O Espadachim Aaori

Tudo estava tão... escuro!

As trevas foram me encobrindo com seu manto negro e entorpecente. Envolto totalmente pelo negrume, perdi totalmente o sentido de direção.

Subitamente o ar tornou-se denso e pesado fazendo pressão contra os meus pulmões. Sufocado, uma sensação de desespero começou a inundar-me.

De repente, um cheiro acridoce penetrou-me pelas narinas causando sensação de náuseas. Um forte frio cortante sobrepujou-me inteiramente resultando em pequenos espasmos que se espalharam por todo o meu corpo.

Foi quando a respiração forte e compassada da criatura misteriosa se fez ouvir. O hálito gélido produziu um tremor assim que tocou a minha pele. Pouco a pouco as forças foram abandonando meu corpo deixando-o alquebrado e inépto.

O som do ar passando pelas narinas da fera foi aumentando vertiginosamente e, então, seus enormes e penetrantes olhos cinzas se abriram rasgando a escuridão.

Você está em perigo! — estrondou a voz como relâmpago pelas paredes da caverna.

Tentei questionar o que a fera desejava dizer com aquilo, mas o ar exíguo foi insuficiente para vocalizar as palavras.

Acorda! — bradou a besta.

Um tranco poderoso chacoalhou o meu corpo como se um raio o atingisse.

Acorda! — A voz veio mais uma vez ainda mais potente como um pujante solavanco, que me arremessou para cima.

Quando me dei por conta estava sentado na cama da hospedaria Caneco Cheio. A luz do dia quase já havia ido embora por completo. A vista pela janela revelava o céu num alaranjado débil na borda esforçando-se para conter o ímpeto da escuridão que avançava célere.

Ao meu lado, Leo ainda permanecia dormindo.

Com o coração acelerado aos poucos fui recobrando os sentidos e o sonho elevou-se reminiscente. "Você está em perigo... Acorda!". A lembrança vívida e real aguçou meus sentidos deixando-me inquieto.

Isso foi um aviso, concluí.

Imediatamente mergulhei no controle total e ativei o modo EN. Potencializei a audição quase que por instinto e o que se revelou deixara-me assustado. Com a percepção aguçada equalizei a audição e o tato, deixando-os equilibrados. Captei o som de um pequeno tumulto na taverna abaixo e a ondulação causada na madeira pelo atrito de botas subindo as escadas.

— Leo, acorda! — Pulei da cama e o sacudi pelos ombros.

Ele despertou rápido. Assustado arregalou bem os olhos castanhos.

— O que foi? — perguntou em voz alta, meio aturdido pelo sono.

Fiz sinal de silêncio com o indicador em frente a boca e sussurrei baixinho:

— Fomos encontrados!

Leo fitou com estranheza o quarto em silêncio e a porta cerrada.

— Como assim? — questionou, ainda sem compreensão. — Como sabe que fomos encontrados? Não vejo ninguém. — Gesticulou com a mão como quem insinuasse o contraste entre minha advertência e a quietude captada por seus olhos.

— Agora mesmo tem três pessoas no corredor movendo-se em direção ao nosso quarto.

Ele arregalou ainda mais os olhos e seu semblante começou a iluminar-se em compreensão entendendo que eu estava usando as habilidades de percepção para constatar aquilo.

— O que faremos? — perguntei, como se esperasse a orientação de um irmão mais velho e experiente. 

Eu estava paralisado, sem saber o que fazer. Leo tinha se revelado num verdadeiro líder nas últimas horas e isso me fez confiar de que ele tivesse uma resposta prática.

Ele olhou para mim e depois para a janela.

— Vamos fugir — disse levantando-se rapidamente e vestindo o calçado.

Fiz o mesmo rapidamente. Pegamos nossas coisas e partimos pela janela enquanto os perseguidores paravam diante da nossa porta. A ventana era grande o suficiente para que passássemos sem problemas um de cada vez. 

