Curupira
Assim que terminou de falar, uma criatura pequena e seminua saiu por entre as folhas das árvores. Num pulo ágil, o diminuto ser de pele branca e cabelos avermelhados assentou-se sobre o ombro esquerdo do Mapinguari.
— Calma grandão, calma! — disse enquanto acariciava os pelos sobre a orelha do guardião da floresta. Aos poucos a Besta foi se aquietando.
— O que diabos é você, garoto? — devolvi a pergunta ao pequeno intruso, que revirou os olhos e meneou a cabeça.
Num salto ligeiro, o pequenino alcançou o chão e caminhou em minha direção destemidamente.
Dei um passo para trás por puro instinto de apreensão.
Mas que criatura é essa?, questionei-me assim que meus olhos fixaram-se em seus inusitados pés. Eles eram proporcionalmente exíguos. O único problema é que, embora iguais aos pés humanos no quesito forma, estranhamente estavam virados do avesso, com os dedos para trás e os calcanhares para frente.
— Eu estava esperando vocês — disse a criaturinha abrindo um sorriso branco.
— Mas quem é você? — indaguei, ainda confuso. — E como assim está nos esperando?
— Deve ser um duende — supôs Leo.
— Duende? — A criatura passou a mão direita no rosto e respirou fundo demonstrando irritação — Então vocês nunca ouviram falar do Guardião da Floresta? — perguntou com sua voz infantil.
Meus olhos foram dele para o Mapinguari e depois para ele novamente.
— Sim... Mas... — Eu não conseguia compreender nada do que estava acontecendo.
— Toreanos — murmurou e revirou os olhos novamente. — Fortes como os carvalhos antigos... Burros como as pedras.
Senti o rosto queimar devido ao insulto.
— Se você não é um duende, só pode ser um gnomo — garantiu Leo.
— Já chega — vociferou o pequeno agastadiço. — Primeiro que duendes e gnomos não existem, são seres míticos criados pela crendice popular. Segundo, duendes e gnomos não existem...
Leo e eu nos entreolhamos com os olhos espremidos.
— Mas você disse não existem duas vezes! — constatei.
— Talvez assim vocês consigam entender — observou a criatura abrindo bem os olhos verdes.
O sarcasmo e ousadia do pequenino já estava começando a me irritar.
— Bom — ele falou e abriu bem os braços —, essa discussão não nos levará a lugar algum — assegurou.
— Concordo — assenti.
Leo aquiesceu com a cabeça.
— Então, responda as minhas duas perguntas anteriores — sugeri. Ele assentiu com a cabeça. — Primeiro, quem é você? — indaguei.
— Meu nome é Curupira — informou sem rodeios. — Eu sou o verdadeiro Guardião da Floresta. — disse com certa bravata e colocou as duas mãos na cintura, enquanto segurando o ar, estufava o peito.
Leo e eu nos entreolhamos novamente.
— Eu acho que já ouvi esse nome — disse Leo e levou a mão sobre o queixo. — Só não consigo me lembrar onde.
— Completamente normal para um toreano. Vocês valorizam os contos e mitos de fora, enquanto desprezam e vulgarizam sua própria história — objetou o Curupira com ar de reprovação.
A face do Leo ficou levemente ruborizada.
— Chega de conversa. Não me importa quem você é. Vamos resolver logo isso! — falei visivelmente irritado e assumi postura de batalha.
— Pelos Quatro Seres Viventes! — disse o pequenino e revirou os olhos novamente. — Vocês acham realmente que se eu fosse um inimigo estaria aqui batendo o maior papo com vocês? — protestou e levou as mãos pequeninas à cabeça.
— Se você não é nosso inimigo, então, o que você quer com a gente? — retruquei, desconfiado.
— Tenho ordens para ajudá-los a atravessar a floresta — afirmou.
— Certo, isso nos leva a segunda pergunta. O que você quer de nós e quem deu ordens para que nos ajudasse? — questionei.
— O Senhor de Toren me enviou — assegurou com ar misterioso.
— Foi o Cazel que te enviou? — perguntou Leo. — Ou, pior... Foi o imperador Tarus? — disse Leo crispando o semblante e arregalando bem os olhos.
O Curupira ergueu a cabeça com os olhos para o céu e levou à mão direita até a testa.
— Isso vai ser mais difícil do que eu imaginava — murmurou em tom de lamento. — Não, menino burro. Toren só tem um Senhor. E o nome dele é Pantanus, ele é o verdadeiro Senhor de Toren!
