A Floresta Sagrada


Saímos cedo no dia seguinte. Ainda antes que o pequeno astro amarelo tocasse o limite do céu a oeste e começasse a se deslocar na direção oposta, já descíamos rio abaixo.

Não havia indícios de comunidades por onde passávamos, apenas a selva e toda a alimária que nela se escondia.

Envolta do rio, milhares de árvores sentinelas cerravam as entranhas da mata como verdadeiras guardiãs.

Após algumas horas de viagem, o Kulan começou a fazer uma curva para a direita mudando completamente o seu curso.

Estamos no limite territorial entre AnToren e ArToren, compreendi.

Quando o sol atingiu o meio do firmamento celeste, já anvançávamos velozes por entre as terras dos torenkai, o povo das árvores, como eram chamados os nativos daquela região.

À esquerda do rio, um contraste entre um enorme prado aberto e uma densa floresta fechada se apresentou em nosso caminho. Papai remou até a margem do rio, desceu da pequena embarcação e puxou-nos até a terra firme.

— Daqui em diante viajaremos a pé — falou.

Em seguida, sem muita dificuldade ele desceu o casulo onde mamãe estava, o prendeu em uma corda formando duas alças e as envolveu uma em cada ombro.

Após orientar Leo e eu a pegarmos duas sacolas de couro com recursos para a viagem, partimos seguindo-o.

Incomodado com a forma como ele puxava o casulo despretensiosamente fiz menção sobre a possibilidade do casulo se romper durante o percurso e prejudicar a recuperação de mamãe.

— Não se preocupe com isso — afirmou.

Ele estendeu a mão para frente até que uma longa lâmina se estendesse e, de modo surpreendente, golpeou o casulo com razoável força causando um estalido seco que se propagou pelo ar.

— O que o senhor está fazendo? — questionei, aflito, sem entender por que ele fizera aquilo.

Mas, ao olhar para o casulo, percebi que nenhum dano havia sido causado pelo impacto, nem mesmo um único arranhão.

— Viu... — disse e arqueou as sobrancelhas. — Não precisa se preocupar.

Após isso, ele recolheu sua lâmina como antes e virou-se para frente como se nada tivesse acontecido.

Olhei para o Leo e ele deu de ombros. Seguimos viajem.

Caminhamos em ritmo moroso devido às nossas debilidades físicas. Com a fratura na perna, Leo era o que mais tinha dificuldade.

O sol quente e escaldante se derramava por sobre as nossas cabeças, mesmo assim, aquele não era um incômodo o suficiente para nos afligir durante a viagem. Já estávamos acostumados com isso. Nenhum lugar em toda Toren é tão quente como AnToren, que atingia durante o verão temperaturas próximas aos cinquenta graus. Para falar a verdade, a temperatura ali em ArToren acima dos trinta e cinco graus era até agradável. Entretanto, apesar dos dias quentes, estávamos a poucos dias do início do outono e quanto mais ao sul de Toren, mais amena a temperatura ficava.

Prosseguimos caminhando durante uma hora até que algo causasse apreensão em nós.

— Fiquem perto de mim — advertiu papai. Leo e eu assustamos sem saber o que estava acontecendo. Então, papai explicou: — Continuem andando normalmente. Estamos sendo observados — informou.

À nossa frente, nos limites da pradaria aberta, dois caminhos se ofereciam. A densa floresta fechada à direita e um capinzal alto à esquerda.

Embora não conhecesse aquele lugar pessoalmente, sabia que estávamos diante dos campos onde habitavam os povos selvagens à esquerda e da Floresta Sagrada à direita.

— O que faremos? — perguntei.

— Continuem andando — recomendou papai. — Se não nos demonstrarmos perigosos, eles nos deixarão passar, caso contrário, eles nos matarão.

Senti uma pontada fina atravessar meus rins ao ouvir isso.

Eu não conseguia ver nada, então, entrei no modo sensorial e a percepção que tive deixara-me estarrecido. Percebi diversos, na verdade, pelo menos uma centena deles embrenhados no capinzal.

— Quantos eles são, Ravel? — perguntou papai.

— É difícil precisar... mas, com certeza, mais de cem — confirmei.

— Droga! — resmungou papai. — Eles são muitos. Não nos deixarão passar — assegurou.

— Como assim? — indaguei.

— Geralmente eles só costumam se reunir em grande quantidade quando esperam por uma ataque — explicou Leo. — Provavelmente eles estão alarmados por causa de algo.

— É possível que Tarus já tenha enviado alguém para nos procurar por essa região — argumentou papai. — Isso deve tê-los deixado apreensivos.

— Mas como isso seria possível? — questionei. — Ninguém sobreviveu à batalha — concluí.

— Isso não é verdade — interpelou papai. — Gamel escapou. Estava gravemente ferido, mas escapou. Além disso, haviam os olheiros.

— Como assim olheiros? — perguntei, sem compreender.

— Durante um ataque surpresa, a batalha sempre é observada por aquilo que chamam de olheiros — explicou Leo. — Eles não são guerreiros e jamais se envolvem na batalha. Geralmente são enviados pelo mandante do ataque com objetivo de observar e relatar o que viram. Usualmente são quatro, cada um observando de um ângulo diferente da batalha — esclareceu Leo. — A essa altura certamente Tarus já sabe de tudo o que aconteceu e já deve ter enviado alguém atrás de nós.

