O Guardião da Floresta
Todos em Toren — e até mesmo nas terras dalém mar — conheciam as histórias sobre o Mapinguari, o Guardião da Floresta Sagrada.
A lenda diz que ele é a última besta viva de Toren, cuja missão é guardar o caminho secreto que existe na grande floresta que conduz até Pantanus, o Ser Vivente da terra, e também seu criador.
Por que é uma lenda? Porque ninguém jamais havia entrado na floresta e saído de lá vivo para contar a história. No entanto, lenda ou não, era o que papai, Leo e eu estávamos prestes a descobrir.
Dentro da floresta parecíamos estar em outra dimensão. Por causa da altura das árvores e das inúmeras sombras projetadas por suas enormes copas rotundas, havia pouca iluminação, dando ao local um clima bastante sinistro e completamente diferente do que havia fora dali.
As grandiosas e corpulentas árvores com suas armações roliças que se avultavam ao nosso redor, faziam com que nos sentíssemos tais como meros gravetos entre os gigantes.
Algumas poucas réstias solares venciam os robustos escudos verdes e se projetavam como raios salpicando o denso bosque com pequeninos pontos luminosos amarelados.
O solo era um emaranhado de terra úmida e folhas secas criando nuances com tonalidades entre o verde, marrom e amarelo.
A temperatura ali havia caído bruscamente a ponto de subir um calafrio pela espinha fazendo eriçar os pelos do corpo.
O som dos pássaros e do farfalhar das folhas agitadas pelo vento ditava o ritmo do lugar trazendo uma sensação de calmaria e tranquilidade quase terapêutica para o meu coração já acelerado.
Íamos avançando atentos, desviando-se de cada obstáculo que se interpunha em nossa frente. Papai ia mais adiante ditando o ritmo e a direção do caminho. Leo e eu o seguíamos uns cinco passos atrás.
— Que lugar incrível — observou Leo com palidez na voz. Seu rosto mesclava admiração e medo ao mesmo tempo.
Eu apenas concordei com a cabeça, compartilhando do mesmo sentimento. Talvez com uma leve inclinação para o medo.
— Não parem! — recomendou papai — Provavelmente se seguirmos em linha reta atravessaremos a floresta em cerca de duas horas.
Provavelmente? Duas horas aqui dentro?
Tal informação arrancou o resto de coragem e ânimo que me sobrara. Leo e eu estávamos apavorados. Quase morremos pelas mãos de um naelin... Imagina ter que enfrentar um Mapinguari?
Papai caminhava com bastante cautela. Era evidente que ele jamais estivera ali e, até certo ponto, saber disso nos deixara ainda mais desconfortáveis na viagem. Tudo isso sem mencionar a angústiante possibilidade de que poderíamos nos perder. Isso se já não estivermos perdidos, pensei.
Meu EN estava no limite sensorial. Nem mesmo o mais sutil movimento de pequenos animais como roedores ou pássaros de exíguo porte poderia passar despercebido. Se algo grande e peludo se aproximasse eu perceberia com certeza.
E não demorou muito para que as vibrações no chão denunciassem que algo grande e extremamente veloz se aproximava.
Congelei no mesmo instante.
— O que foi, Rav? — perguntou Leo diante da minha reação. Seus olhos estavam esbugalhados e mesmo sem saber o que era, o pavor já havia se apoderado dele.
— Percebeu algo? — questionou papai, que no mesmo instante parou de caminhar e virou-se de frente para nós.
Balancei a cabeça sinalizando que sim ao que ele fez sinal com a mão para que eu dissesse o que era.
— T... Tem alguma coisa grande... Enorme... E muito veloz vindo em nossa direção — relatei com voz sombria.
— Quanto tempo? — disse papai e chegou mais perto.
— Impossível precisar — admiti. — Como não sei o tamanho da C-Coisa, não tenho informação suficiente para dizer a velocidade e o tempo até que nos alcance.
— Entendo — concordou papai. — Consegue dizer a direção?
— Sim — afirmei e apontei com a mão esquerda para o leste.
— Fiquem atrás de mim — orientou. — Talvez seja um urso.
Desejei com todas as forças do meu coração que ele estivesse certo sobre isso. Um urso não seria problema. Não depois de termos enfrentado um exército, um naelin e um dragão!
Sem hesitar, Leo e eu pulamos para trás do meu pai e aguardamos esgueirando com os olhos por suas costas na expectativa de que o monstro aparecesse.
De maneira impressionante, a criatura cortou um enorme ângulo mudando completamente de direção e depois de novo e de novo.
— Pai... — chamei e segurei em seu braço para alerta-lo.
— Eu já sei — afirmou. — Ele está perto, pois já posso senti-lo. — Fez um silêncio reflexivo como quem buscasse compreender o que estava acontecendo e depois continuou: — Seja lá o que isso for, não é um simples animal. A constante mudança de direção revela inteligência e estratégia de combate. Fiquem próximos de mim — concluiu.
Papai tirou as alças do casulo de sobre os ombros e deslizou sua lâmina aaori pela mão assumindo postura de batalha.
No mesmo instante procurei a minha espada, mas logo percebi que não estava presa ao meu corpo. Provavelmente estava entre os embrulhos que carregávamos, mas não dava tempo para procurá-la.
