Metal, Sangue e Fogo


— Acha que alguma coisa mudou? — indagou Gamel em resposta. — Irado ou não a distância entre nossas habilidades continua igual. — Sua expressão acendeu-se arrogantemente.

Ajeitei o corpo sem vida do Leo confortavelmente entre o capinzal e levantei-me apressadamente. Estava determinado a pôr um fim naquela luta o mais rápido possível.

Sem demoras potencializei os músculos sem equilibrar o keer entre percepção e reforço. Os sentidos aguçados naquele momento seriam de pouca valia. O que eu precisava no momento era de velocidade, então foi o que eu fiz, direcionando todo o meu keer para potencializar os músculos do corpo.

Ficamos parados de frente um para o outro durante alguns segundos separados por pouco mais de dez metros.

Com o propósito de testar uma hipótese fui me aproximando vagarosamente. Gamel franziu sua testa diante da minha atitude, mas permaneceu estático e sem atacar.

— Como um novilho cevado ao abatedouro — disse e direcionou a espada em minha direção e então esticou.

Desviei-me sem dificuldades. Mais alguns ataques e esquivei-me facilmente. A velocidade do corpo muito maior do que a da lâmina.

Vou avançar mais... Seis metros e fui sentindo um arrepio desconfortável subir pela espinha. O cavaleiro branco espremeu os olhos ao contemplar minha aproximação.

— Você pensa que eu não sei o que está fazendo? — Ele deixou escapar um sorriso pelo canto da boca. — Jamais me vencerá se não se aproximar. Mas até onde você conseguirá avançar e fugir dos meus ataques ao mesmo tempo?

Gamel imaginou que eu estava me aproximando com o objetivo de me lançar contra ele em um ataque de curta distância. Mas ele estava terrivelmente enganado. Mas é bom que ele continue pensado assim. Ensaiei uma careta de preocupação diante de sua suposição. Ele mordeu a isca e direcionou sua espada em minha direção mais uma vez.

Só mais um pouquinho, pensei, próximo de romper a barreira dos cinco metros. A expectativa desenhou-se óbvia na face do manipulador do metal, que atacou.

Porém, um ataque novo se formou. Desta vez a ponta da espada e o filete fino zumbiram pelo ar em um ataque duplo. Por pouco me safei e afastei-me novamente.

Exatamente como imaginei, concluí.

Gamel gargalhou diante da minha fuga, pensando ter me afugentado com seu ataque duplo. Fingi uma ruga de preocupação fazendo com que ele permanecesse crendo assim.

Esperei dentro da barreira de dez metros, já sentindo a confiança aumentar. Vamos, me ataque, desejei, mesmo assim mantive o ar de hesitação estampado o mais visível possível.

Aquilo encheu o coração jactancioso do cavaleiro branco que estufou o peito numa postura ufana. Mas como sempre dizia o bom e velho mestre "O orgulho precede a queda".

Quando a vaidade de Gamel estava perto do ápice, eu flexionei as pernas potencializadas e me arrojei contra o adversário, porém, sem usar toda a velocidade. Rapidamente alcancei a distância dos cinco metros e sorri quase que involuntariamente quando percebi as duas lâminas em conjunto vindo em minha direção.

Assim que identifiquei o movimento de saída eu aumentei a velocidade ao máximo indo de encontro às lâminas, mas projetando o corpo ligeiramente para o lado. Passei pelo metal mais fino com alguma dificuldade na barreira dos quatro metros.

A essa altura os olhos de Gamel já se arregalaram vendo que eu havia me desviado do seu ataque mais veloz.

A segunda lâmina, a mais larga, passou por mim na barreira dos dois metros abrindo uma cesura leve no meu braço esquerdo arrancando-me sangue e riso.

Ambas as lâminas esticadas atrás de mim. O caminho estava livre.

Senti uma nota de prazer ao ver a face do cavaleiro branco transpondo-se de orgulhoso à preocupado em questão de milésimos de segundos.

A um metro de distância vi o filete mais fino passar por mim retraindo-se em um vulto prateado. Com a espada apontada para o peito do adversário, estiquei-a em um borrão veloz segurando-a pelo cabo.

Enquanto a lâmina mais larga retornava ligeiramente, Gamel usou a ponta mais fina para repelir minha espada. A lâmina flamejante chegou a encostar em seu peito fazendo emergir uma gotícula de sangue, mas antes que o dano pudesse ser letal, o filete metálico empurrou a ponta avermelhada salvando a vida de seu mestre.

Aproveitando o impulso desferi um golpe poderoso com a mão esquerda contra o peito do cavaleiro, que salvou-se alongando sua espada como escudo. Ainda assim, o golpe foi tão violento, que arremessou Gamel de cima do cavalo lançando-o de costas contra o chão num baque violento.

Assim que encostei com os pés no chão saltei afastando-me pouco mais de dez metros dentro de uma distância segura.

O cavalo fugiu assustado do campo de batalha deixando-nos a sós. Gamel levantou-se rapidamente todo desajeitado denotando assombro.

