Capítulo 01 - Enfim, uma.

Ao abrir os olhos me vejo num topo de uma montanha. Não sei qual era a montanha, mas ao olhar para o horizonte conseguia ver o campo de batalha. O raio de destruição parecia ser até maior olhando de cima.

Saber que o Martin tinha voltado e estava em algum lugar no meio daquela destruição e isso me deixava um pouco nervosa. Tinha deixado tanta coisa para trás. E agora eu tenho que adicionar meu guardião à essa lista.

Tenho que admitir que é muito reconfortante não escutar mais nenhuma voz dentro da minha cabeça. Mesmo quando a voz era do Martin e sei das intenções dele de me ajudar, ainda era muito inquietante saber que eu nunca estava verdadeiramente sozinha com os meus pensamentos. E agora... Finalmente tenho a minha paz interior.

Não preciso mais controlar o meu "lado negro". Ele estava perto de mim e eu estava me sentindo muito bem com isso.

Nem sei o motivo de ter ficado tanto tempo preocupada com isso. Não tinha nada demais ter um pouco de escuridão dentro de si. Todo mundo tem um "monstro" dentro de si, cabe somente a pessoa saber o que fazer com ele.

Se eu quisesse usar a confiança do meu para conseguir o que eu queria, que mal há nisso?

Minha visão estava um pouco turva e os meus membros tremiam um pouco. Eu tinha usado muito do meu poder e tinha levado uma bela surra do Tobias. Agora meu corpo estava cobrando o preço, tinha me levado muito além dos meus limites.

Não acredito que a resistência consiga me alcançar no momento, mas resolvo não dar brecha para a sorte deles, e procuro um esconderijo provisório enquanto paro de tremer.

Estou com fome e com sono, por algum motivo que não consigo entender ao certo não consigo manter os meus olhos abertos. Me escondo muito bem antes de me entregar a vontade de dormir. Acredito que nem fechei os olhos por completo antes de apagar.

֎ ֎ ֎ ֎ ֎

Um barulho alto me faz arregalar os olhos. Ao me levantar rápido, meu ombro queima e o ferimento volta a sangrar. Um raio clareia os céus e o trovão que o segue é tão forte e tão alto, que faz a terra tremer abaixo de mim.

A noite ainda estava escura e só estava sendo iluminada pelas descargas elétricas que caiam dos céus. Ficar assim perto dessa árvore tão grande era perigoso. Tinha que dar um jeito de me esconder.

Resolvo então ficar alguns metros abaixo da linha do chão, seria melhor.

Mesmo com um pouco de dificuldade, consigo ficar em segurança enterrada. Os raios fazem a terra tremer de um jeito nada natural. Parando para pensar um pouco, aquela tempestade de raios estava um pouco esquisita...

– Megan! Megan! Megan! – escuto os gritos abafados, mesmo parecendo tão longe, sabia que ele estava perto. A voz era conhecida, Martin.

Talvez se eu ficasse quieta, ele não perceberia a minha presença e iria embora. Ficar imóvel era fácil quando se estava soterrada. Mas os gritos não cessaram, e pela vibração um pouco mais distinta que eu sentia, ele estava cada vez mais próximo de mim.

Mas de repente ele para de gritar. Tudo fica num silêncio sufocante. Não há mais raios, não há mais vibrações na terra, não há mais nenhum barulho acima de mim. Então eu escuto. Uma batida de coração. Bem em cima de mim.

– Megan. Eu sei que você está aqui. Eu sinto você – Martin diz por fim, numa voz baixa, que mexeu com algo dentro de mim. Não fazia mais sentido eu ficar ali soterrada, então saio de dentro da terra e encaro o meu guardião.

– O que você quer? – digo sem muita paciência.

– Conversar, somente isso.

– Se for para tentar me convencer a voltar para a resistência, para escutar os planos de vocês, pode desistir, não vou voltar, não vou parar. Não até ter dar o destino que o Tobias merece.

– E você acha que vai conseguir? – a voz triste da minha avó fala não muito longe de mim. Agora está explicado aquela tempestade de raios, era ela.

Me viro para encará-la. Ela está com o seu semblante de sempre, uma concentração que me faz ter inveja. Ela exalava um poder, uma calma, ela despertava em mim uma vontade de segui-la, cegamente, um tipo de ligação que era complicada de explicar.

Não podia ter esses sentimentos agora, eles só me atrasariam.

– Não precisa duvidar de mim minha vó. Estou preparada para o que der e vier. Não vou fraquejar como nas outras vezes.

– Você vai chegar mesmo a essas medidas extremas?

