67 - História de Lacoresh

Formou-se uma caravana com comerciantes e uma boa quantidade de tropas para ir de Whiteleaf até Lacoresh. Houve certa excitação, pois como o comércio estava em baixa, os preços de determinadas mercadorias tornavam-se muito lucrativos.

O Arquiduque Gerone fez questão de acompanhar o Rei Edwain nessa grande comitiva até a capital. Seguiram pela velha estrada que descia de Whiteleaf margeando as elevações em forma de muralha do planalto de Or. Temia-se que a legião de mortos-vivos que atacou Whiteleaf voltasse a atacar, mas alguns batedores seguiram o rastro do exército de mortos até um ponto remoto no velho condado de Montgrey.

Foi uma viagem tranquila, exceto pelo encontro com zumbis e espectros errantes. Saíram ao nascer do sol e chegaram na capital algumas horas depois do crepúsculo. Arifa, Josselyn e Kerdon foram hospedados no palácio de Lacoresh, uma construção gigantesca e suntuosa relativamente recente. Foi erguida nos anos de glória do breve Império Lacorês.

Ao chegar no local, Arifa recebeu uma pequena correspondência que dizia: "Filha, chegaram notícias de sua participação na defesa de Whiteleaf. Tenho orgulho de você, mas estou muito preocupado! Volte logo. Com amor, seu pai".

Que alívio! Papai já sabe que estou bem!

No dia seguinte, Edwain ofereceu um jantar aos convidados e falou um pouco sobre suas pesquisas em registros de diversas fontes que mandou recolher. Aprendeu aquilo com seu avô, que fora um grande estudioso de história. A história recente do reino, no entanto, tinha algo de desfigurado, devido à atuação junto ao governo da sociedade secreta de necromantes. Sob o comando de Maurícius, o velho, Lacoresh liderou uma campanha militar fazendo o papel de grande nação que conseguiu resgatar diversos reinos que haviam sido invadidos por imensas hordas de mortos-vivos comandadas pelos necromantes e agentes secretos da própria Lacoresh. O plano havia funcionado muito bem, e diversos reinos a leste de Lacoresh foram persuadidos a jurar lealdade ao Imperador Maurícius em troca de ajuda militar. Havia rumores a respeito da estratégia sombria adotada pelo reino, e agora Edwain mostrava ao Arquiduque Gerone e convidados alguns documentos que provavam aquilo. A invasão do Reino de Keldor, no velho continente, no entanto, nunca chegou ao fim, devido ao enlouquecimento de Maurícius, a queda da capital e a terrível praga dos carniçais que reduziu Lacoresh a praticamente três cidades. O império entrou em colapso. A história recente de Lacoresh era vergonhosa e Edwain lutava com afinco para restaurar antigos valores de coragem e honra vividos e cantados dos tempos de seus ancestrais.

— Seu interesse pela história e desejo de restaurar antigos valores de Lacoresh é louvável, majestade — comentou Arifa — que estava próxima a ele na mesa de jantar. — Mas temo que a nossa sobrevivência e, encontrar meios de nos defendermos contra os demônios, deva ser nossa principal preocupação.

— Sem dúvida — anuiu o arquiduque, ele era jovem, mas tinha pelo menos dez anos a mais que o rei. Lembrava muito seu pai, Aaron, mas usava uma barba farta como meio de se diferenciar da figura do pai, cuja imagem ficou manchada quando se revelou que havia sido possuído por um demônio.

— Claro — concordou o rei, mas pontuou — mas sobreviver e perder nossa história nos levaria à perda de nossa identidade.

— Já se sabe mais sobre a tropa de mercenários que chegou em Homenase vinda do leste? São mesmo axianos? — indagou Gerone, um de seus cavaleiros que esteve no porto comentou aquilo com ele, pouco antes do jantar.

— Ah, sim. É o famoso Bando de Valéria. Os líderes deste bando aportaram aqui há alguns dias e estou tratando com eles um reforço para nossa segurança.

— E há meios de pagá-los? — indagou Gerone.

— Temos ouro sim, até em sobra. O que nos falta são grãos, vocês todos sabem que uma saca de bom arroz está quase valendo seu peso em prata. Já fiz uma oferta nesta manhã. É possível que eles aceitem nosso ouro e que depois levem-no para gastar em algum lugar como Dacs. Felizmente para a capital, chegaram três navios dacsinianos trazendo grãos suficientes para alimentarmos o povo daqui por mais um mês, ou dois. Nossas plantações continuam muito limitadas, mas a pesca aqui rende um bom substituto para a carne animal.

— O problema é que não param de chegar refugiados — comentou Josselyn — em Kamanesh, os acampamentos já estão cercando toda a extensão da muralha. O mesmo problema ocorre nos pequenos povoados que sobrevivem na região, como Forte Greenfield, Situr e Wuri. A pressão de demônios nos reinos a leste faz chegar mais e mais gente aqui. Ouvi dizer que o Bando de Valéria é uma tropa de mais de dois mil homens. São duas mil espadas, mas também, duas mil bocas.

— Bem colocado, Lady Josselyn — Gerone coçava sua barba. — Sobre o ataque que houve em Kamanesh, pelo que sabemos, foi o mais duro ataque que recebemos até então. Sabe-se que Lirr e Homenase estão resistindo, eles usam algum tipo de magia antiga para defender suas cidades. Como estão nossas defesas nesse sentido?

— Existe uma lenda sobre o velho farol, uma construção dos antigos. Alguns magos estão pesquisando o assunto, ao que parece, nos tempos da era maldita, várias cidades se defendiam de hordas de demônios construindo defesas mágicas em suas torres.

Arifa disse — Sim, majestade, foi o que vimos em Lirr. A torre emitia uma luz azul que expulsava, ou ao menos, causava muito desconforto aos demônios. Algo parecido com o que vimos seu medalhão fazer — ela apontou para a jóia que Edwain usava à vista em seu peito.

— Contem-me uma coisa — pediu o arquiduque — de onde vieram esses medalhões?

— Estavam guardados numa caverna na floresta de Shind — informou Arifa. — Foram construídos pelos antigos, os mesmos que construíram o farol de Lacoresh, a Torre do Suplício e parte da Cidadela Alva.

— Realmente eles possuíam uma magia mais forte do que a que vemos em tempos atuais — comentou Josselyn.

— O problema — disse Edwain — É que tanto poder levou à guerra. A ambição sem limites foi o que trouxe os demônios ao nosso mundo.

— É a natureza humana, Majestade. — Disse Gerone saboreando um pouco do ótimo vinho dacsiniano. — Os homens estão sempre à busca de poder. Não julgo que isso vá mudar algum dia.

— É por isso que temos que aprender com a história, enquanto ainda há tempo...

Josselyn cochichou com Arifa — Onde está o Kerdon, ele não foi convidado?

Arifa encolheu os ombros. Então, os pelos dos braços de Arifa, Josselyn e Edwain se arrepiaram ao mesmo tempo. O som de gritos vindo de fora fizeram com que todos parassem a refeição. Talheres ficaram suspensos, a meia altura e em seguida, perto da mesa o ar vibrou. Centelhas de luz mágica dançaram num padrão elíptico até que se formou um disco escuro, bem ali no salão. Surgiram braços, seguidos da cabeça de Kerdon. Ele percebeu que era exatamente ali que queria estar e terminou de atravessar dizendo.

— Pessoal, um ataque de demônios! Parece uma porra dum enxame lá fora.

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