— M-Mas que merda é essa, garoto? — disse, com olhar arregalado. — Por essa eu não esperava. — Sua voz trêmula transmitia surpresa enquanto massageava o próprio peito com mão esquerda.

— Você irá morrer — afirmei friamente. — Eu já analisei sua habilidade, a velocidade de ambas as lâminas e o seu tempo de reação — declarei com voz impassível.

— M-Mas isso é impossível! — exclamou Gamel.

— É perfeitamente possível — assegurei prontamente. — Sua espada percorre cinco metros com a velocidade impressionante de oito décimos de segundo. A lâmina mais fina, entretanto, percorre a mesma distância em espantosos cinco décimos. — O semblante de Gamel crispou-se ao começar a ouvir minha explicação. — Isso quer dizer que existe um tempo de dezesseis décimos entre alongar e retrair a espada e dez décimos para a mais fina.

"Tudo o que eu precisei fazer foi influenciar você a me atacar na distância de cinco metros e iniciar meu contra golpe. Quando seu ataque duplo partiu, eu avançava com toda a minha velocidade e isso diminuiu consideravelmente seu tempo de reação. Eu precisei de doze décimos para alcançá-lo, mas você conseguiu alongar e retrair sua lâmina fina com a mesma velocidade. Quando minha espada encostou em seu peito, sua lâmina repeliu a minha.

"Isso quer dizer que o motivo pelo qual você está vivo agora é exatamente o tempo de um décimo. Mais um único décimo e minha espada teria atravessado o seu coração."

Gamel tremeu diante do que ouviu quase sem acreditar que aquilo pudesse ser realidade.

— Então... Quer dizer que aquele primeiro ataque foi apenas um teste? — perguntou com expressão gélida. Eu apenas gesticulei com a cabeça confirmando.

— A grande questão agora é — disse e levantei o indicador esquerdo —, quem será um décimo mais lento no próximo ataque, eu ou você? — afirmei apontando o indicador na direção dele.

A Lâmina Veloz pareceu hesitar diante do dilema que lhe fora proposto.

— Muito bem — sibilou o guerreiro manipulador do metal. — Eu tenho que reconhecer sua incomum inteligência, Garoto. Mas será que isso será o suficiente para me derrotar? — Sua face mudou, como se ele estivesse motivado pelo desafio sobre quem seria o mais veloz. — Quando você quiser, Garoto — disse e fez sinal com a mão me chamando para o ataque.

— Isso vai ser decidido agora! — bradei e avancei. Aquilo precisava ser decidido rápido, pois eu já começava a sentir o poder do keer diminuindo.

Com toda a velocidade que os músculos potencializados me permitiram precipitei-me impetuosamente contra ele. Em poucos décimos já atingira a bairreira dos cinco metros. Porém, desta vez, diferentemente da ocasião anterior, Gamel não disparou seus ataques de imediato.

Quatro metros, mas as lâminas permaneceram estáticas.

Três metros e mesmo assim não houve movimento algum.

Passei pelos dois metros e um sorriso malicioso começou a se desenhar na face do inimigo. Ele mudou de tática, compreendi, mas não havia mais o que fazer. Se eu abortasse o ataque seria retalhado pelas lâminas sem possibilidade de defesa, então, segurei a espada com toda a força que pude.

Assim que adentrei na distância de um metro avancei a lâmina flamejante usando todo o poder do corpo potencializado pelo keer. Semelhantemente à última vez, Gamel usou a chapa da espada como escudo e, sequer foi tocado. A potência do ataque, no entanto, lançou-o para trás e ambos fomos projetados pelo ar tamanho o impacto. Antes, porém, que eu desferisse outro ataque, senti o filete metálico atravessar-me o lado e depois retrair-se velozmente.

Gamel caiu de costas no chão e eu rolei parando não muito distante. Meu corpo já havia sido perfurado por três vezes. Coxa, ombro e baço. O fio de metal era bastante fino, por isso, eu só precisava ignorar a dor e evitar ser atingido em algum ponto vital.

Levantei-me de pressa apoiado sobre o joelho esquerdo.

— Parece que eu levei uma leve vantagem — constatou Gamel, aparentemente incólume.

Essa era a distância que eu precisava, comemorei em pensamento. Ainda apoiado sobre o joelho levantei a minha espada cruzando-a horizontalmente em frente ao meu próprio corpo e coloquei a mão esquerda atrás do corpo, escondida das vistas do inimigo.

Com a espada tampando a boca entoei um singelo murmúrio, quase uma prece.

Gamel sorriu.

— Acha que algum deus irá te salvar agora? — Apontou a espada em minha direção. — Como fugirá do meu ataque duplo nesta distância?

Permaneci em silêncio, fingindo estar em desvantagem. Pouco mais de um metro nos afastava. Isso vai ser o suficiente.

Ávido por consumar sua vitória, Gamel alongou suas duas lâminas em minha direção. O fino fio metálico chegou primeiro. Continuei parado, sem reagir. O metal gelado perfurou-me na altura do estômago. O ar escapou-me dos pulmões. Graças a potencialidade de reforço a dor era atenuada, quase que adormecida. Por este motivo eu poderia prosseguir sem grandes dificuldades. O problema viria depois que o keer fosse desativado.