– Porque não? Tobias não mede esforços para conseguir o que quer, porque eu deveria ser diferente?

– Porque você é diferente Megan, será que não entende isso? – agora é a vez do Adam falar, o que faz com o meu corpo inteiro arrepie.

– Adam... – me viro na direção da voz dele e o encontro ali, com o rosto ainda muito marcado da batalha que tínhamos lutado.

– Oi Megan.

Ao encará-lo, mesmo de longe, percebo que ele é o meu ponto fraco mais forte. Somente de estar ali na sua presença sentia uma vontade esmagadora de correr até seus braços. Se ele pelo menos ele me dissesse que tudo ficaria bem...

Fecho os olhos e vou andando para trás.

Sinto um tronco de árvore atrás de mim e paro de andar. Ao abrir os olho me assusto ao ver o Adam ali, tão perto de mim. Ele me encarava muito de perto e seu rosto devia estar a um palmo do meu. Controlo a minha respiração.

Mas Adam estava calmo.

– Por favor, não me obrigue a fazer isso.

– Isso o quê Adam?

Ele não me responde nada por uns bons segundos. A resposta vem em forma de ações dele. Suas mãos serpenteando o meu pescoço com firmeza e apertando, querendo retirar o meu ar.

– Adam... – digo com a voz esquisita e tento retirar as suas mãos de mim.

Adam é forte e o seu aperto não diminui. Ele aperta ainda mais e encosta o meu corpo no tronco com mais firmeza, fazendo os meus pés saíssem do chão. O ar agora luta com mais dificuldade para entrar em mim. Minha visão começa a embaçar e escurecer.

– Por favor, não me obrigue a fazer isso – luto com tudo de mim para me livrar do aperto do Adam. Meus domínios não me respondem, meus braços vão ficando pesados e estou a cada momento mais desorientada.

Tento falar para ele que pare, que me solte, mas as palavras não saem de maneira alguma.

– Megan – Adam diz numa voz triste e a última coisa que eu vejo antes de me entregar a escuridão são os olhos dele, cheios de lágrimas e o seu semblante derrotado.

Puxo uma respiração enorme e sofrida quando abro os olhos. Minha garganta queimava com força e percebo que ainda estou na floresta. Tudo não tinha passado de um pesadelo horrendo de culpa ou algo parecido.

Ainda bem, assim eu fico bem mais aliviada. Mas não tanto aliviada. Esse sonho tinha me alertado de algumas verdades. Tenho que pensar num modo de escapar delas.

Pela posição do Sol no céu, devia ter amanhecido há no máximo duas horas.

Tento me levantar e fico feliz ao perceber que ainda estou sozinha e que não estou tremendo mais. Meus músculos mesmo ainda um pouco tensos por conta das batalhas, já estão me respondendo bem melhor.

Olho para o estado do meu corpo e solto um suspiro frustrada. Eu estava um lixo.

Precisava urgentemente de um banho e umas roupas limpas e novas não seriam de um todo ruim. Mas teria que me mover com cuidado a partir de agora, não conseguia imaginar se minha família está perto de mim, se conseguiram encontrar o meu rastro ou algo parecido.

Faço uma busca pela terra, e pelos tremores que consigo sentir, só consigo sentir os animais que aqui habitavam. Escuto o barulho de água corrente não muito longe daqui e resolvo dar uma olhada.

Era uma nascente de rio, e a paisagem parecia uma pintura de tão bela e delicada que era. Pequenas e coloridas flores estavam postas na margem. Uma árvore bonita e com uma copa enorme e verde estava pouco acima da nascente. As raízes dela saiam da relva baixa e formavam um emaranhado incrível de troncos, musgo e mais flores.

Vou até a beira do rio. Os meus ferimentos estão começando a me incomodar, preciso de um pouco de natureza para me recompor. E ao olhar o meu reflexo nas águas, vejo o quanto eu tenho razão. Meu corpo está precisando disso.

Nem sei quantos minutos eu passo ali, encarando o meu reflexo e vendo as pequenas coisas que mudaram em mim. As cicatrizes criadas por conta da minha batalha. Os meus pensamentos que mudaram tão drasticamente.

Não tem porque para essa minha nova jornada eu ainda permaneça exatamente do mesmo jeito que eu entrei em Nihal. Acredito que uma mudança no meu exterior, para combinar com o meu interior me cairia muito bem. Além de confundir um pouco quem quer que venha atrás de mim.

Se eles esperam encontrar a Megan antiga, que não encontrem...