Leo foi na frente. A passagem deu direto para o telhado, que era bem inclinado e escorregadiço. Caminhamos até a borda. Muros de ambos os lados erguiam-se como barreiras de forma que não podíamos seguir em outra direção, a não ser, para baixo. Cerca de dez metros de altura nos separavam do chão de paralelepípedos. Leo olhou para mim como se não soubesse o que fazer.

— Vamos pular — afirmei.

— O quê? — perguntou ele, atônito.

Um estrondo atrás de nós ecoou quando os inimigos arrombaram a porta de madeira e invadiram o quarto. Um deles correu direto até a janela encontrando-nos com olhar perscrutador. Atrás dele se aproximou a silhueta de um homem branco de cabelos negros caídos até os ombros.

— Ali estão! — notificou o primeiro.

Foi quando a silhueta moveu-se pouco mais para frente saindo das sombras.

— Gamel — constatei, lembrando das feições do homem manipulador do metal que enfrentara papai na batalha de Anzare.

Um arrepio gélido subiu pela espinha diante da visão do homem que desafiou A Lâmina Letal de igual para igual e ainda saiu vivo.

Respirei fundo e olhei para o Leo. Sem demora os homens começaram a passar pelo vão da janela em direção ao telhado. Uma distância de quinze metros nos separava.

Virei de costas para o Leo que ficou sem compreensão.

— Suba — disse, apontando para as minhas próprias costas. Ele pareceu não compreender. — Vamos logo... Suba! — exclamei com autoridade, sem tempo para hesitações.

Leo envolveu seus braços em meu pescoço e senti seu peso sobre meus ombros e pernas. Ele era bem maior e mais pesado do que eu, mas não consegui pensar em um plano melhor.

Olhei para a distância entre o telhado e o chão e senti borboletas no estômago. Sem vacilar, decidido sobre o que precisava fazer, potencializei os músculos da perna até sentir o peso sobre as costas diminuir consideravelmente.

— Segure-se firme! — recomendei e imediatamente senti a pressão dos braços do Leo sobre os meus ombros.

Depois de mais uma olhadela para trás e perceber que os inimigos avançavam rapidamente, saltei. O vôo foi rápido e o choque do pouso fora absorvido bem pelos músculos potencializados pelo EN. Mesmo assim senti o pés formigarem devido ao grande atrito.

Os dois homens olharam pasmados de cima do telhado sem entender o que seus olhos haviam contemplado. Gamel, no entanto, deixou escapar um sorriso malicioso pelo canto da boca.

Esperei torcendo para que eles não saltassem semelhantemente a mim e uma pontada de alívio subiu como refrigério quando os dois homens regressaram de volta pelo telhado. Isso quer dizer que eles não podem usar essa potencialidade, concluí. Na ponta do telhado, Gamel permaneceu parado, observando-nos com olhar arguto.

— Você está pronto — perguntei para o Leo.

— Sim — ele respondeu.

Virei-me de frente para a ruela e parti em disparada com o Leo ainda preso as minhas costas. Com velocidade sobre humana nos afastamos do lugar vertiginosamente, porém, o som de um impacto seco me fez diminuir a velocidade e olhar para trás.

Mal pude acreditar no que vi. Gamel já estava em baixo, com uma mão no chão e um joelho flexionado. Ele saltou, percebi, sentindo uma leve acelerada no coração ao compreender o que isso significava.

Sozinho eu teria mais chances de escapar. Leo estava muito ferido para correr e o meio cavalo não conseguiria alcançar uma grande velocidade carregando Leo e eu ao mesmo tempo. Além disso, a entrada da hospedaria ficava no sentido oposto de onde estávamos. Quando saltei do telhado já estava consciente de que teria de correr carregando o Leo, mas eu não contava com as habilidades de potencialização de Gamel.

Eu tinha duas alternativas. Ficar e encarar os três, pois não demoraria para que os outros dois nos alcançassem. Estava convicto de que venceria facilmente os outros dois, mas Gamel era um problema. Só a ideia de enfrentar alguém como o meu pai já me dava calafrios.

