Contra todas as Chances


Avancei para dentro do círculo do desafio experimentando uma dúzia de sentimentos controversos. Por um lado o desconforto pela hostilidade do povo torenkai, do outro uma sensação estranha que jamais havia sentido assim que me aproximei de Alerga. O que está acontecendo comigo?

Além de tudo isso, o confronto contra o Lobo Cinzento me deixava ansioso e amedrontado ao mesmo tempo. De perto ele parecia ainda mais assustador.

Algo me deixou confuso, porém. Alerga me encarava com olhar duro como se eu fosse mais adversário que ajuda. O fato de eu ter me voluntariado pela sua causa pareceu não deixá-la animada...

— Eu vim para te ajudar — falei, meio sem jeito ao chegar perto dela. Tentei abrir um sorriso receptivo, mas minha boca teimava em não me obedecer. Pare de bancar o idiota, Ravel. "Eu vim te ajudar....", não tinha coisa melhor para dizer?

— E como pretende fazer isso? — Alerga perguntou com rispidez, olhando-me de cima abaixo e depois para o Lobo Cinzento. — Pretende fazer comigo a jornada da humilhação? — Ela crispou as sobrancelhas e abriu os braços, incrédula, como se eu estivesse zombando de sua cara.

Sua reação me pegou de surpresa. No fundo, eu esperava uma recepção um pouco mais calorosa, mas a atitude da jovem até era compreensível. Já estava acostumada com uma vida inteira de chocarrices.  

— É uma possibilidade — respondi, tentando contornar a situação constrangedora. — Embora eu esteja mais interessado no prêmio.

Novamente ela me olhou de cima abaixo e depois para o homenzarrão do outro lado do círculo. Alerga era quase um palmo mais alta do que eu e o Lobo Cinzento dava quase o dobro de mim.

— Espere, garoto! — disse o homem com apenas um punhado de cabelo no centro do palanque. — Quem é você?

— Um intruso! — bradou alguém do meio da multidão antes que eu pudesse responder.

— Estrangeiro intruso! — Uma voz feminina ecoou somando-se à primeira.

Em sequência vários gritos ovacionando a minha presença ali foram lançados como forma de boas vindas.

Todos me encaravam com revelado ódio em suas expressões. Um desconforto fustigante nos ombros como se eu carregasse uma montanha sobre cada um deles. Eu já estava começando a sentir um ligeiro arrependimento por estar ali...

— Ele não é um intruso! — estrondou uma voz grave e poderosa subjugando as demais. O público pareceu congelar. Procurei em volta buscando pela origem de onde vinha a voz e fiquei tão perplexo quanto os outros. — Ele não é um intruso! — insistiu Jados com aspecto irritado. — Ele é meu convidado! — O grandalhão me encarou com olhar acolhedor. Jared do seu lado, apoiando-o e olhando-me com ternura.

A multidão murchou um pouco ao ouvir isso. Jados parecia uma figura imponente entre eles. Ninguém ousou desrespeitá-lo ou interpôr-se ante a sua colocação. Jared me lançou um leve sorriso segurando-se no musculoso braço do marido.

— Ainda assim, ele é um estrangeiro — argumentou o apresentador. — Nunca tivemos um estrangeiro participando do desafio. — Ele virou as duas palmas das mãos para cima enquanto encolhia os ombros.

— Mas não há nada em nossas leis e tradições que o proíba, hã? — questionou Jared. A expressão do homem tornou-se embaraçada e ele meneou a cabeça negando. Com a feição reflexiva, o homem fez sinal com as mãos para que todos esperassem e se reuniu com os outros dois sobre a tribuna.

O publico aguardou impaciente. Alerga manteve-se alguns passos longe de mim. Sua expressão corporal revelava inquietude. E não era para menos. Murmúrios baixos de zombaria e sorrisos maliciosos escapavam por entre os lábios torenkais direcionados a ela. Badum e seu grupo eram os primeiros da fila. Fulminei-os com o olhar. Eles me ignoraram, observando com frieza os dois ratos prestes a serem devorados pelo grande lobo selvagem.

O Lobo Cinzento aguardava transparecendo-se inquieto, desta vez. O desafio à sua frente, visualmente não parecia tão interessante. Os outros guerreiros jogavam-lhe sorrisos irônicos, como se a situação o amolasse pesarosamente.

Depois de alguns minutos, os três homens sobre o elevado de madeira assinalaram requerendo atenção. Quando todos se voltaram para eles o do meio começou a falar:

— Nós já chegamos a uma conclusão. Em respeito a Jados e Jared, membros respeitáveis de nossa comunidade, permitiremos que o estrangeiro participe do desafio... — As expressões sisudas do povo torenkai revelavam desaprovação à notícia repentina. — Mas ele deve participar com uma condição!

Todos fizeram um silêncio apreensivo diante das palavras do homem aguardando que prosseguisse, mas ele se calou aparentemente de propósito como quem esperasse para ver a reação do povo.

— E qual é a condição? — questionou Jados, impaciente, rompendo o suspense.

A turba inquietou-se um pouco ficando agitada.

— Nossa decisão é a seguinte. O estrangeiro participará do desafio com a condição de que se perder — disse e olhou em volta aumentando a cadência da voz —, ambos, ele e a menina serão expulsos da nossa comunidade.

A feição de Alerga empalideceu-se ao ouvir isso. A multidão, no entanto, recebeu a notícia com revelado entusiasmo. Jados e Jared repousaram seus olhos sobre mim como se aguardassem por uma resposta. Não demorou e todos os demais me encaravam igualmente.