Papai gesticulou com a cabeça em concordância ao que Leo dissera.

— Então provavelmente nós fomos seguidos — deduzi.

— Não exatamente — assegurou Leo. — Ninguém tem autorização para descer o Kulan, com exceção dos ceifeiros — afirmou.

No mesmo instante lembrei do símbolo na pequena flâmula preso ao mastro do nosso pequeno barco.

— O feixe de trigo — constatei.

Leo aquiesceu.

Ainda falávamos, quando pressenti algo se aproximando velozmente pela esquerda ao sentir uma leve vibração no chão.

— Esperem — falei. No mesmo instante papai parou e virou-se para mim. — Tem algo se aproximando rapidamente vindo daquela direção — notifiquei e apontei o dedo para a mata fechada que contornava o limite entre o capinzal e a planície aberta.

— Provavelmente são mais selvagens — alegou papai.

— Não creio que sejam — afirmei. — Espera um pouco.

Com o objetivo de aumentar a percepção sensorial, diminui consideravelmente os outros sentidos elevando a sensibilidade do tato, sobretudo, na mão esquerda. Então eu agachei e coloquei a palma da mão por sobre a grama e vislumbrei algo incrível.

Era como se as pequenas ondulações na terra me dessem a visão quase exata do que se aproximava. Naquele momento, não sabia se ficava feliz pela incrível capacidade sensorial que havia adquirido ou se ficava aflito com o que havia constatado.

— E então? — Papai quis saber.

— Nove cavaleiros. Embora três deles parecem estar em animais mais leves, como chacais. Provavelmente são turins. Existe outro, no centro do pelotão, que não parece galopar ou correr como os outros animais, mas rastejar. É um animal maior, porém, não consigo identificar. É como se fosse uma... serpente.

— Quanto tempo? — questionou papai demonstrando estar surpreso.

— Dois e meio, talvez três quilômetros de distância da nossa posição e avançando em nossa direção a uns quarenta quilômetros por hora — informei já com o coração acelerado.

— Isso nos dá uns quatro minutos - asseverou papai. — No máximo cinco. — Não podemos enfrentá-los — falou franzindo a testa e crispou os lábios. Seus olhos se prenderam sobre o Leo e eu por alguns segundos como quem estivesse analisando a situação.

É claro que não podíamos enfrentá-los, não sob aquelas condições. Possívelmente nem mesmo conseguiríamos fugir. Provavelmente os inimigos nos alcançariam antes de chegarmos ao capinzal. E ainda tinham os selvagens...

— O que faremos? — questionou Leo, visivelmente preocupado.

— Vamos fugir — afirmou papai e virou o corpo em direção à floresta.

— O senhor não está pensando em... — Leo falou e apontou o dedo para onde um emaranhado de árvores imponentes emergiam da terra a alturas que pareciam tocar o céu.

Era como se um exército de caules e galhos se estabelecessem no limiar da Floresta Sagrada como guardiões contra visitantes indesejados.

— Corram... De pressa! — ordenou papai e partiu puxando o casulo.

— Mas nós não podemos entrar na Floresta Sagrada — adverti, relembrando das lendas contadas por mamãe e pelo tio Tautos.

— E o guardião da floresta? — perguntei já sentindo calafrios.

— Torçam para que seja apenas uma lenda antiga — recomendou papai avançando o mais rápido que podia.

— E se não for? — objetou Leo transmitindo aflição na voz. Por causa da perna quebrada ele se movia com bastante dificuldade, então, eu pareei ao seu lado e o ajudei a ir mais de pressa.

No entanto, assim que Leo acabou de falar, avistei nove silhuetas aparecerem em nossa retaguarda.

Ao todo eram cinco cavaleiros, três turins e uma...

— Uma serpente gigante! — exclamei, quase não acreditando no que meus olhos viam.

— Continuem correndo — vociferou papai.

Os inimigos se aproximavam com grande velocidade. Não teríamos tempo o suficiente de entrar na floresta antes que nos alcançassem e, mesmo se conseguíssemos, não iríamos muito adiante. O confronto seria inevitável.

Enquanto corríamos, lembrei da minha mãe. Ela sempre clamava ao criador em momentos de grande aflição. Instintivamente fiz o mesmo e balbuciei uma prece em sussurros.

A resposta veio rápida.

Uma cortina de flechas surgiu do meio do capinzal em direção aos inimigos.

— Os selvagens — disse olhando para trás.

— Não parem — orientou papai. — Isso poderá atrasá-los, mas não irá detê-los.

A saraiva de setas caiu como chuva do céu e abateu um cavaleiro e um turin, além de quebrar a formação do pelotão atrasando-os por alguns segundos.

Esse foi o tempo perfeito para que atravessássemos o portal de árvores e embrenhássemos floresta adentro.

Embora uma aparente sensação de segurança nos sobrepujara por alguns instantes, mal sabíamos que estávamos prestes a encarar o verdadeiro terror.

Continua...

______________________________________________________________________________

Aí galera, fiquem ligados no meu perfil, pois em breve trarei novidades incríveis sobre a publicação de "O Descendente de Anur: Usuário do Fogo".

Me siga EduardoAMiranda e fique por dentro das novidades 😉

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top