Explosão Sensorial

Papai me fitou com olhar analítico e perguntou:

— Você já ouviu falar da língua sagrada dos primeiros guardiões?

Assenti com a cabeça.

— Tanto keer, como EN ON, são palavras nesta língua. A língua dos guardiões tem ligação direta com o uso desta técnica.

— Então vou ter que aprender a língua dos primeiros guardiões para poder utilizar o keer? — perguntei já preocupado com a dificuldade em ter de estudar um novo idioma. 

Aprender o anurenho e as variações do toreano já haviam sido pesaroso o suficiente para me desmotivar a passar por tudo isso novamente.

Papai balançou a cabeça diante da minha inocência.

— Na verdade você só precisará aprender algumas palavras.

Ufa...

Saber disso me deixou bem mais aliviado.

— O keer é ativado por palavras ou sinais. Você precisa aprender a dominar ambos.

— Hum! — exclamei reflexivo. — É através das palavras ou sinais que eu conjuro o keer?

Papai acenou concordemente com a cabeça.

— Então quer dizer que sem saber isso é impossível usar a técnica?  

— Exatamente! — respondeu ele e depois franziu os lábios. — Quer dizer —  hesitou—, existe uma outra maneira. Diz-se que os primeiros usuários não precisavam conjurar o keer. Eles o ativavam através dos pensamentos. Mas isso parece mais mito do que verdade. Não existem relatos confiáveis de alguém que tenha sido capaz de utilizar o keer desta forma.

— Hum... — Fiquei extremamente surpreso com essa informação. 

— Você está pronto? 

A pergunta mais uma vez me pegou de surpresa. Mesmo assim eu fiz que sim.

— Entre no modo de Controle Total.

Fechei meus olhos e mergulhei nas profundas e silenciosas águas da concentração. Quanto mais fundo eu descia, mais controle eu obtinha. 

À medida em que eu passava por cada nível de concentração, o som das águas ao chocar-se com as rochas aos poucos ia se atenuando até tornar-se tão minguado quanto um singelo respingar.

Segundos depois meus pensamentos, emoções e sentidos estavam plenamente controlados e ordenados conforme a minha vontade.

Ao perceber que eu já havia atingido os três níveis, papai falou:

— Agora profira pausadamente as seguintes palavras: Eloi keer EN!

Eloi... keer... EN!

Assim que finalizei meu corpo estremeceu. 

Uma onda de calor perpassou por todos os meus membros.

A sensação foi aos poucos me envolvendo e preenchendo. 

Era como se eu estivesse mergulhado em muitas águas, que ao mesmo tempo inundavam-me por dentro e por fora.

Essa sensação é o keer?, perguntei para mim mesmo, ainda absorto pela sensação.

Eu senti uma força vívida e pulsante como se acontecessem sucessivas explosões dentro de mim.

— Abra os olhos. — A voz de meu pai soou por todo o meu corpo. Era como se eu pudesse ouvi-la não apenas com os meus ouvidos, mas com cada poro de minha pele.

Abri os olhos e coloquei-os em meu pai. Ainda que tentasse não demonstrar ele estava empolgado com o que estava vendo.

— Como se sente? — perguntou.

— Ótimo! Quer dizer... — procurei as palavras, mas nenhuma delas eram capazes de representar o que estava sentindo — Não sei dizer... É como se... Eu estou cheio! — Foi a melhor expressão que consegui encontrar. 

— Eu quero te mostrar algo — falou e abriu bem os olhos que pareciam bastante animados. — Entre no modo sensorial e eleve a percepção do seu tato.

Fiz exatamente como ele mandou.

Ao fazer isso percebi pequenas vibrações em minha pele. Eu pude sentir o impacto entre a água e a rocha, a temperatura do ar e até mesmo a vibração do som ao tocar minha pele. Isso mesmo, de uma forma que não podia explicar, eu podia ouvir com a pele.

— Aumente um pouco mais a percepção — papai ordenou.

Segui como ele instruíra e o resultado fora surpreendente.

Desta vez senti uma pequena vibração na rocha em que estava sentado fazendo uma sensação como de dormência na minha pele na parte em que estava em contato com a superfície da grande pedra.

