O desabafo da MORTE

 
     Você consegue imaginar uma vida inteira de trabalho duro? Uma longa vida sem um minuto sequer de descanso? Acredito que isso rapidamente seria encarado como escravidão, de fato talvez fosse, mas no fundo eu nunca me importei com isso, fui escolhido, preparado para esse trabalho. Muitas pessoas me chamariam de serial Killer se eu me apresentasse à elas, porque eu confesso que gosto do que faço, mas não se enganem comigo, eu não sou um monstro, apenas sigo a lei da vida e durante a minha estrada houve sim casos dos quais eu não me orgulhei. A grande verdade é que um encontro comigo é o fim inevitável de todos, como disse, estou seguindo ordens. Para aqueles que estão a se perguntar o meu nome verdadeiro, eu jamais poderia dizer, ou teria que lhe matar... Sério, mas com toda certeza você me conhece como: Morte.

Eu prefiro ser chamado de Ceifador de almas, tem um certo atrativo, soa profundo.

Esse relato pessoal é apenas um desabafo aos mortos que ceifei, o que significa que, se você está lendo isso é bem provável que nos veremos em breve... Brincadeirinha. Ou não. De qualquer forma, fique atento.

Ah!... Os seres humanos... Criaturas misteriosas não? Sabe, algumas pessoas tentam fugir de mim, essas me atraem. Outras vem ao meu encontro, eu definitivamente detesto essas que anseiam pela minha presença, são os chamados suicidas; os piores, eles não seguem o maldito roteiro.

Imagine só; um dia estava eu sentado no trono enquanto lia no jornal uma matéria, uma tragédia onde eu havia ceifado diversas almas, encontrava-me distraído quando de repente um espectro apareceu, bem ali no banheiro! Em vida o ser foi uma mulher deprimida que por várias vezes tentou se entregar a mim, em morte sua feição era de profunda tristeza e ao mesmo tempo de alívio. Então sentado no meu momento sagrado eu não à vi chegar, mas na hora em que finalmente notei sua aparição meu susto foi tamanho que dei um pulo, ficando rapidamente de pé o que levou a merda para todos os lados.

Quem teve que limpar tudo aquilo? Exatamente, foi ela! Como início de seu longo castigo por haver se matado. Pois é... Até na morte há consequências, caso contrario a vida me puxaria pelo colarinho e tudo ficaria em desordem.

Eu não faço as regras.

Moro em um calabouço que fica na terra do nunca, um lindo lugar entre o céu e o inferno. É impressionante que depois de muitos anos de serviços prestados eu ainda não more em uma mansão em Las Vegas, mas eu não me importo com bens materiais. O verdadeiro problema é não poder fazer nada do que gosto, como assistir um filme ou um seriado até o fim, sempre tem alguém morrendo e meu bipe não para de tocar...

Imagine que em uma noite estrelada estava eu á paquerar uma bela demônio, de orelhas pontudas e uma cauda enorme que varria o chão de tão grande e volumosa que era. Seus olhos pareciam chamas e sua pele era como brasa queimada. Assim que entrei no hall do meu restaurante preferido — Poço dos Infernos — à vi e fiquei louco, depois de muito papo finalmente consegui convencê-la a ir em minha casa para afogarmos o ganso, foi então que na hora H meu bipe começou a tocar, ainda estávamos nas preliminares e ela claro, ficou decepcionada com a minha saída. Até hoje não nos falamos mais. O mesmo já me aconteceu no final do filme O exorcista, e também durante um show da banda de rock Korn, ter que sair antes do final de algo importante sempre acontece comigo, sou chamado e tenho que sumir como fumaça. Por isso ganhei o apelido entre os meus amigos de Morte magia; acho que não preciso nem citar que por várias vezes eu perdi o resultado do DNA no programa do Ratinho. Ler livros de terror nunca dá, a coisa parece nunca ter fim e jogar baralho então, é praticamente impossível, na minha ausência os camaradas sempre olham minhas cartas!

Isso vai desgastando... Certa vez decidi passar meu cargo para outra pessoa, por tempo indeterminado, eu estava muito chateado; pensei ter feito uma boa escolha quando escolhi aquele ser, mas no primeiro minuto de trabalho o filho de uma cadela foi e ceifou o rei do rock! Sim, o grande REI DO ROCK! Todos me condenaram por isso, se eu mesmo já não estivesse morto, teria me matado, mas a maldita criatura infeliz até hoje está sendo castigado por seu erro! Acredite em mim!

Esse acontecimento me trouxe muitos problemas. Levar pessoas famosas é muito doloroso, nessas horas odeio meu trabalho, no entanto posso enfim tirar fotos com os meus ídolos e pegar autógrafos; confesso que alguns chegam a mim chateados, deprimidos, sem entender o que se passa e na hora se negam a colaborar comigo, o fã, mas no final eu os obrigo. Afinal, eu sou a Morte!

Até aqui você consegue entender o meu desabafo? Talvez seja necessário lhes mostrar que não sou tão ruim assim...

Bom, houve certa vez um velho barrigudo que beirava seus oitenta anos, quando finalmente bateu as botas. Meu bipe começou a tocar, era madrugada e eu estava quase dormindo, mas me levantei a contra gosto, peguei meu veículo e fui até o portal. Chegando lá vi o homem, ele estava em uma cama de hospital ao som de um aparelho que a cada toque revelava sua morte. Sem demora peguei sua alma e caminhei indo embora quando de repente o espectro sumiu! Voltei até a cena e vi de camarote um doutor metido a besta fazer massagem cardíaca no defunto que já se debandava para o seu lado, ver aquilo me deixou irado. No momento em que o aparelho registrou o coração voltando a bater eu o puxei para meu lado e cá se foi ele. O grandalhão de uniforme não satisfeito pegou o carrinho de parada cardíaca e deu um choque fazendo a alma voltar para o lado dele. Ele não iria desistir fácil, e nem eu! Naquele impasse só faltamos sair no soco, pois nessa ficamos por quarenta minutos, eu matava e ele trazia o idoso de volta à vida. Imaginem só o meu cansaço!

Esses médicos realmente dificultam a minha vida, porém, no final das contas levei a melhor, deixei os dois para trás e voltei a dormir, me livrando das papeladas que mais tarde teria que assinar, mas tenho pena do doutor quando face a face enfim me encontrar.

Ah! As vezes é tão cansativo ser eu, você nem imaginam. No final das contas você tem que admitir que tudo o que eu faço é trazer descanso e paz, até fico comovido com a minha bondade...

E até deixo um aviso aos que gostam de aprontar: Seja um bom menino, porque a forma como você vai morrer serei eu quem vai armar. No fim poderemos até ser bons amigos, isso vai depender de como vamos nos encontrar! Se você é um médico ou suicida, saiba que já te odeio desde já!

Mas o meu bipe já está tocando de novo, então encerro meu desabafo com um: 'até logo meros mortais'!

Atenciosamente: Morte.

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