7 - Fé
Arifa sentiu o estômago gelar ao encarar a pontezinha que levava à gaiola do elevador. O céu estava carregado de nuvens escuras. Raios cortavam o céu distante naquela tarde e a trovoada era assustadora. Rencock percebeu a hesitação dela e foi gentil ao conduzi-la pelo braço para o interior da gaiola. Ela se segurou com força na grade sem conseguir tirar da mente a conversa que teve com Yaren.
Coisa mais estranha! O tal Barão Calisto ser o filho da Rainha Hana e do Príncipe Kain... Quem iria imaginar?
Raios brilhantes cruzaram os céus e um trovão forte soou fazendo Arifa estremecer.
Mas até que isso faz sentido... Mestre Dornall disse que as faculdades do Jii muitas vezes são herdadas de pai para filho. Então ele pode ser tão poderoso, ou até mais que o pai. E todas aquelas histórias sobre Calisto são bastante assustadoras... Será que foi ele que possuiu o arquiduque para ameaçar o trono de Edwain? Sim, ele poderia reivindicar sua posição como sucessor.
A chuva começou a cair junto com uma ventania durante a descida. Isso fez a gaiola balançar e espantou aqueles pensamentos sobre Calisto.
— Maldição, Rencock! Tinha que chover agora?
— Calma, milady...
— Não me chama disso, porra! — ela gritou.
As cordas balançavam e a gaiola rangia. Rencock olhou para o alto, preocupado. A gaiola trepidava mais e começou a deslizar para baixo com maior velocidade.
— Merda, merda, merda... — Arifa murmurava enquanto o outro cavaleiro fechou os olhos para fazer uma prece ao Deus Único.
Ambos estavam encharcados e Arifa havia cedido da racionalidade ao pânico. Então, ela sentiu uma presença mais gelada que a água da chuva tocando sua mente. Não vieram palavras, mas sentiu o peso crescer nos ombros. Havia dor e sofrimento. Era algo maldito, como o toque de um demônio.
— Arifa! Arifa! — a voz de Rencock parecia distante. Ele segurou-a pelos ombros olhou dentro dos olhos dela, sem sentir que ela olhava de volta para ele — Ei, já chegamos. Acabou.
"Acabou?" ela pensou. "Não, ainda nem começou..."
Ela piscou os olhos livrando-se do transe. Se viu encharcada, a gaiola estava quieta agora, um ou dois dedos chafurdada na lama, na base do penhasco.
— Rencock, senhorita! Vamos! — o cavaleiro Mirth falava alto, não menos encharcado e já montado em seu cavalo. Os cavalos de Rencock e Arifa estavam preparados, amarrados ao lado do estábulo. Mirth prosseguiu.
— Devemos seguir rápido se quisermos evitar a noite.
Viajar à noite era uma péssima ideia em todo território de Lacoresh, mesmo para cavaleiros armados como eles.
Arifa confirmou com um aceno e sentiu os passos duros. A musculatura das costas estava rígida. O que foi aquilo? Que presença maligna era aquela?
A imagem daquele homem mal cheiroso, corcunda e que usava um véu veio à sua mente. Era uma figura bizarra... Seria alguém doente? Antes que pudesse divagar demais, Rencock a puxou até os cavalos.
— Vamos suba, mila... digo Arifa.
Ela obedeceu. Estava abalada. Há muito tempo não perdia o controle de suas emoções como agora a pouco.
— Me desculpe por gritar com você — ela disse a Rencock.
— Deixa isso prá lá, pelo menos você enfrentou seu medo de alturas — Rencock disse encarando Mirth.
O outro cavaleiro virou a cara.
— Aianaron me dá forças para fazer meu serviço e, Uraphenes, sabedoria para um homem saber quando ele não deve desafiar a sua natureza. — Mirth retrucou.
— Nisso sou forçado a concordar — Rencock riu.
— Força, sabedoria, compaixão, luz... São coisas demais para um único Deus realizar. — Mirth disse em tom provocador.
— Se você está dizendo Mirth... — Rencock se esforçava para evitar uma discussão. Yaren deu instruções para não discutir a fé no Deus único.
— É, eu estou dizendo! É também o que se fala na Igreja. Se você frequentasse mais, saberia disso.
Arifa estava distraída. Não prestava muita atenção na discussão entre os cavaleiros enquanto seguiam de volta na trilha até a estrada, sob forte chuva. Ela sentiu uma profunda perturbação no Jii. Algo que a fazia se lembrar do dia em que hordas de demônios invadiram Kamanesh.
— Ei, vocês dois, quietos! — Arifa sibilou desembainhando sua espada.
— O que foi? — Mirth ficou pálido e olhou nervoso ao redor. Entretanto, a visibilidade era péssima devido à chuva cerrada.
Uma sombra veio sobre o grupo e atacou. Em um instante, Mirth estava montado ao lado deles, no instante seguinte, restava apenas o cavalo. O grito horrível do cavaleiro Mirth soou enquanto ele era arrastado para o alto.
— O que foi aquilo? — Rencock também sacou sua espada.
Arifa guardou a espada e pressionou o lombo do animal para ele correr — Um demônio! Vem, depressa Rencock!
Ele seguiu Arifa. Havia trechos da estrada com grandes poças de lama, mas ainda assim, conseguiam desenvolver boa velocidade. Seguiram sem olhar para trás e com os corações disparados. Os gritos de Mirth cessaram pouco depois.
— Tem mais deles?
Arifa examinou os arredores sem perceber outras distorções — não estou sentindo.
Pouco depois, diminuíram a velocidade do galope. A chuva também estava diminuindo e a visibilidade agora estava melhor. Deram uma boa olhada nos arredores e para o alto também. Parecia tudo limpo.
— Já não bastavam zumbis e espectros... Pobre Mirth. — lamentou o cavaleiro.
— Você o conhecia bem?
— O suficiente... Agora só resta rezar por sua alma.
Rencock rezava baixinho para seu Deus, e Arifa foi tomada pela ansiedade.
Eu devia ter ficado em Kamanesh! Os demônios... Eles vão nos pegar. E se eu nunca mais ver o meu pai... As coisas só estão piorando. As trevas nos cercando, cada vez mais!
— Pelos Deuses, Rencock! Como poderemos derrotar esses malditos?
— Não sei... Yaren diz que nosso povo está passando por uma provação e que devemos ter fé.
Fé? Quanta fé eu tenho? Acho que nenhuma...
Ela não segurou as lágrimas que se misturaram com as gotas de chuva.
Eu queria ter a fé que Hancock tem no Deus Único. Ou que Mirth tinha nos velhos deuses... Mas de que isso adiantou? Agora ele estava morto! Vamos, vamos! Por favor Deus, ou Deuses! Nos ajudem a chegar nas muralhas! Guiem nosso caminho!
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