Com calma, vou retirando as minhas roupas que estavam sujas, rasgadas e com as mais horrendas manchas de sangue. Analiso o corte em meu ombro e sei que aquilo vai deixar uma cicatriz... Era profunda demais. Os cortes estavam espalhados por todo o meu corpo e deveria ter limpado eles mais cedo.

Entro na água com cautela, vou lavando os cortes como consigo, tentando não pensar muito na ardência que me faz querer sair correndo daquela água. Mas eu coloco na minha cabeça que tenho que fazer aquilo. Tenho que ficar ali e absorver toda a cura que aquela nascente tinha para me oferecer.

Combino os poderes de cura da água e da terra para acelerar um pouco as coisas. E a cada segundo as minhas feridas vão doendo um pouco menos, elas vão se fechando e o sangue vai sendo lavado do meu corpo.

Fico um tempo boiando ali naquela margem, a água sempre me acalmou, e daquela vez não foi diferente. Nem eu sabia que estava precisando daqueles momentos sozinha. Mas agora que o pior do meu corpo já foi curado, eu estava me sentindo muito melhor.

E para ficar tudo do jeito que eu estava pensando, eu só precisava mudar algumas coisas. Mas para mudar eu teria que sair daquele esconderijo na floresta.

Mas graças as memórias que eu tinha adquirido da Morgana, eu sabia da localização e existência de muitos portais espalhados por toda Nihal. E se a minha memória não estivesse falhando, eu não estava muito distante de um...

Visto minhas roupas com um pouco de desgosto e vou caminhando até o portal, assim que o encontro, salto sem problemas para dentro dele e quando saio do outro lado, me vejo em um centro urbano.

E não um centro urbano qualquer. Pelo chão fofinho de nuvem, pelo cheiro do ar completamente diferente e pela propaganda do Tobias colada na porta de um estabelecimento, percebi que estava na província do ar. Se isso não for o Destino me dizendo que eu estou no caminho certo, não sei o que é...

Não quero ter problemas desnecessários por aqui, mas agora eu já sei andar de cabeça baixa, sei como me movimentar sem chamar atenção. E ando muito pouco para encontrar uma das coisas que eu estava procurando.

Entro no salão de beleza e todos que olham diretamente para mim, ficam imediatamente presos no meu domínio de mente, não quero criar nenhum alvoroço, então só peço para uma das pessoas que gerenciavam o salão me dar tudo o que eu preciso para o começo da minha mudança.

Segurando a minha sacola cheia de produtos para o cabelo, faço com que todos se esqueçam do que acabou de acontecer aqui. Não vejo mal algum, o que é perder pouco mais de cinco minutos de memória? Assim essas pessoas não estariam em risco desnecessariamente por terem me encontrado.

Continuo andando pelas ruas procurando o local ideal para que eu faça a minha segunda parada. E depois de rodar um pouco por ali, acabo encontrando a loja que tinha exatamente o que eu procurava, logo ali na vitrine.

E igual ao salão, não foi preciso muito esforço para que eles me dessem exatamente o que eu tinha ido buscar. E cinco minutos de memórias apagadas depois, eu segui o meu caminho, para a minha terceira e última parada.

Essa parada tinha endereço certo, e fiquei orgulhosa de mim mesma quando refiz os meus passos para cá sem me perder vez alguma. Não sei se aquele era o melhor hotel da província do Ar, mas a sua fachada e beleza me chamaram muito a atenção da primeira vez que a tinha visto.

Lembro muito bem de passar perto dele na minha primeira visita aqui. Ah... A minha primeira conversa com Tobias... Parece ter acontecido há tanto tempo... Ah se pelo menos eu soubesse na época, o mau caráter que o Tobias é. Eu poderia ter poupado muito trabalho, guerra e dor de cabeça se simplesmente tivesse afundado uma espada no coração dele quando tive a oportunidade...

Mas a quem eu estou querendo enganar, mesmo se eu tivesse a oportunidade na época, eu não teria a coragem necessária para fazer aquilo. Eu não sabia a sensação de ter sangue em minhas mãos e provavelmente eu só me machucaria se tentasse fazer algo a ele...

Deixo esses pensamentos no passado por enquanto, e vou focar um pouco mais no meu presente. Assim que passo pelo saguão, vou logo pedindo a maior e melhor suíte do lugar. Não quero fazer isso sem espaço e cansei de lugares apertados, preciso de espaço para ser livre.

Esse domínio da mente era uma maravilha, não sei o motivo de não ter usado ele mais vezes...

