78 - Metal estrelar

Gálius chegou cedo para mais uma visita ao Rei-Deus. Desta vez, estavam caminhando no terraço, observando a cidade ao redor. Enquanto caminhavam lentamente, conversavam. Gálius contara um pouco a respeito da mudança de sua família e sobre como está o acampamento dos silfos. Então, tomou coragem para perguntar algo que o intrigava.

— Como é viver assim, por tanto tempo?

— É um misto de muitas coisas, mas quanto mais tempo passa, mais passa a dominar o desalento, a melancolia. A morte e o renascimento são grandes bênçãos. Você se apega à vida, mas chega um momento em que quer morrer. Sabe o único motivo pelo qual não decidi morrer ainda?

— E isso é possível? Já me disseram que o senhor não morre, de jeito algum.

— Existe apenas um jeito que eu conheço. A árvore é um presente divino, o maior deles, mas a imortalidade por ela concedida é também uma prisão. Eu morrerei no dia em que a árvore morrer. Eu só não pus um fim a tudo antes, porque isso iria afetar todo o destino da cidade, todas as vidas, tudo. Tleos deixaria de existir. O ideal da paz, da ordem que eu sustento iriam cair e em pouco tempo, poucas gerações, tudo retornaria ao padrão caótico deste mundo. A violência, a lei do mais forte, isso seria certamente a regra a imperar na vida de todos os descendentes. Então eu fico, para que esta cidade possa continuar sendo um oásis neste mundo. Um oásis que eu construí e protejo até agora. Vale qualquer tristeza, qualquer melancolia saber que cada nova geração que nasce aqui, poderá viver de modo tranquilo e ordeiro, afastada do caos do mundo lá de fora.

— Como tem certeza de que nosso destino seria a violência e caos?

— Não tenho certeza disso, mas não vi nada que indique o contrário. Todavia, agora, tudo mudou. Como eu disse, meu tempo aqui está acabando.

— Quer dizer a árvore será destruída? É isso que viu? Ela queimar no incêndio?

— Não isso diretamente, mas percebi que o incêndio vai acontecer, independente de qualquer coisa que eu possa fazer. O futuro depois do incêndio tornou-se nebuloso, praticamente escuro. Nada posso ver, então, o que concluí é que meu tempo está chegando ao fim. Não sei se a árvore será destruída e eu junto a ela, mas algo vai mudar, algo que vai pôr fim à minha vida.

— O senhor não poderia viajar? Talvez, levar a árvore consigo?

— Se eu fizesse isso, a rede de proteção ruiria. Eu não quero ver meu povo e minha cidade abandonada.

— Mas tem que ter um jeito!

— Para algumas coisas, há apenas um jeito, uma solução: aceitar.

— Não acredito que estou ouvido isso do senhor. O senhor é o Rei! É um Deus! Como pode simplesmente aceitar? Desistir?

O Rei-Deus riu daquilo — Não sou Deus algum, Gálius. O poder dos deuses, verdadeiros deuses que já vi passar por este mundo é muito maior que o meu. Todo meu poder se resume a ser o guardião da árvore. Talvez, um dos últimos resquícios da presença divina sobre esse mundo.

— Desculpe ter falado assim, eu... Só não consigo entender...

— Não entender algo, ou alguém, não é um crime, Gálius. Há muito que mesmo eu não consigo entender. Vou lhe contar uma história. Um pouco do que sei da história de meu pai.

Gálius o olhou com atenção redobrada. Seu coração acelerou.

Ele é incrível! Conhecer essas gurias antigas é emocionante! Coisas que aconteceram há milhares de anos...

— Meu pai, Tarquis Prístimos, foi um dos netos favoritos de meu bisavô. Um grande guerreiro. Ele foi um dos que o seguiu até a batalha final. Foi pelas mãos de meu próprio bisavô que o líder dos demônios pereceu, dando fim à longa guerra milenar. Meu bisavô carregava uma espada especial, forjada nas chamas do Hostenoist. Foi forjada com um estranho metal que os antigos chamavam de metal estrelar. O simples toque desse metal fazia a pele dos demônios queimar. Um corte, muitas vezes, os matava e se a espada ficasse dentro de um deles, o fazia explodir. No entanto, o líder dos demônios, não era um oponente tão fraco quanto seus súditos. E quando a espada de meu bisavô afundou em seu coração, toda a magia negra concentrada ali se agitou. Dessa agitação veio uma forte explosão que matou o demônio, meu bisavô e centenas de soldados e demônios que lutaram na batalha final. Meu pai viu aquilo tudo de longe e desceu no fundo da cratera para procurar o corpo de meu bisavô. Não achou um só osso dele, ou do demônio, porém, achou uma longa lasca da espada. O metal esverdeado ainda pulsava. Ele o recolheu e mais tarde, o metal foi fundido com outros metais e deu origem a uma poderosa espada que ficou conhecida como Espada de Tarquis.

"Acontece que a guerra simplesmente não acabou de um dia para o outro após a morte do líder e fechamento do Elo de passagem entre nosso mundo e os abismos. Milhares de demônios ainda se espalhavam pelos quatro cantos do mundo e meu pai dedicou sua vida a caçar e erradicar tais criaturas. Uma vez ele veio até aqui. Muito antes de Tleos ser grande e próspera como é hoje. De qualquer forma, já era um oásis, um local de repouso. Ele estava exausto, ferido, mas ainda assim, incansável, seguia a pista de demônios. Eu pedi que ele ficasse aqui, ao menos até se recuperar de seus ferimentos. Mas ele dormiu apenas uma noite e no dia seguinte, muito cedo, saiu, sem ao menos se despedir de mim. Durante muito tempo fiquei tentando entender aquela atitude. Então percebi que nunca entenderia. Há coisas, pensamentos, sentimentos íntimos que estão dentro dos outros, que nunca poderemos entender, não de verdade. É um fato. E a única coisas a fazer é aceitar tais fatos.

Depois que o Rei-Deus terminou de falar, andaram na direção da estufa e em silêncio. Gálius sentia que iria receber mais um fruto.

O que verei desta vez? Será que a visão poderia me dar uma pista ou ideia para salvar Tleos do desastre?

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