A segunda alternativa era fugir. Talvez, abrandando todos os outros sentidos e direcionando toda a força do meu keer para aumentar a velocidade pudesse me dar alguma vantagem. Essa alternativa, agora, pareceu-me a mais sensata. Tentei não pensar no efeito colateral que isso surtira depois e segui, abrandando todos os outros sentidos e inflamando a velocidade.

O resultado foi surpreendente. Não consegui calcular com precisão, mas certamente superamos a impressionante velocidade de cinquenta quilômetros por hora. Ao olhar ligeiramente para trás notei uma nota de frustração no cenho de Gamel, que começou a ficar para trás.

Decidido a abrir a maior vantagem possível, concentrei o olhar a frente. Durante o percurso cruzamos por algumas pessoas que nos devolviam seus olhares espantados diante do que contemplavam.

Avancei pela porta da cidade em direção à estrada de terra no sentido oposto ao que viemos. Continuei correndo por alguns minutos, então, comecei a sentir um peso esmagador sobre as minhas costas. Sabendo que não poderia manter aquilo por muito mais tempo, saí da estrada e entrei na mata fechada com o objetivo de nos escondermos dos perseguidores.

Cerca de um quilômetro matagal adentro decidi parar para recuperar o fôlego. Assim que o Leo desceu das minhas costas, caí sentado no chão arfando ofegante.

Permanecemos ali por algum tempo. Leo puxou um odre de dentro da capa e me ofereceu. Virei-o sobre a boca bebendo às goladas.

— O que faremos? — perguntei. — Não vai demorar para sermos alcançados.

— Só temos uma alternativa, Rav — disse ele com voz pesarosa. — Você precisa seguir sozinho.

— O quê? — objetei, exasperado. — Chega de separação. Tem que ter outra opção!

— E qual seria? — insistiu. — Que outras alternativas nós temos? — Ele levantou as mãos vazias para o ar estando ainda de pé.

Tentei pensar em algo, mas nenhuma ideia me veio à mente.

— Ademais, eles não vão perder tempo comigo — acrescentou. — Estão atrás de você e não de mim. — Encolheu os ombros fitando-me com expressão resignada.

Continuei tentando buscar mais alternativas. Vamos, Ravel... Pense em algo!

— Ravel, você precisa continuar sozinho. Eles nunca conseguirão pegá-lo se você não precisar... — Deixou a voz morrer apontando com ambas as mãos para o próprio corpo.

— Eu já disse, não vamos nos separar! — devolvi com voz determinada.

Leo respirou fundo e passou a mão sobre o rosto, mas permaneceu em silêncio.

— Vamos continuar — falei, colocando-me de pé.

— Mas...

— Eu já disse. Eu não te deixarei! — vociferei antes que pudesse contrapor cravejando meus olhos sobre os dele. — Vamos seguir pela mata em direção contrária à estrada. Isso vai dificultar que eles nos encontrem e eu não precisarei carregá-lo — disse pegando o braço dele e passando-o envolta do meu pescoço.

Saquei minha espada e com ela empunhada fui abrindo caminho pelo capinzal cerrado. Leo se movia com dificuldade, mas apoiando-se em mim, conseguiu seguir em ritmo razoável.

Apaguei a potencialidade de força e acendi a percepção. Precisando ainda recuperar o fôlego da fuga alucinante, deixei apenas a audição aflorada, mas de forma moderada em um raio de apenas um quilômetro. Eu preciso poupar o keer para me recuperar da corrida.

Prosseguimos assim por um período de trinta minutos, quando senti algo avançar entrando dentro do círculo da minha percepção. Aflorei um pouco mais os ouvidos e capturei perfeitamente o movimento de cinco invasores. Não eram três?, pensei. Droga, dois deles devem ter esperado na entrada da hospedaria.

Ao concentrar ainda mais a audição notei que três deles montavam em cavalos e dois em algo mais leve, com uma pisada ágil... Turins.

— Fomos encontrados, Leo — revelei. — São cinco no total, três cavaleiros e dois Turins.