Senti uma leve pontada no coração ao ouvir esse nome. Ninguém jamais viu ou teve contato com qualquer um dos quatro seres viventes depois da lendária Batalha entre Raen, o Grande, e o Dragão Vermelho. De lá pra cá milhares de anos se passaram sem que houvesse um único relato de aparição ou intervenção de um dos quatro. Pelo menos nenhum relato confiável. Agora, no entanto, essa misteriosa criatura afirmava ter sido enviada pelo próprio Ser Vivente da Terra.
— Você está dizendo que o próprio Pantanus te enviou aqui? — questionei com ar de deboche.
O Curupira apenas acenou positivamente com a cabeça como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— E qual seria o interesse do grande Pantanus em meros viajantes como nós? — perguntei, ainda com tom de incredulidade na voz.
— Ó... Tudo bem... Acha que eu estou mentindo? — falou espremendo os olhos e levou a mão direita ao queixo. — Pois bem, diante do que eu disse, vocês tem duas alternativas. Primeira — disse e fez o número com a mão esquerda. — Eu posso estar mentindo pra vocês.
Leo e eu acenamos concordemente com a suposição do pequenino, que ao notar nossa indiferença, acrescentou:
— Ok! Mas por qual motivo eu tentaria enganar vocês, meros viajantes? Qual seria o meu lucro nisso?
— Nos diga você — respondeu o Leo prontamente.
— Bom, se eu fosse um inimigo, essa conversa já teria acabado — afirmou. — Ou, provavelmente, nem teria se iniciado — certificou denotando superioridade.
— Ou, talvez, sendo inimigo e vendo que não poderia nos derrotar em combate — informei olhando-o de cima para baixo desdenhosamente —, escolheu nos enganar para nos pegar pelas costas.
— Não posso negar que seja uma boa hipótese — admitiu. — Mas, por outro lado, se eu não apresento ameaça a vocês, então podem ficar de olho em mim enquanto vos mostro o caminho e, ao menor sinal em falso, vocês me eliminam — recomendou sem floreios e continuou: — Afinal, não deve ser difícil para dois hábeis guerreiros como vocês eliminarem uma pobre criaturinha como eu, não é mesmo?!
A colocação do Curupira nos deixou sem saída.
Eu olhei para o meu pai, que ainda estava caído e inconsciente. Caminhei até ele no intuito de me certificar se estava bem. Ao colocar a mão sobre seu peito, ainda com os sentidos aguçados por estar em modo EN, constatei que, afora duas costelas quebradas e algumas concussões, nenhum ponto vital havia sido atingido.
Ótimo. Ele só está desmaiado. Além da pancada, a grande quantidade de keer utilizada nos últimos dias deve ter contribuído para seu atual estado. Soube disso no mesmo momento que lembrei de como fiquei extenuado após ter derrotado o naelin por causa do grande consumo de keer.
— Tudo bem — concordei, sem alternativas. — Mas não sairemos daqui até que meu pai acorde e até que isso aconteça, sugiro que todos fiquemos onde estamos.
Embora insatisfeito, o Curupira aceitou sem reclamação.
Leo me olhou com estranheza, demonstrando que ainda não confiava na criaturinha de pés invertidos.
Enquanto aguardava apreensivo pela recuperação de papai, fui considerando minhas opções:
Se ele for um inimigo e não puder nos vencer em combate direto, certamente ele nos conduzirá a uma armadilha. Se for uma armadilha, ele não conseguirá enganar a nós três. Sem contar que será muito difícil enganar o meu pai. Mas ele também pode estar falando a verdade, o que nos deixa sem saída. Neste caso, preciso dar-lhe pelo menos o benefício da dúvida. Também pode ser que ele realmente tenha sido enviado pelo próprio Pantanus, mas, caso isso seja verdade, qual seria o seu interesse em nós?
Só de pensar nesta última alternativa já me subia calafrios por todo o corpo. Verdade ou não nós precisávamos seguir em frente para descobrir.
Não bastasse o turbilhão de dúvidas que me assolavam a respeito de mim, sobre o que Alizah, o naelin, o Leo e a criatura de olhos cinzas haviam dito a meu respeito, agora tinha mais acessa informação para assar os meus miolos.
Será que o grande Pantanus, Ser Vivente da Terra, realmente enviou o Curupira para nos ajudar? Será que realmente podemos confiar nessa criaturinha?
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Olá meu querido(a) descendente de Anur! Sentiu muita saudade?
Pois é... As aventuras do Ravel e sua turma finalmente estão de volta! 🕺💃
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