Poucos décimos depois de ser perfurado pela lâmina mais fina, vi a espada se alongando em minha direção. Quando esta estava prestes a me atingir, sem que houvesse tempo para que Gamel abortasse a investida, a lâmina flamejante incendiou-se num intenso clarão avermelhado. Com a espada inflamada repeli o segundo ataque com facilidade. Em seguida, puxei a mão esquerda até então oculta por trás do corpo e vi a face de Gamel perturbar-se diante do que vira. Uma branda luminescência cintilou enquanto eu envolvia com os dedos o filete metálico ainda cravado em meu abdômen. Assim que a mão tocou o metal eu inflamei o fogo até que ele ganhasse tonalidades vívidas escarlates.

Assustado, Gamel retraiu instintivamente suas lâminas, mas mal pôde acreditar no que seus olhos viam. Espada e esfera em chamas. Ele arremessou a bola de metal de suas mãos antes que o fogo o tocasse e depois começou a agitar freneticamente sua espada pelo ar. O archote metálico iluminou a noite e a face desesperada do inimigo.

— Não adianta... — avisei. — As chamas não irão se apagar.

Gamel olhou-me nos olhos como se não compreendesse o sentido das minhas palavras e continuou agitando o sabre contra o vento.

O fogo que tudo consome! — repeti as palavras do Leo sentindo um alento reconfortante.

Vendo que não conseguiria desvencilhar-se do fogo que lambia o metal em direção à sua mão, Gamel atirou a espada para longe.

Morosamente coloquei-me de pé, com alguma dificuldade. Mão e espada inflamados com a Chama Sagrada.

— Me diga agora, Gamel — falei e apontei a espada incendiada em sua direção. — Como me enfrentará sem as suas lâminas?

Vacilante, ele começou a dar pequenos passos para trás com os olhos esbugalhados de terror.

Sem vacilar, virou-se de costas e correu... Correu sem ressentimentos... Correu sem olhar para trás.

— Covarde! — murmurei baixinho. — Agora entendendo como sobreviveu à batalha contra o meu pai em Anzare.

Gamel avançou com certa rapidez, certamente usando o EN para potencializar os músculos. Mesmo assim, ainda que eu estivesse ferido, sua velocidade não era nada se comparada a minha.

Determinado a acabar com aquilo de uma vez por todas, potencializei as pernas e saltei num arco luminoso.

Com a perna esquerda acertei as costas do covarde fugitivo que rolou pelo capinzal devido ao forte impacto. De costas para o chão, ele levantou a cabeça enquanto me via aproximar girando entre os dedos a Lâmina Flamejante. O pavor estampado nos olhos.

— Agora você vai morrer — afirmei, chegando bem perto enquanto ele se arrastava para trás numa tentativa desesperada de fugir.

Então, eu levantei a espada com a ponta virada para baixo. Gamel levantou as duas mãos em vão tentando defender-se. A espada desceu num vulto avermelhado. Ele se encolheu de medo. A lâmina enterrou-se no chão de terra bem ao lado de sua cabeça. Os olhos desesperados e confusos fixos aos meus. Soltei a empunhadura da espada deixando-a encravada ao lado. Coloquei o joelho sobre o bíceps direito dele e com a mão direita segurei seu punho esquerdo contra o chão. Gamel olhou apavorado para as labaredas ao lado que bruxuleavam na espada e depois para os meus olhos.

— Isso é por meu pai, por trair a irmandade — afirmei e encostei levemente o dedo indicador esquerdo sobre o ombro dele. Uma pequena lasca de fogo prendeu-se nele e começou a consumir sua pele.

Gamel uivou de dor e o cheiro de carne queimada subiu misturando-se com o ar. O fogo imparável foi consumindo lentamente pele, nervos, tendões...

— E isso é pelo Leo! — Encostei os dedos incendiados sobre seu peito bem onde ficava o coração. A carne ia derretendo morosamente conforme eu pressionava com a mão. 

A feição de Gamel diluiu-se em horror. Ele esperneou, blasfemou e convulsionou. Mas nada pôde livrá-lo, nem mesmo as náuseas causadas pela fumaça da carne sendo devorada pela Chama Sagrada

Não demorou até que a mão inteira enterrou-se dentro do corpo esmarrido e vazou do outro lado.

O homem estremeceu por alguns segundos até que seus movimentos foram minguando enquanto sua vida se esvaia como líquido escapando pelos dedos, e então, cessou, pálido, morto, ainda com os olhos arregalados como vidro.

Ainda por cima dele eu respirei fundo e senti uma pontada aguda nas costas, na altura do pulmão. Vendo que o inimigo já estava morto, deixei o próprio corpo cair de lado pesadamente.

Desativei o keer e senti o peso doloroso e avassalador cobrar-me o seu preço. Imediatamente as vistas se escureceram até que a luz fugiu completamente como se uma caliginosa nuvem gigante e carregada se sobrepusesse aos meus olhos. 

Continua...

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