— Malditos chacais — praguejou Leo, aflito. — Eles são exímios farejadores. Não perderão nosso rastro, Rav. Podem sentir nosso cheiro a quilômetros — disse tirando o braço de sobre o meu pescoço.

— O que você está fazendo? — contestei.

Ele parou, deixando os braços caírem junto ao corpo.

— Eu estou sendo um estorvo para você, Rav. Será que não consegue perceber?

Aquela situação começou a me inquietar. Estava nervoso e aflito, pensei em abrandar as emoções para pensar mais friamente, porém, temia que se fizesse isso concordaria com o Leo facilmente. Ele tinha razão. Sozinho eu tinha muito mais chances. Mas o que eu poderia fazer, abandoná-lo? Eu já havia abandonado meu pai e a minha mãe, mas estava determinado a não deixá-lo.

Mamãe estava em um casulo e nem mesmo sabíamos se ela estava viva ou não. Meu pai... Bom, meu pai era um habilidoso guerreiro, ele não seria facilmente derrotado. Mesmo que enfrentasse sozinho um exército inteiro, suas chances seriam reais.

Mas ele, pensei, olhando para o Leo. Mal podia andar sobre as duas pernas. Deixá-lo seria entregá-lo a morte certa...

— Rav — chamou ele, interrompendo o meu raciocínio. — Nós não temos tempo. Você precisa me ouvir.

Balancei a cabeça relutante sentindo um nó no peito e uma angústia inquietante.

— Como não, Rav? — questionou, exasperado. Ele levou as duas mãos a cabeça e perguntou: — Que mais alternativas nós temos?

Fiquei sem resposta por algum segundos. A realidade parecia cruel de ambos os lados. Eu precisava tomar uma decisão, uma da qual eu não me arrependeria depois. Então foi o que eu fiz.

— Eu vou enfrentá-los!

Leo me olhou com espanto, mal acreditando em minhas palavras.

— Como enfrentaremos todos eles... Como enfrentaremos Gamel, A Lâmina Veloz?

Um arrepio gélido tomou conta do meu corpo ao ouvir o nome do guerreiro que nos espreitava. Mas eu estava resoluto.

— Não vamos enfrentá-los — respondi. O semblante do Leo crispou-se, confuso. — Eu vou enfrentá-los! — declarei frisando bem o eu.

— Você está maluco? Não pode fazer isso! — A fisionomia do Leo era pura desolação.

Eu fiquei de frente para ele e coloquei a mão sobre o seu ombro. Ele estava tenso, seu corpo tremia por inteiro.

— Não vou deixá-lo aqui para morrer — afirmei.

— Então morreremos nós dois — assegurou Leo. A voz trêmula num ritmo lôbrego.

— Isso é o que nós vamos ver — falei sentindo uma confiança pouco usual.

Lembrei do meu treinamento, das potencialidades, do keer e principalmente da chama sagrada. Encarei a minha própria espada, feliz por ela ser uma arma de corte preciso e, além disso, uma fonte externa de elemento para a conjuração do fogo.

O medo e a aflição aos poucos foram sendo substituídos por uma ansiedade incomum. Eu não sou mais o mesmo menino de Anzare. 

Sem cerimônia, virei-me na direção de onde vinham os inimigos e brandi a lâmina flamejante fazendo postura de batalha.

— Vai mesmo fazer isso? — perguntou Leo, atrás de mim, já não conseguindo mais conter o pavor. — Gamel é um espadachim igual ao seu pai. Um tipo de guerreiro raro... Ele é um aaori! — exclamou.

Eu também! — respondi com convicção. — Eu também sou um aaori, discípulo e filho do maior espadachim que já existiu... — Senti a confiança aumentar gradativamente. — Sou um usuário keer, potencializador da força, da percepção e cura.

Por cima do ombro olhei para o Leo que me encarava num misto de assombro e perplexidade.

Eu sou o Usuário do fogo!

Continua...

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Manoooooo... Que capítulo foi esse? 😲

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