— Eu aceito! — respondi em tom alto. A voz mais fina do que eu gostaria. Alerga arregalou os olhos diante da minha resposta e pareceu fazer objeção, mas eu prossegui antes que ela pudesse falar algo. — Mas eu também tenho um condição.

O povo silenciou-se novamente ao ouvir minha resposta. London, porém, me observava com expressão curiosa. Os homens sobre a plataforma demonstraram-se surpresos com a minha colocação e gesticularam para que eu prosseguisse.

Ao olhar para cima fiquei impressionado com o que as minhas vistas captaram. Havia um clarão circular, pouco maior do que o círculo do desafio, entre as várias camadas que compunham a Cidade das Árvores, bem onde se localizava a colossal árvore central. Dali dava pra ver a imensidão do arvoredo que se estendia até as copas rechonchudas das árvores gigantes. Centenas de torenkais se empuleiravam dos beirais de cada andar da cidade apoiando-se nos parapeitos como se fossem galerias. Todos estavam com os olhos fixos abaixo assistindo atentamente o evento.

— Ouçam com atenção a minha condição, povo torenkai! — falei. Todos encararam-me ansiosos para ouvir o que eu tinha a falar. — Se eu perder aceito ir embora do arvoredo logo em seguida — concordei. — Porém, se eu vencer, então, além da honra, da diária no Bosque do Rei e da possibilidade de fazer o pedido, eu quero que vocês nos aceitem como membros de sua comunidade como se nós dois fôssemos iguais a vocês e qualquer que desrespeitar essa condição deve ser banido para sempre do arvoredo!

Os olhos do homem esbugalharam-se como se fossem ser expelidos de sua face. Seus companheiros de palco demonstraram-se igualmente perplexos. Alerga me dirigiu um olhar incompreensivo, como se minha proposta fosse a coisa mais absurda que já ouvira em toda a sua vida. 

O efeito das minhas palavras pareceu alcançar seu objetivo. A multidão revelou-se chocada com a minha condição. Todos ficaram paralisados feito estátuas de madeira olhando para aquele que parecia ser o chefe do conselho.

— Mas isso que você está pedindo é... como posso dizer... — O homem sobre a plataforma começou a dizer, contudo, hesitou, visivelmente sem condições de formular uma objeção racional à minha colocação.

— Vamos — falei, capturando a atenção de todos novamente. — Vocês não são o povo mais poderoso do mundo? — questionei com olhar desafiador. — O que um estrangeiro como eu poderia fazer diante de um dos seus maiores campeões?

O Lobo Cinzento espremeu os olhos diante da minha ousadia. O povo torenkai manifestou dificuldade para processar as minhas palavras. O olhar deles parecia dizer: "Como que um graveto desses pode nos desafiar com tamanha insolência?"

— Então — prossegui —, vocês vão aceitar a minha condição ou estão com medo de um magricelas estrangeiro? — provoquei, lançando mais lenha na fogueira que já ardia a todo vapor.

O ódio dos torenkais acendeu ainda mais contra mim. A multidão agitou-se furiosa atravessando-me com seus olhares ardentes. Aquilo pareceu me divertir um pouco, e então, deixei escapar um sorriso. 

— Seu graveto maldito... Acabe com ele Grande Lobo Cinzento! — bradou um homem da fileira da frente de cujas barbas escorriam pelo peito.

Uma chuva de olhares raivosos recaiu sobre mim enquanto eu involuntariamente ria. Meu riso não era forçado, pelo contrário, era espontâneo. Eu sabia da responsabilidade que me esperava e estava certo que meu desafio não seria fácil. Só de lembrar dos movimentos graciosos do Lobo Cinzento já podia sentir pequenos espasmos de tremor sacudindo estranhamente todo o meu corpo. Mesmo assim, um gosto doce no paladar e uma sensação inexplicável me faziam sorrir descontroladamente para a irritação do povo das árvores.

Os três homens sobre a plataforma assinalaram novamente com as mãos capturando a atenção do público enfurecido.

— Povo torenkai, nós lhe damos o direito de escolha. Aceitaremos a condição do jovem estrangeiro? — perguntou.

— Sim — respondeu prontamente o homem de barbas longas. — Deixe que o Grande Lobo Cinzento o dilacere com suas presas assassinas. — O homem salivava como um cão raivoso enquanto cuspia suas palavras.

A multidão começou a clamar em uma só voz num coro poderoso e ensurdecedor a favor da besta cinzenta. O ritmo alucinante do coral trovejava de forma intimidante.

"Lobo Cinzento, Lobo Cinzento, Lobo Cinzento", bradavam num volume tão alto que fez o ar tornar-se denso e pesado sobre os pulmões.

— Não se preocupe — falei com segurança aproximando-me de Alerga. — Depois de hoje você jamais será desprezada novamente.

Os olhos verdes da jovem tremiam sem reação como se ela estivesse diante de um louco convicto. E quem poderia pensar diferente? Que chances tinha um menino magrelo contra um guerreiro consagrado? 

Todas as nuances daquele combate me eram contrárias. Eu era pequeno e magro, London era grande e musculoso. Eu era um menino e ele um homem feito. Se houvessem apostas, certamente todas elas seriam contra mim. A desigualdade não era apenas evidente, mas, descomunal. Ele era a árvore e eu o graveto. Ele o Lobo e eu a presa. Todas as chances estavam a favor do povo torenkai, mas eu, entretanto, estava adorando toda aquela desvantagem. E pior... um desejo gritante e intenso me deixou ansioso por quebrar a banca...

Continua...

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Tô achando que o Ravel está muito confiante, hein!

Não sei, não...

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