O Mestre da Contação
— Vocês querem mesmo que eu lhes conte o que aconteceu?
Leo e eu acenamos com a cabeça positivamente.
— Pois bem, eu vou lhes contar. Mas se forem atormentados por causa disso e, como eu, acordarem no meio de uma fria madrugada achando que um Leão de Fogo está rasgando suas carnes e devorando suas víceras, lembrem-se... Eu os avisei! — acrescentou o velho contador.
— Credo! — murmurei espantado.
Leo me olhou apertando os dentes e com os olhos esbugalhados.
O tapeceiro começou a história.
Ficamos completamente presos às palavras do Tapeceiro e quanto mais ele contava, mais concentrados ficávamos.
—... Não restavam dúvidas, era um leão das montanhas negras de Uguntur, uma Besta do Fogo — Ele falou curvando as costas um pouco, avançando com a face e levando uma das mãos ao queixo.
A forma como ele contava fazia com que eu visualizasse cada detalhe descrito em minha mente. Eu estava em Nanduque juntamente com o velho contador.
Todos pareciam congelados, completamente absortos.
Apenas os homens permaneceram em volta da fogueira.
Ao meu lado, Leo sequer piscava. Estava compenetrado parecendo se deliciar com cada palavra da história assim que proferidas.
Do outro lado do clarão alaranjado, à direita do tio Shep, o pai do Leo transparecia inquietação. Seu semblante tenso se contraía conforme a história ia se desenvolvendo. Ainda que eu não tirasse os olhos do tapeceiro, vez por outra podia sentir os olhos do Sr. Loan sobre mim e o Leo, talvez na tentativa de capturar nossa reação.
— O animal era corpulento, bem maior que um leão comum, com músculos torneados. Seus olhos amarelos brilhavam no escuro, semelhante à brasa tirada do fogo. A cabeça contornada por uma juba chamejante dava impressão de soltar fagulhas de faíscas. Sua pelagem com matizes de amarelo e vermelho até a metade do lombo, contrastava com a capa preta do cavaleiro.
"A cauda era feita de escamas escuras iguais as de uma mamba-negra, medindo cerca de um metro e meio. Semelhante à cabeça de uma serpente, ela ficava encurvada como gancho voltado para cima, balançando de um lado para o outro suavemente em uma dança hipnótica - falou e gesticulou com o braço como se ele fosse uma cobra."
A madrugada já ia avançando noite adentro e a voz falha do vetusto, resultado de sua vida longeva, parecia ranger feito porta de madeira velha em uma madrugada chuvosa.
Ruído como daqueles noturnos capazes de roubar-nos a coragem de levantar da cama à noitinha para regar a horta.
Com um ritmo cadente, quase melodioso, as palavras pareciam ganhar vida tão logo saiam da boca do tapeceiro.
Cada frase dita era como uma estocada no pé do estômago.
Shepperd não só contava a história através das palavras, o que fazia com maestria. Uma verdadeira pantomima fazia parte do repertório.
Gesticulando com as mãos e interagindo com variadas expressões faciais, o tapeceiro parecia vivenciar a história novamente dando-nos um relato incrivelmente vivo de tudo o que contava.
— Mestre Balrók, eles não devem ter ido muito longe — falou tentando imitar uma voz grave em um barítono satisfatório.
Ao ouvir esse nome, Balrók, comecei a rememorar toda a história contada por Leo durante o caminho a Doran.
Minha mente divagou um pouco e perdi a concentração.
"Foram os assassinos da Rainha de Pedra, aqueles traidores, que Balrók estava perseguindo." As palavras do Leo pulsaram vivas em minha cabeça sem que eu as pudesse controlar.
Quando o tapeceiro começou a falar a respeito de Balrók, sua face mudou de cor.
Ele caminhou dois passos até o Sr. Loan e segurou em seu ombro esquerdo que serviu-lhe como apoio. Levantou a mão esquerda à altura do rosto e com o dedo indicador ajeitou os óculos encaixando a armação no nariz.
Não é preciso dizer que fiquei impressionado com a descrição física e com os feitos do Despedaçador de Ossos. Quem não ficaria?
— Diz-se que ele sozinho assassinou quarenta soldados de pedra e amontoou-os sem suas cabeças em uma pilha de dez metros. — O velho disse essa última frase olhando diretamente nos meus olhos.
Um arrepio subiu pela minha espinha e senti uma pontada nos rins.
Certamente esse não era o tipo de adversário que eu gostaria de ter pela frente, admiti.
A história avançou e eu procurei prestar atenção aos mínimos detalhes.
Através da descrição, pude contemplar com meus próprios olhos, à minha maneira, é claro, o pequeno vilarejo de Nanduque.
Juntamente com o tapeceiro, lá estava eu, acompanhando cada movimento de Balrók, seu leão de fogo e seus cavaleiros negros.
Minha expectativa em relação à história, no entanto, era apenas uma: Quando ele irá falar a respeito do general traidor, a Lâmina Letal?
Quanto mais o tapeceiro narrava, mais a história ganhava ritmo.
O volume de sua voz ditava com grande destreza cada ponto do enredo, contornando os picos e vales como se acompanhasse as curvas sinuosas de uma fileira de montanhas.
Todos os ouvintes estavam seguramente presos à narrativa, completamente entregues a mercê do contador.
De repente, o relato do tapeceiro alcançou um elevado pico, assumindo ritmo alígero.
As mãos gesticulando no ar, acompanhando cada palavra, cada movimento dos personagens que protagonizavam tal peripécia graciosamente representada pelo contador.
— Subitamente, surgiu um motim de homens que partiram para o ataque dos cavaleiros — falou o contador e arregalou os olhos verdes. — A atitude deles parecia desesperada, como aqueles que não dão valor à vida.
"Não demorou muito, os cavaleiros começaram a prevalecer. A própria besta já havia destroçado alguns com seus dentes. Os cavaleiros, no entanto, pareciam extenuados, com exceção de Balrók... Um deles, o que fora atingido na coxa esquerda pela flecha, movia-se mais lentamente.
"Repentinamente, um dos homens se arrojou contra o cavaleiro que estava ferido... Ele empunhava com as duas mãos um labrys, machado de lâmina dupla..."
Tio Tautos? Só pode ser!
A compreensão deste fato deixou-me com um aperto no peito e um nó na garganta que dificultava a passagem de ar.
Ele também estava envolvido na rebelião?
Aos poucos as coisas começavam a fazer sentido.
As constantes conversas secretas entre Tautos e meu pai. O desprezo que eles demonstravam ao falar sobre o império e Tarus. Tudo parecia se encaixar e embora desde o início não quisesse acreditar, no fundo eu sabia que os dois escondiam algum segredo, daqueles que se deve trancar e esconder a sete chaves.
A continuação da história dissipou qualquer duvida que restara.
Que outro guerreiro com mais de dois metros de altura utilizaria um labrys como arma e lutaria com tamanha habilidade e agilidade como meu tio?
Eu podia ver com nitidez em minha mente aqueles movimentos que eu já conhecia tão de perto, seja no treino do dia anterior ou na batalha contra os mercenários.
Será que o Leo também percebeu?, perguntei para mim mesmo.
Olhei à direita para ver sua reação, mas ele parecia petrificado, atentamente concentrado na história.
Se ele percebera algo, não deixou transparecer.
Continua...
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Ei... pssst! Ei fatasminha... volte aqui!
Indo embora sem votar e comentar? Que coisa mais feia!!!
Te peguei, hein!
Pode parar de preguiça e deixar seu lindo voto e um belo de um comentário com sua opinião sobre a história, viu?! ^^
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