Instintivamente ficamos todos os três um de costas para o outro aguardando pelo ataque inesperado.
A falta de experiencia em situações adversas deixava-me sempre com frio na barriga e as pernas moles. O mesmo se podia dizer do Leo. Embora ele demonstrasse bastante experiência sobre como as coisas aconteciam e funcionavam, não era a mesma coisa quando o assunto envolvia batalhas mortais ou coisas semelhantes. O fato era que ele estava se borrando de medo. Quanto a mim, não posso dizer que era diferente.
Em poucos segundos, o medo se transformou em pavor, quando num raio de quinze metros arbustos, moitas e galhos de arvores começaram a denunciar a presença da criatura que nos cercava como a onça que espreita a sua presa.
Mesmo com as minhas habilidades sensoriais aguçadas no limite, não conseguia calcular e encontrar padrões no movimento da fera a fim de prever seu ataque.
— É ele... — assegurou Leo. Sua voz saiu trêmula e aguda. Papai e eu permanecemos em silêncio tentando manter a concentração. — É ele... Só pode ser! — prosseguiu.
— Concentre-se, Leo — falei com mais segurança que achava ser possível naquele momento. Eu estava tão ou mais apavorado que ele. — Caso seja realmente o Guardião da Floresta Sagrada, o medo não irá salvar nossas peles. Domine sua mente, controle suas emoções e pense em possibilidades e alternativas que poderão nos ajudar em batalha contra uma Besta Lendária — adverti. As palavras escaparam fluídas pela boca, como se fossem de um guerreiro experiente. Mas então senti meus joelhos tremendo e me lembrei que eu era apenas um menino prestes a completar quatorze ciclos.
Enquanto aguardávamos com os corpos rígidos e os dentes apertados de tanta tensão, a criatura parou de movimentar-se e começou caminhar lentamente em nosso sentido pela direção do meu pai. No mesmo instante virei meu corpo e Leo fez o mesmo.
O barulho de galhos quebrando e gravetos amassando foram ficando cada vez mais perto conforme a besta avançava.
Pelos galhos quebrados, logo percebemos que a criatura excedia facilmente os três metros de altura.
"Tump... Tump... Tump..."
A cada passo da criatura meu coração faltava parar. E quase parou, quando meus olhos avistaram uma silhueta robusta com pelagem meio marrom, meio amarelada se misturar com o enorme tronco de um carvalho velho.
Sem cerimônia, o Guardião da Floresta Sagrada, o grande protetor de Pantanus revelou-se por completo com postura intimidadora.
Assim que vi a besta uma pontada semelhante à estocada de um sabre afiado lancinou em meu estômago.
— M... Mapinguari — pronunciou o Leo epenas com o ar dos pulmões. Sua voz parecia ter fugido antes do corpo. Seus olhos pareciam querer saltar para fora da carne que mal podia contê-los.
— Mas o que é isso?! — exclamou papai parecendo estarrecido. Até mesmo ele segurou sua lâmina com as duas mãos parecendo não acreditar no que seus olhos viam.
— Não eram três metros de altura? — sibilei, atônito, ao constatar que a Besta Fera tinha quase o dobro da altura revelada nas histórias.
Como se não fosse o bastante, a enorme bocarra da fera localizada no meio de seu ventre se abriu revelando inúmeras lanças amareladas.
Numa atitude de pura imponência, a besta introduziu sua apresentação mostrando-nos quem é que mandava na floresta. Numa atitude assustadora, o gigante lendário puxou o ar com força até estufar o peito e depois o soltou num rugido potente e avassalador.
O bramido continuou por considerável tempo deixando-nos completamente desorientados. Todos os três levamos as mãos aos ouvidos na tentativa inútil de abafar o zunido que parecia querer estourar os nossos tímpanos.
O rugido fora tão poderoso que mesmo depois de a criatura parar eu continuei escutando aquele som com a mesma intensidade de antes durante alguns segundos.
Felizmente eu havia quase anulado a audição para ampliar o tato. Não fosse isso provavelmente aquele teria sido o último som que ouviria na vida.
Passado alguns segundos, logo a nossa frente, papai pareceu recobrar a compostura e brandiu sua espada com certa dificuldade.
Trôpegos, Leo e eu ainda lutávamos para permanecer sobre nossas próprias pernas.
— Permaneçam atrás de mim — ordenou.
A besta pareceu não tomar conhecimento de quem a desafiava e começou a caminhar destemidamente para frente deixando seu esconderijo.
Seu aspecto era horripilante. Apenas um olho na cabeça e o nariz logo abaixo. A boca no meio da barriga e o corpo totalmente coberto por pelos com exceção das mãos e dos pés revelavam as peculiares características de um ser lendário.
Encarando-nos com olhar profundo e terrível a besta continuou a caminhar sem pestanejar.
Fugir não era uma possibilidade.
O conflito era inevitável!
A julgar pelo meu estado e o do Leo, mais uma vez o velho guerreiro a nossa frente era a nossa única esperança.
Será meu pai capaz de vencer o lendário Mapinguari?
A resposta para a minha pergunta viria de pressa e de um modo estarrecedor.
Continua...
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O que? Indo embora sem votar e comentar? 😬
Mal agradecido rs
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