No elevador, subindo para o meu quarto, percebo o quanto estou com fome. Assim que espalho as minhas aquisições sobre a cama, resolvo colocar logo a mão na massa, quando eu terminar, eu vou comer alguma coisa.

A primeira estrela da noite brilha no céu quando eu termino a minha pequena transformação. Olho no espelho e não consigo deixar de sorrir ao ver o resultado.

O cabelo comprido tinha ido embora, e agora estava pouco abaixo dos meus ombros, num tom brilhante de vermelho. A cor era muito bonita, e combinou muito mais com os meus olhos claros do que aquele cabelo preto.

A calça escura e colada combinaram perfeitamente com minhas botas cano alto. A camiseta cinza também era colada e estava parcialmente coberta pela minha nova jaqueta de couro. Tinha um quê de perigo no meu novo visual. Eu me senti diferente, mais ousada, tive a certeza que conseguiria alcançar o meu objetivo agora. E eu gostei muito daquilo.

Eu tinha que passar algum tipo de confiança, algum tipo de poder, e sei que o medo pode ser um tipo de poder. Se eu tivesse que usar o meu poder para espalhar o medo, destruição, o que fosse, eu o farei. Sinto que o meu dever com minha imagem foi cumprido.

Agora eu ia comer alguma coisa, estava morrendo de fome e eu não sou uma pessoa que pensa muito bem se estiver de barriga vazia. Então resolvo descer até o restaurante do hotel mesmo e fazer a minha refeição.

No elevador, um homem baixinho e com cara de constipação desce junto de mim. Mas o que era importante naquele momento era o que ele segurava nas mãos. Um jornal do dia. E a data me chamou a atenção.

Hoje era o meu aniversário.

O elevador chega no andar do restaurante e eu saio um pouco desnorteada. Quando foi que o tempo passou a andar tão depressa assim? Sento em um dos bancos altos do bar, esperando que a minha mesa fique pronta. Começo a ficar perdida em meus pensamentos.

Uma taça de vinho branca é colocada na minha frente.

– Eu não pedi isso – digo para o garçom que tinha colocado a taça ali, mas deveria ter aceitado, quem sabe o álcool acalme um pouco os meus pensamentos.

– Sei disso senhorita, essa bebida foi serventia do rapaz ali do outro lado do bar – o homem diz, apontando para um rapaz muito bem apessoado na ponta do bar. Quando olho para ele, ele ergue o seu copo e sorri.

– Entendo... – analiso o vidro da taça e penso se devo aceitar a gentileza ou não.

Tá, sei muito bem que isso não é um gesto de gentileza qualquer, mas ainda sim eu poderia aceitar... Não é?

– Te vi sentada sozinha aí, e resolvi mandar algo para você para quebrar o gelo – o homem que estava distante, agora está sentado no banco do meu lado e me olha de uma maneira que me deixa um pouco desconfortável.

– Sei... Você sempre se aproxima de todas as mulheres assim? – digo num tom um pouco seco.

– Somente as que chamam a minha atenção, assim que você entrou nesse bar, eu te notei... – ele diz sedutor demais e um alarme na minha cabeça começa a apitar.

Adam.

Adam.

Adam.

– Desculpe, mas não posso aceitar isso...

– Deveria imaginar que uma mulher linda como você está acompanhada... – as palavras dele me pegam um pouco de surpresa. Eu ainda tenho namorado? Adam ainda iria querer alguma coisa comigo depois de tudo o que presenciou?

Não sei se ainda temos alguma coisa, mas algo dentro de mim grita para que eu não faça nada. Pior de tudo, eu não quero fazer nada. Claro que o elogio faz bem ao ego, mas é somente isso. Adam ainda povoa os meus pensamentos.

Tenho que dar um jeito nisso.

Se ele ainda estiver em meus pensamentos, vou conseguir atingir o que eu desejo?

– É mais complicado do que isso, mas obrigada de qualquer modo – digo já ficando de pé e caminhando para a minha mesa.

Como a minha refeição sem mais interrupções ou problemas. Mas o problema do Adam fica martelando constantemente a minha cabeça. Eu tinha que dar um ponto final. Senão eu não acho que poderia começar essa nova fase.

E não ganharei mais nada ficando aqui sem fazer nada. Somente pensando no que eu não posso fazer. Vou concentrar as minhas energias no eu posso e quero fazer. Saio pela porta da frente e sinto uma brisa de ar quente tocar o meu rosto. Aquilo me faz sorrir.

A minha jornada começa agora.

– Tobias, preparado ou não, aqui vou eu! – digo baixo, de cabeça erguida e dou o primeiro passo.

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