O Lobo Cinzento
— Agora chegou o grande momento — bradou o homem que apresentava o espetáculo de cima do palanque. — Como todos já conhecem a tradição, sempre no final de cada recrutamento nós temos uma demonstração do incrível poder torenkai.
O povo começou a se alvoroçar novamente diante das palavras do homem...
— As Seis Bestas! — gritou alguém do meio da massa humana.
Um novo coro se iniciou entre o povo que começou a clamar em uma só voz pelas "Seis Bestas".
O homem de túnica levantou as mãos e o público se acalmou no mesmo instante.
— Vocês querem ver os nossos guerreiros mais poderosos? — sibilou o apresentador de cima da plataforma.
Um sonoro "SIM" em resposta encheu o ar como se um verdadeiro enxame nos invadisse.
Com um sinal de mãos daquele que estava no meio do palco os outros dois desceram por uma escada lateral e se dirigiram até a frente da grande árvore. Um silêncio ansioso pairou pela atmosfera deixando-me inquieto com o que viria em seguida. Então, o homem de túnica acenou positivamente com a cabeça para os outros dois. Atendendo ao comando cada um começou a apalpar uma parte do gigantesco tronco, e então, ambos puxaram em uma parte da madeira aquilo que pareciam duas alavancas. O tronco se abriu em duas portas revelando o seu interior tenuemente iluminado por uma luz bruxuleante. Cinco silhuetas se revelaram contornadas nas sombras.
— As Bestas guerreiras de ArToren — gritou um menino que estava pouco atrás de mim. Inúmeros outros vieram em seguida anunciando aqueles considerados como os principais guerreiros daquele povo.
A ansiedade aumentando consideravelmente dentro de mim em expectativa. Os corpos começaram a andar lentamente para frente até que a luz revelasse suas faces. Da direita para esquerda um homem enorme e musculoso vestido com um manto de gorila e ao seu lado uma mulher alta, mas não tão forte, trajando pele de onça.
Da esquerda para a direita aquele que parecia ser o maior de todos os cinco guerreiros. O homem tinha seguramente mais de dois metros e usava como capacete o crânio de um touro com chifres longos e pontudos. Seus trajes pareciam ser feitos com o couro do animal. Sua postura era de dar arrepios. Ao seu lado, outra mulher vestida com o que aparentava ser o couro de uma sucuri gigante. A serpente parecia enrolar-se sobre seus membros dando a volta por trás das costas e a cabeça por sobre o ombro expondo a típica dentição áglifa semelhante a uma fileira de pequenas adagas.
No meio deles um homem com as barbas falhadas e escuras vestido com peles cinzas e o focinho de um lobo com as presas afiadas servindo-lhe como capuz sobre a cabeça. Este estava um passo a frente dos outros.
— Vejam — silvou o homem sobre a tribuna. Aqui estão os guerreiros mais formidáveis e poderosos de nossa nação — declarou. — Gorel, o Gorila Poderoso, Jumah, a Onça Selvagem, Dantuz, o Touro Raivoso, Jarak, a Serpente Veloz e London, o Lobo Cinzento.
Ao ouvir as apresentações a multidão gritava e aplaudia conforme cada nome ia sendo anunciado.
— Que comecem as demonstrações! — bradou o apresentador. No mesmo instante a roda se abriu.
Todos os cinco guerreiros posicionaram-se no meio do circulo. De dentro da grande árvore saíram inúmeros soldados armados com bastões, espadas, adagas, machados e outros tipos de armas. Era como se eles fossem expelidos de dentro da boca de um gigante de madeira. O exército cercou os cincos guerreiros que se prepararam para a batalha. Uma encenação incrível começou. Fiquei surpreso com o que vi. Cada um dos guerreiros se movia com extrema habilidade e argúcia. Uma série de acrobacias e movimentos de luta realizados com impressionante maestria.
O povo suspirava a cada movimento, quase que em êxtase. Até mesmo eu fiquei sem fôlego durante algumas situações. O Gorila e o Touro usavam movimentos de assombrosa força. A onça e a serpente se moviam com destreza e agilidade admiráveis. O lobo, porém, foi o que mais prendeu a minha atenção. Seus movimentos revelavam graça e perícia. Seus gestos pareciam ser milimetricamente ajustados, sem exageros, mas precisos. Sem sair praticamente do lugar ele se desviava e contra-atacava com habilidade quase artística. Impossível não lembrar do meu pai ao vê-lo lutar.
Meu pai...
Uma pontada gélida subiu pela garganta arrancando-me do meu estado de contemplação. Tautos e o Urso Pardo não estavam ali e o fato de eu não saber como encontrá-los já estava me incomodando.
Meus olhos viajaram sem destino mais uma vez a procura de algo que pudesse atenuar a minha angústia. E, então, eu a vi. A pele bronzeada pelo sol e os cabelos dourados inconfundíveis. Mas algo estava errado. Um grupo de jovens a puxava pelo braço enquanto ela relutava. Pensei em ir socorrê-la, mas o bando embrenhou-se no meio da multidão quase escapando das minhas vistas. Concentrei-me para não perdê-los e os acompanhei enquanto costuravam por entre a multidão arrastando a pobre Alerga juntamente com eles. O sangue começou a ferver dentro de mim ao contemplar a situação.
