guerreiro de verdade.
Encerrando meu estado de auto-contemplação, larguei a espada e fui até o Leo que já demonstrava sinais de reação e o ajudei a despertar.
Confuso, lhe contei que fora atingido na cabeça. Ainda que camuflado pelo cabelo, o galo estava lá, uma pequena protuberância sobressaltada, pontuando o local onde fora a pancada.
Assim que o ajudei a levantar, Leo olhou para o chão e viu os dois homens.
— O que aconteceu aqui? — indagou ele ainda meio desnorteado.
— Nada demais — respondi sem firulas.
Leo franziu o cenho como quem não entendesse nada e levantou os ombros.
— Precisamos ir. — Eu disse, sabendo que a hora já avançava. — Caso contrário, vamos nos atrasar e eu não quero ter que enfrentar o meu pai.
Leo assentiu e seguimos caminho adentro em ritmo mais lento até que ele se recobrasse, o que não demorou muito. Não comentamos nada sobre o ocorrido durante o caminho.
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