A Conspiração do General

Leo era jovial, alto e robusto; era um ano mais velho do que eu. Tinha a pele parda bastante típica dos toreanos com os traços do rosto bastante definidos e graves acentuando suas expressões. Embora tivesse aspecto bastante rude, Leo era gentil e até doce — às vezes — graças à boa educação recebida por seus pais sempre rigorosos.

Ele se aproximou e pareou seu cavalo junto ao meu e começou a me contar a história.

— Há uns vinte anos atrás a Rainha de Pedra foi sequestrada. A notícia se espalhou por toda Toren causando grande indignação entre todos os toreanos, já que tanto Numa, como era chamada a rainha, como o próprio rei Gauren eram muito queridos por todo o reino devido à sua bondade e compaixão.

"Neste tempo, já havia uma aliança entre o Rei de Pedra e o Imperador do Fogo, no entanto, essa aliança era puramente de teor econômico e político. O império sempre precisou dos metais do reino para construções, armamento e, sobretudo, para as linhas férreas, já que em Zaive, com exceção do metal flamejante, havia escassez de metais. A parceria, todavia, era conveniente para Toren, pois além de ser rentavelmente interessante, também resultou em um cessar guerra entre ambas as partes, o que era favorável para as duas nações." 

Ao começar a ouvir a história fiquei surpreso. Não pela história em si, mas por conhecer esse outro lado do Leo. Sabia que ele era perspicaz e inteligente, mas não imaginava que teria conhecimento sobre todos esses fatos e situações. Isso significava que ele mudara muito nos últimos anos enquanto viajava com seu pai. Antes, nosso tempo era tomado com brincadeiras e coisas afins, típico de crianças. Agora, porém, eu percebia algo diferente nele. Leo havia crescido!

— Condoído pelo sofrimento do rei e dos toreanos, e como não conseguiam de forma alguma achar a rainha ou encontrar alguma pista que ajudasse a desvendar o caso — continuou Leo enquanto eu o observava admirado —, Tarus decidiu ajudar a causa. Com isso, ele reuniu uma equipe com seus principais rastreadores e iniciou uma intensa investigação com objetivo de encontrar e capturar os sequestradores.

"Para a surpresa e decepção de todos, foi descoberto que o sequestrador era o principal guerreiro da Nação da Terra e general dos exércitos dos Quatro Reinos. O que trouxe muita agitação por toda Toren, pois o general, mais conhecido como A Lâmina Letal, era por muitos avaliado como o principal espadachim de toda Anur. 

"E isso não é tudo. O general também era um poderoso usuário keer, manipulador do metal, que ainda contava com a ajuda dos principais guerreiros do exército dos quatro reinos, dos quais, alguns deles também poderosos usuários keer com variadas habilidades de manipulação."

Quando ouvi o Leo mencionar a forma como o general era conhecido, minha mente pareceu ser perfurada por pequenas farpas pontiagudas e meu coração começou a bater mais forte. Sabia que estava entrando em terreno movediço. 

"Mainz, A Lâmina Letal", dissera Tautos no dia anterior a respeito de meu pai ao falar de sua reputação passada. "Ele era um guerreiro famoso".

Seria o meu pai um traidor da Nação da Terra? Seria ele o sequestrador da rainha? Talvez isso explicasse muita coisa, como o fato de meu pai saber tanto sobre a arte da luta e técnicas de combate. O fato de ele também não permitir que se mencione o seu passado, também se explicava se isso realmente era verdade.

A partir daí eu não conseguia pensar em outra coisa. Minha mente tornara-se um misto de confusão e incertezas. Leo não poderia ter inventado essa história, não fazia sentido supor isso. Outro fator importante é que Leo não tinha ideia sobre as conexões que aquela história fazia com meu pai. 

Para todos em Anzare, meu pai não passava de um simples camponês, lavrador da terra e criador de uns poucos animais. Isso também esclarecia o fato de papai jamais me permitir mencionar algo sobre o meu treinamento para o Leo ou qualquer outra pessoa.

Mesmo ligando todos os pontos e acreditando que a história contada por Leo fazia pelo menos algum sentido, eu deveria manter todas aquelas informações em segredo, até que eu soubesse toda a verdade. Então, continuei todo o caminho ouvindo o Leo me contar o resto da história, sem interrompê-lo com o objetivo de reunir o máximo de informação possível e principalmente não levantar suspeitas. 

— O objetivo do general não era comandar apenas o exército. — Em um estalo voltei à realidade e percebi que Leokus ainda continuava contando a história. — Seu principal objetivo era o de comandar toda a Nação da Terra. Para isso, todavia, ele precisava controlar Gauren, guardião da pedra do poder da Terra. Como Gauren não podia ser morto, pois só o guardião pode controlar o poder da pedra, o plano do general envolvia sequestrar a rainha como forma de dominar Gauren.

