71 - O despertar do farol
Kerdon conseguiu abrir um portal que deu passagem também para Syrun, Arifa e Josselyn. Dali podiam ver, a uma distância de três quarteirões, o portal expelindo centenas de demônios. Estavam numa elevação rochosa perto do mar e fora das ruas tumultuadas da cidade.
— Eu vou distrair o grandão enquanto você chega perto e fecha o portal. — disse Syrun e fez menção de avançar na direção do demônio.
Kerdon segurou ele pelo ombro e disse — Você tá maluco, cara? Olha quantos demônios estão saindo dali!
— Pode dar certo — disse Arifa. — Eu vou com você para dar cobertura enquanto você fecha o portal.
— Não Arifa, não vai dar. O negócio é fugir. A cidade tá perdida.
Kerdon não estava errado, crer em algo contrário era mesmo loucura.
Arifa buscou o olhar de Josselyn e viu que ela concordava com Kerdon.
— Mas temos os medalhões! Se não tentarmos...
O impasse se manteve, então, uma luz brilhante surgiu no céu.
— Olhem — disse Arifa — o farol acendeu.
A luz forte oscilou e em seguida, feixes de luz começaram a se projetar a partir do alto do farol na direção das ruas. Muitos feixes se direcionavam ao local onde as tropas mercenárias estavam lutando junto aos homens de Edwain e Gerone. Um feixe de luz veio para perto de onde estavam e atingiu um demônio em pleno voo. Ele explodiu em pedacinhos.
— Deve ser o Bérin — disse Syrun.
— Quem é Bérin? — indagou Josselyn.
— É um molequinho ridículo que me fez vir parar nessa cidade. Ele é algum tipo de mago, sei lá, e ele teve uma visão, ou algo do tipo.
Mais dois feixes vieram e derrubaram mais dois demônios que acabavam de sair do portal. Syrun prosseguiu falando. — Todas as misérias que ele fez foram com o intento de chegar até aqui e combater demônios. Ele só falava nisso, salvar os lacoreses. Acho que vocês estão com sorte. Parece uma boa hora para avançarmos, não acham?
Syrun saltou das pedras passando para alguns terraços de casas que iam até ali. Acendeu sua espada mágica com vigorosas chamas e saltou para a rua, atingindo um demônio passava por ali.
Com demônios sendo abatidos em toda parte pelas luzes do farol, ainda que num ritmo lento, Kerdon tomou coragem.
— Vou abrir uma passagem para mais perto. Quando chegarmos lá vou precisar de um tempo, então, conto com vocês.
Josselyn e Arifa anuíram. A noite agora era interrompida por frequentes feixes de luz vindo do farol que iluminavam tudo por breves momentos, lembrando relâmpagos em uma tempestade.
Kerdon abriu o portal e o trio saiu a um quarteirão de distância do portal. Kerdon sentiu que Rayera estava ali, ao seu lado, ajudando-o a operar a magia. Fagulhas saíram voando para as bordas do portal imenso. Logo foram vistos por um sem número de demônios. Arifa afastou os alados com uma série de rajadas de vento e Josselyn se preparou para enfrentar os que vinham até eles à pé. Eram muitos e seriam trucidados.
Syrun surgiu, mais adiante, projetando um jato de granizo contra o demônio grande. Era muito musculoso, horrível e tinha a altura de três homens. O gelo que o atingiu no rosto não causou danos, apenas incômodo e distração.
Josselyn atacou o primeiro demônio, mas logo se viu cercada por outros quatro. Arifa atirou um jato de fogo em três deles, porém um parecia invulnerável e continuou avançando rindo das chamas que cresciam ao seu redor. Josselyn eliminou o primeiro oponente e defendeu-se de um ataque de martelo do segundo que quase a fez cair. O demônio em chamas avançou na direção de Kerdon e Arifa e ela desembainhou a silfina para enfrentá-lo. Tinha cerca de dois metros. Suas pernas eram finas e longas, o tronco curto e braços longos e musculosos, a cabeça oval tinha um par de chifres pretos e curtos. Sua pele parecia feita de pedra e as chamas dançavam ao redor dele sem causar dano.
Arifa atacou-o e a silfina conseguiu morder a pele na altura da coxa. O safanão que deu em resposta atingiu o ombro de Arifa e a atirou girando para trás. Ela se bateu contra a parede de uma casa e caiu no chão, zonza. Seu próximo alvo era Kerdon, mas quando ele estava a um passo, foi atingido por um dos raios do farol e explodiu.