Concentrei mais procurando a origem do tremor e reparei que era em sua base.

A sensação era causada pelo roçar da água ao passar pela extensão do monólito.

— Fique de pé — ordenou papai.

Levantei-me vagarosamente ainda maravilhado com tudo aquilo.

Ele se afastou uns dez metros e mandou eu fechar os olhos.

Passados alguns segundos pude notar um leve tremor nos pés descalços. 

A rocha está tremendo!

— O que você observou de diferente? — perguntou papai com voz curiosa.

— Captei um leve tremor na rocha. Como se pequeninas ondas chocassem de encontro com os meus pés.

— Abra os olhos.

Quando olhei para ele, vi que estava batendo o pé direito no chão com força moderada.

— Sente isso? 

— Sim... Como cócegas — expliquei, rindo.

Papai foi paulatinamente diminuindo a força da batida até pisar com a força normal de um passo.

— E agora? — Ele perguntou e fez expressão séria.

— Nada! — respondi prontamente.

— Anule os outros sentidos e destaque ainda mais o tato.

Fiz como ele ordenara.

— Nada ainda! — Assim que as palavras saltaram da boca, percebi uma leve coçada no peito do pé — Espere... — A sensação tornando-se cada vez mais nítida — Eu estou sentindo. É quase imperceptível, mas agora consigo distinguir perfeitamente a sensação.

— Ótimo — falou e iluminou o rosto abrindo bem os olhos.

— Mude agora a percepção para audição — ordenou ele e fiz como pediu no mesmo instante. — Mais uma vez feche os seus olhos.

Fechei e fiquei esperando ouvindo com muita nitidez o som das águas, tanto na hora que chocavam-se com a rocha e o rio, como também o som de cada gota ao encontrar seu destino.

Todos causavam uma espécie de ondulação no ar. Neste momento percebi que não apenas escutava cada som, como também podia compreender como ele era formado.

Depois de algum tempo de espera eu ouvi um estalido seco à minha esquerda em uma distância aproximada.

— Ouviu algo? — Eu estava tão concentrado nos sons que a pergunta me pegou de surpresa.

Balancei a cabeça dizendo que sim.

— Diga pra mim o que ouviu — perguntou parecendo curioso.

— Os som das águas ao choc...

— Isso não! — interrompeu-me ele — Além disso, um som mais distinto, mais natural...

— Sim! — respondi prontamente.

— E o que foi? — indagou em tom firme como se esperasse ansioso pela resposta.

— Um estalido seco. O som foi causado por algo que atingiu uma espécie de madeira... Uma árvore. Uma pedra atingiu uma árvore uns trinta e cinco ou quarenta metros à minha esquerda.

Assim que disse essas palavras papai pediu para que eu abrisse os olhos. 

Ele estava com uma pequena pedra na mão direita fazendo-a quicar sobre sua palma. 

Em seguida arremessou-a à minha direita.

Como eu estava com os olhos fixos na pedra acompanhei o seu percurso concentrando a minha audição no pequeno projétil que viajava pelo ar com o intuito de ouvir o som mais nitidamente.

Um som, porém, vindo da mesma direção roubou-me a atenção.

Pude ouvir uma soada vindo de muito longe. 

Fechei meus olhos, anulei meus sentidos e concentrei ainda mais no som até ouvir um crepitar, como de madeira sendo consumida por chamas.

— Fogo! — afirmei um pouco surpreso e abri os olhos. Papai olhou-me parecendo confuso. — Fogo! — repeti assertivamente — Eu ouço som de fogo!

— De onde? — perguntou papai já com o sobrolho carregado.

Apontei na direção de onde vinha o som e vi uma nuvem de fumaça escura e espessa a uns três quilômetros bem na direção da casa do Leo.

Em seguida pousei os olhos sobre papai e sua expressão parecia aflita.

— Algo está errado — disse ele em tom apreensivo. — Venha comigo, depressa!

___________________________________________________________

Olá Galera...

Nas próximas semanas estarei viajando de férias com a família.

Não sei se conseguirei manter a regularidade nas publicações.

Esse capítulo não foi revisado, caso encontrem algum erro, por favor, me notifiquem.

Espero que gostem 😀😀😀

Eduardo Miranda

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top