Não demorou e o grupo alcançou a linha de frente da multidão. Badum estava lá, parecendo aguardá-los. Assim que chegaram, um deles cochichou em seus ouvidos apontando para a menina de cabelos loiros. Eles a imobilizaram e mantiveram-na ali parada juntamente com eles.
O que estes malditos estão planejando?, questionei-me, segurando firme no galho até os nós dos dedos ficarem brancos de tanta pressão...
A demonstração parou e apenas os cinco guerreiros permaneceram no círculo enquanto a turba os encarava com grande expectativa.
— E agora chegou o grande momento — clamou o homem de túnica marrom. — A vocês é concedida a oportunidade de grande honra. — O publico aplaudia e gritava quase que de maneira descontrolada. — Um desafio é concedido. Até três de vocês terão a chance de enfrentar um de nossos guerreiros. Se vencerem, além de honra e da oportunidade de passarem um dia inteiro no Bosque do Rei, poderão fazer qualquer pedido que vos será concedido... — A voz musical do homem estacou enquanto a multidão se manifestava com mais barulho. — Se, porém — prosseguiu —, forem derrotados farão a tão conhecida jornada da humilhação! — A cadência da voz aumentou consideravelmente ao pronunciar as últimas palavras.
O povo caiu em grande alvoroço novamente. Alerga continuava sendo mantida na linha de frente pelo bando e com Badum, o qual tinha as mãos sobre os seus ombros.
— A vocês é concedida a chance de escolher um dos nossos guerreiros — declarou o apresentador.
— Lobo Cinzento — clamou uma voz estridente do meio da multidão.
— Sim, Lobo Cinzento — apoiou-o alguém com voz poderosa.
Não demorou muito e a multidão entoou o coro "Lobo Cinzento, Lobo Cinzento, Lobo Cinzento".
— Ótima escolha! — bradou o homem.
Em resposta, o Lobo Cinzento dirigiu-se para a metade do círculo à direita aguardando por seus desafiantes. Os outros quatro guerreiros aguardaram ao lado.
A fisionomia de London não era pura animação, como a dos demais. Ele posicionou-se em seu lugar e aguardou com aspecto estoico cruzando os braços descobertos.
— Quem serão os corajosos desafiantes em busca de honra e glória, alguém? — disse o homem, sorrindo, como se não esperasse que alguém se manifestasse. — Nenhum desafiante? — insistiu. — Talvez você? — Apontou para um homem que deu um passo para trás com olhos assustados. — Ou vocês... — disse esticando o indicador para três homens ao lado do palanque. Todos recuaram com os semblantes lívidos ao serem desafiados. — Parece que não haverá ninguém mais uma vez...
Neste exato momento meu coração acelerou como se fosse saltar pela boca quando meus olhos pousaram sobre a Alerga. Eu olhei bem no exato momento em que Badum empurrou-a pelas costas para o meio do círculo.
A multidão encarou estarrecida a jovem garota que parecia perdida no meio de tudo. Ela deu alguns passos para trás, talvez no intuito de sair do círculo, e então, deteve-se. Provavelmente entendendo que a jornada da humilhação não parecia uma escolha tão atraente.
O Lobo Cinzento carregou o cenho, estranhando a atitude da garota esguia em sua frente.
— Vejam — disse o apresentador. — Uma menina corajosa. — Um tom irônico em sua voz com uma gargalhada na sequência. Todos riram juntos. Alerga não sabia o que fazer. — Mais alguém quer se juntar à jovem desafiante? — perguntou. — Ainda temos mais duas vagas! — exclamou e gargalhou mais uma vez.
Todo o povo começou a zombar da Alerga que olhava para o Lobo Cinzento e depois para a turba ao redor, ambos adversários terríveis. Quando todos riam e apontavam seus dedos para a garota de cabelos loiros, uma voz ecoou de cima de uma das árvore deixando a multidão praticamente em choque.
— Eu lutarei juntamente com ela — gritei. Todos dirigiram seus olhares espantados para mim, inclusive Alerga. — Eu lutarei contra o Lobo Cinzento — bramei mais uma vez.
A multidão ficou paralisada por alguns segundos e depois gargalhou até as lágrimas brotarem em seus olhos e seus corpos encurvarem contraídos.
Sentindo o coração acelerado diante de tudo aquilo, pulei da árvore e senti uma dor leve no pé da barriga ao aterrizar. Levantei-me como se nada tivesse acontecido e segui em direção ao círculo do desafio. Os torenkais me olhavam com desdém enquanto eu avançava pelo meio dos paredões humanos. "Graveto, estrangeiro", ouvi alguns dizerem. "Aqui não é o seu lugar", bradou alguém. Tomei alguns esbarrões enquanto andava. Meus olhos fixos nos de Alerga. Minha ajuda não pareceu animá-la muito. Mas eu não estava agindo por puro impulso.
Qualquer pedido, né?, falei mentalmente para mim mesmo, enquanto caminhava para o círculo onde estavam a jovem de cabelos dourados e o Lobo Cinzento. Seus olhos negros estavam cravados em mim. Um tremor percorreu todo meu corpo ao ver a face gélida, porém serena, de um dos integrantes das Seis Bestas de ArToren. Respirei fundo e avancei entrando no círculo sem arrependimentos.
Continua...
_____________________________________________________________________
Vixi... Alguém aí ansioso para ver o pau quebrar? kkk
Não sei, não, hein... Mas esse Lobo Cinzento me dá uns calafrios... 😨❄
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top