Josselyn estava embrenhada no meio dos demônios, ferida, mas ainda lutando para sobreviver. Syrun saltou por cima de um demônio ao mesmo tempo que decepou sua cabeça com a espada flamejante. Ao lado de Josselyn ele girou as duas espadas derrubando mais dois demônios. Isso deu a ela espaço para lutar agora apenas com um oponente. O demônio grande agora vinha na direção dos dois. Arrancou um pedaço do chão e atirou contra Syrun. O mercenário desviou-se por pouco e as pedras atingiram alguns demônios atrás dele.
Enquanto o combate seguia, Kerdon manteve-se concentrado no portal. Ele já cedia. Reduziu seu tamanho para a metade. Seu corpo tremia e ele sussurrava entre dentes — Um pouco mais... Um pouco mais...
As luzes do farol se concentraram naquela região. Vários demônios perto de Syrun e Josselyn foram atingidos e explodiram. Outros, mais resistentes caiam sem alguma parte do corpo, ou mesmo perfurados e se arrastavam.
— É isso aí, moleque! — Syrum comemorou limpando pedaços de um demônio que foi estourado por um feixe, ao seu lado.
Um raio atingiu o demônio grandão fazendo-o urrar, irritado com a carne queimada no local. O farol não tinha força o bastante para destruí-lo. Syrun pode notar, mais adiante, uma tropa de aliados avançando sobre os demônios. Muitos deles agora fugiam, procurando algum lugar para se esconder dos raios do farol.
Josselyn seguia enfrentando mais demônios e isso deu tempo a Arifa para se recuperar da contusão. As duas agora lutavam juntas, afastando demônios de Kerdon.
O grandão pegou um demônio que passava perto pelas pernas e o usou como arma para atingir Syrun. O mercenário rolou por baixo do golpe e parou entre as pernas do inimigo. Desembainhou sua lâmina do gelo fazendo uma lança crescer para o alto. O gelo perfurou a pança imensa do demônio e se quebrou em seguida. O demônio tentou pisar em Syrun, mas ele era rápido demais. A cada esquiva dava um corte com a lâmina de fogo, de modo que depois de um golpe certeiro no calcanhar, o demônio caiu de joelhos. Syrun escalou o corpo pisando na pança e cravou as duas espadas no pescoço do demônio. O bicho estremeceu e caiu para trás, levando Syrun consigo na queda.
Neste momento, Kerdon conseguiu terminar de fechar o portal. Algo que foi bem mais cansativo que abrir duas dúzias de portais. Kerdon cambaleou e só agora pode ver melhor o andamento da batalha. Havia muitos demônios se escondendo, atrás de casas e muros. As luzes projetadas pelo farol não paravam. Vinha uma nova a cada um ou dois segundos, acertando demônios sem erro. O que antes parecia uma derrota certa para os lacoreses, havia se transformado numa derrota certa para os demônios.
Kerdon ficou olhando para aquele espetáculo de luzes por alguns momentos e ignorou um demônio que se aproximava dele, sorrateiro, pronto para abocanhar seu pescoço. Ele chegou a sentir o hálito quente e uma luz forte passou ao lado de seu rosto, cegando-o. Um som desagradável de algo fervendo e depois estourando antecedeu a massa de carne e sangue quentes que cobriram suas costas e metade de seu rosto.
— Essa foi por pouco, hem! — Syrun riu alto girando a espada ali perto para cortar um dos demônios magricelas em dois.
Kerdon não achou graça. Limpou um pouco a carne e sangue quentes e pegajosos do rosto e do ombro e sentiu fortes náuseas. Caiu de joelhos vomitando.
Mais um, e depois outro demônio explodiu ao lado de Syrun. Ele gargalhou.
— Uxa! Isso é tão divertido! Você viu isso?
Agora já havia se formado uma clareira com centenas de corpos de demônios amontoados. Alguns ainda se arrastavam agonizando. Syrun pisou com força na cabeça de um destes e depois cravou sua a ponta da espada extinguindo-lhe a vida.
— Tome isso, desgraçado!
Arifa e Josselyn se aproximaram, a primeira mancando com uma mão sobre o ombro e a outra, exausta, apoiando-se sob os joelhos para tentar continuar de pé. Ambas cobertas de sujeira e pingando sangue escuro.
— Quem topa sair daqui e encontrar uma casa de banhos? — disse Syrun rindo e encarando Josselyn.
Ela olhou nos olhos dele e novamente teve a impressão de que brilhavam um pouco. As orelhas de Josselyn ficaram vermelhas e esquentaram. Desconcertada, ela se viu dizendo.
— Eu topo!
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