"O problema é que ele não contava com a interferência do imperador em seus planos e acabou fugindo, mas não antes de assassinar a rainha como forma de vingança, já que o imperador colocara sua cabeça a prêmio. A morte da rainha, porém, trouxe um mar de fúria sobre todos aqueles que eram leais ao reino.

"Além disso, uma vez que Toren estava desguarnecido de sua principal força militar, com o intuito de fortalecer suas defesas, Gauren firmou aliança política com Tarus e agregou a Nação da Terra ao império, com a promessa de que o exército do império iria se encarregar de proteger o rei juntamente com sua família e capturar os traidores.

"Com a Nação da Terra agora pertencendo ao império, Tarus nomeou Cazel, primo de Gauren, como protetor regente dos quatro reinos, elevando-o como comandante supremo de toda Toren, estando debaixo apenas de Gauren, Guardião da Terra.

"Além disso, Tarus desfez o exército do reino, pois podia haver homens leais ao antigo general. Em seguida, formou um novo exército leal ao império, colocando guerreiros de sua confiança comandando os soldados toreanos, que por sua vez estavam debaixo da autoridade de Cazel.

"Por ordem de Cazel, o novo exército começou uma intensa perseguição em busca do traidor e seus seguidores, que ficaram conhecidos como os rebeldes.

"A partir daí, um conflito muito intenso e que levaria anos se iniciou. Centenas de pessoas morreram, tanto guerreiros de ambos os lados como gente simples, inocentes que nada tinham com o que estava acontecendo.

"Cazel, no entanto, enviou seus mensageiros pelos quatro reinos de Toren, a fim de convocar a todo o povo à caçada do assassino e traidor de Toren. A multidão atendeu ao chamado tão logo receberam a notícia da morte da rainha e de milhares de inocentes, todos mortos pelo general e seus rebeldes.

"Como o general era muito famoso e poderoso, ele possuía muita influência nos quatro reinos, através da qual conseguiu apoio de um significativo número de pessoas, tanto de cidadãos comuns, como de homens de posse e estadistas importantes, chefes de grandes cidades, e até mesmo de Salar Azim, Rei de AzToren e chefe do clã da areia. Com o apoio desses homens, o general conseguiu manter-se escondido durante alguns anos.

"Notícias de ataques e confrontos entre o império e os rebeldes chegavam de todos os lugares. A cada dia que se passava, Cazel tornava-se mais obcecado em encontrar e aniquilar os rebeldes com o objetivo de acabar com o conflito e trazer a verdadeira paz sobre Toren.

"No entanto, as coisas pioraram mais ainda. Com a perda da rainha e sem esperanças de justiça, pois o general se fortalecia cada vez mais tornando ainda mais difícil a missão de sua captura, o próprio Rei Gauren veio a falecer, depois de uma profunda tristeza e melancolia. 

"A notícia da morte do Rei de AnToren trouxe grande comoção entre todo o povo, que se empenhou ainda mais na busca do traidor e sua turba criando uma grande caça aos rebeldes por toda Toren. 

"Tempos depois, Cazel, inflamado pela morte do rei, soube por meio de um de seus informantes a localização do traidor. Entendendo que não podia falhar na captura do principal líder da rebelião, o novo regente da Nação da Terra, agora província do império, solicitou ao imperador que designasse alguém à altura do general para capturá-lo, já que com suas incríveis habilidades somadas aos aliados, o traidor e a força rebelde até então tinham prevalecido em quase todos os confrontos contra o novo exército.

"Tendo interesse direto na situação, já que de quando em quando a força rebelde frustrava os planos do império saqueando seus postos de extração de metais, bem como trazendo constantes baixas ao seu exército, Tarus, O Guardião do Fogo, decidiu enviar um guerreiro mais qualificado para a missão.

"Balrók, o caçador de Kzastoc, um dos sete cavaleiros de fogo e mestre de bestas do império, fora o escolhido. Assim, o principal caçador do império, juntamente com uma guarnição de cavaleiros negros, caçou e perseguiu os rebeldes até a cidade de Nanduque, no extremo sul do reino de AzToren, onde estavam escondidos. E foi lá, neste pequeno vilarejo do Vale das Pedras, que os traidores foram capturados e executados."

Como assim executados? Papai estava vivo, será mesmo a respeito dele que o Leo está falando?

Eu só sei que ao ouvir o resto da história fui lançado em um mar ainda maior de dúvidas e questionamentos. Sempre que o meu pai e Tautos falavam do império ou de Tarus, eles os mencionavam com certo desprezo como se o imperador fosse o verdadeiro vilão de toda essa história. Entretanto, conforme o relato que acabara de ouvir, Tarus parecia ser um grande benfeitor em Toren, promovendo a paz e a segurança de seu povo, ao passo que meu pai...

— Ei, diz alguma coisa — disse Leo tirando-me do meu devaneio mais uma vez. Eu não tinha digerido aquelas informações direito e acabei emudecendo. Eu deveria demonstrar naturalidade, pois não podia de forma alguma compartilhar com Leo sobre as dúvidas que assaltavam meus pensamentos.

— Tenso! — falei, esboçando um sorriso amarelo entredentes.

— Nem me fale. Bota tenso nisso — confirmou Leo devolvendo-me o mesmo sorriso. — Aí...! Por isso que estou ansioso. Hoje à noite vou pedir pro meu tio nos contar a história sobre o que aconteceu em Nanduque.

Isso me pareceu formidável, pois teria a chance de saber mais detalhes sobre o que realmente havia acontecido.

— Cara, como é que você sabe de tudo isso? — perguntei demonstrando entusiasmo na tentativa de checar a autenticidade da história.

— Sabe como é né — falou como quem se gabasse —, sou um cara viajado e experimentado — continuou com ar altivo. — Às vezes entre uma conversa aqui e outra acolá, sou presenteado com algumas pérolas como essas — concluiu e me deu uma piscadela. — Mas isso não é novidade aqui em Toren, Ravel. Todos conhecem essa história. Quer dizer... — prosseguiu com ar esnobe empinando levemente o nariz —, talvez não com tantos detalhes.

Leokus já havia viajado diversas vezes para as principais cidades do reino. Ele era de uma família tradicional de tecelões e seu pai era muito reconhecido pelas peças finas e bem trabalhadas que produzia. Por esse motivo, era comum eles receberem muitos comerciantes das cidades circunvizinhas que compravam para a revenda, ou, então, dependendo da demanda e do comprador, eles mesmos faziam a entrega.

Outro assunto mencionado por Leo me chamara atenção. O que seria um Usuário Keer? Eu não fazia a mínima ideia. Resultado de se viver uma vida isolada. Também não podia perguntar para o Leo sobre isso. Não depois de se passar por um bicho do mato — e eu era — sem conhecer a história da própria nação. Isso me deixou ainda mais desejoso de saber toda a verdade.

Existe um mundo todo lá fora me esperando e eu vivo a vida confinado em um rancho rodeado do nada e que é habitado por ninguém!

Indignação.

Talvez esse seria o sentimento que melhor me definia naquele momento.

— O que foi Rav, há algo de errado? — perguntou Leo chegando ainda mais perto. Eu não podia me perturbar com esse assunto, pelo menos, não deveria demonstrar o desconforto que todas essas informações me causaram.

— Nada não! — Tentei disfarçar. — Esse Balrók parece realmente muito forte hein! Derrotar um guerreiro tão poderoso como esse tal de general certamente me parece um feito incrível — falei dissimulando a tensão enquanto o olhava com cara de espanto.

— Sim ele era.

— Era?

— Balrók já não mais pertence ao mundo dos vivos.

— Ele morreu?

— Sim.

— Como?

— Ahhh! — exclamou balançando a cabeça e levantando os ombros — essa já é uma outra história — Leo desviou o olhar parecendo titubear. — Quer dizer... — hesitou mais uma vez —, talvez meu tio Shep, seja a pessoa mais indicada para nos contar o que de fato aconteceu. Ninguém sabe ao certo como foi que ele morreu. Só sabemos que foi no mesmo dia, mas não foi o general que o matou.

— Uau...!

Fiquei emudecido com a notícia. Quanto mais eu não sabia?

— Então existe outro guerreiro ainda mais poderoso do que Balrók? — perguntei.

— Não exatamente um guerreiro — respondeu parecendo desconfortável.

— Então quem foi? — indaguei com curiosidade.

Leo diminuiu o ritmo e olhou para frente.

— Dizem que foi uma criança.

— Espera aí... Como assim uma criança?

Leo fez um breve silêncio e depois respondeu:

— Como disse, não sei exatamente como foi. Existem muitas versões e muitos boatos. Tudo o que eu sei é que foi uma criança usuária.

— Uma criança usuária?

Agora meu espanto era real.

— Isso — confirmou e acenou com a cabeça. — Dizem que a criança manipulou o fogo — Leo falou a parte manipulou o fogo bem pausadamente com ar de incredulidade. — Mas como disse, há muita especulação a respeito e uns dizem umas coisas e outros dizem outras. Mas ninguém sabe ao certo. Nunca se ouviu de uma criança capaz de manipular algum elemento. Pior ainda o fogo. Essa história está mais para uma lenda do que qualquer outra coisa.

Eu grunhi e fiquei sem reação, até porque não sabia exatamente o que isso significava.

— Será que alguém sabe o que de fato aconteceu? — perguntei querendo saber mais.

— Talvez meu tio — Leo respondeu parecendo menos animado do que antes.

— Então estou ansioso para que a noite chegue logo — disse eu demonstrando ânimo.

— Que venha a noite do Dia dos Contos! — falou ele e abriu um sorriso.

— Que venha logo! — respondi com entusiasmo.

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