65 - Um velho perigoso

Apesar de toda destruição causada pelo ataque da horda de mortos-vivos, Whiteleaf ainda impressionava. Suas imensas muralhas integradas à elevação do monte rachado, cercava seções da cidade em níveis. Durante o dia, as pedras claras brilhavam conferindo um aspecto claro e limpo ao burgo.

As notícias de que o próprio Rei Edwain chegou para rechaçar aquele espalhou celebrações pela cidade. Ainda havia pessoas, principalmente jovens, que resistiam à figura do governo central Lacorês, após o período de pouco mais de vinte anos em que Whiteleaf passou a ser um reino independente, sob a liderança do falecido Rei Aaron.

Depois que rechaçou o ataque da horda, o Rei Edwain tornou-se quase uma unanimidade.

O filho de Aaron, Gerone, recebera o título de Arquiduque, o segundo mais elevado título do reino reunificado de Lacoresh, logo após a coroação de Edwain. Cabia ao Arquiduque, apontar o general comandante do exército Lacorês, entre outros privilégios. Com Kamanesh combalida após sucessivos ataques e enfraquecida devido ao excesso de refugiados que teve que absorver, Whiteleaf seguia sendo o maior centro de poder militar de Lacoresh, e a nova academia era a maior de todas, tanto em tamanho como em número de estudantes admitidos. Os arredores da academia, na Cidade Baixa, foram a região que melhor resistiu à invasão da horda, há poucos dias. Horda ainda ficou parada, além do Muro dos Zumbis, por dois dias até que marchou rumo oeste, desistindo de insistir nos ataques.

O rei e os demais viajantes ficaram hospedados na Cidadela Alva, a seção mais alta de Whiteleaf. Além de um castelo grande e seus anexos, aquela porção da cidade contava com belos jardins, pomares e hortas.

Notícias de Kamanesh haviam chegado através de comunicação entre o Mestre Dornall os mestres residentes em Whiteleaf. Depois do fechamento do grande portal, as forças kamanesas conseguiram resistir à nova tentativa de invasão. Boa parte do bairro central da cidade foi destruído por um incêndio, mas apesar de todas as perdas, a cidade resistiu.

Arifa recebera aquelas notícias na noite anterior e nesta manhã, conseguia caminhar um pouco mais aliviada, mas ainda com muitas preocupações em mente.

Ainda bem que meu pai e minhas tias estão bem! A guarda conseguiu proteger o castelo... Se não fosse o medalhão de Kerdon, Kamanesh teria caído. Espero que os magos tenham sucesso em proteger a cidade contra portais. Foi muito custoso criar as porções na academia e no castelo. Se a cidade toda não for protegida conta o uso de portais, os demônios terão sucesso, sei disso.

Arifa tocou a água gelada da fonte, sua expressão ainda mostrava angústia.

Independente dessas proteções, será difícil seguir defendendo Kamanesh. Os medalhões podiam salvar nossa cidade, mas sei que o Ed vai levá-lo para a capital... Precisamos de algo além para proteger o nosso lar...

A imagem daquele demônio horrível que quase tirou sua sanidade, ainda voltava à sua mente, de tempos em tempos. Não só ele, como o vislumbre que teve daquela dimensão inferior e as hordas incontáveis, que se espalhavam por lá.

— Oi, estive procurando por você — disse Josselyn chegando perto da fonte. Arifa sentara ao lado dela e escutava a água corrente procurando se acalmar.

Arifa olhou para baixo. Não bastasse tudo, sentia-se mal, perto dela, depois que ela a destratou.

— Olha, me desculpe, você deve entender... É difícil para mim.

Arifa tinha lágrimas nos olhos, mas não queria que elas fluíssem — Eu só achei que agente ia morrer.

Josselyn se sentou ao lado dela e pegou em sua mão — Eu fui uma tonta...

Arifa limpou as lágrimas com as costas da outra mão.

— Eu só queria que as coisas não fossem assim, tão complicadas — disse ainda olhando para baixo.

— Eu também, querida. — Josselyn puxou o rosto dela e deu um beijo.

Arifa sussurrou dando uma olhadela em volta — Mas alguém pode nos ver aqui.

— Que se danem! — Josselyn a abraçou com força.

Ficaram juntas assim por alguns instantes até que ouviram a voz de Kerdon.

— Tô vendo que as pombinhas já fizeram as pazes.

— Kerdon? — Josselyn procurou-o, de um lado e do outro da trilha, sem vê-lo.

— Tô aqui — a voz dele veio mais clara desta vez, da parede na qual ficava a fonte. A parede estava trêmula e sua cabeça surgiu dali. — Estou praticando o uso do medalhão. Tô quase ficando bom nisso.

— Você é maluco? Foi para aquela outra dimensão, sozinho? — disse Josselyn incomodada.

— Não, eu posso abrir portas por perto, sem ter que passar por outros planos, quero dizer, ao menos, sem ter que ficar por lá.

— Poderia nos levar para Kamanesh numa destas? — indagou Arifa.

— Acredito que não. É muito longe. Eu tô aqui em cima, olha. Pelo menos, o resto de mim.

As duas olharam para cima, no terraço de um dos anexos do castelo, a uns cem passos do jardim onde estavam. Dava para ver parte do corpo de Kerdon sumindo, no meio do nada. A outra parte, a cabeça e os ombros, bem ali, atrás delas.

— Deixa eu... — Kerdon passou e o portal fechou-se atrás dele — chegar aí.

Josselyn observou o salto de Kerdon e disse — Isso pode mesmo ser muito útil. Foi difícil?

— Comecei treinando dentro do meu quarto. Aí fui ampliando a distância, dá para mudar o ângulo do portal também.

Arifa comentou — É um tipo de magia praticamente desconhecida em Lacoresh. Mestre Ivrantz sabe fechar portais, mas seguindo uma projeção de contra magia, não porque pode realmente inverter o processo. Ele me disse, certa vez, que esse tipo de magia foi banida e proibida.

— Depois de ter visto aquele portal dos demônios eu até entendo o porquê — Josselyn pontuou.

— Você conseguiu falar com o rei, Joss? — indagou Kerdon. Estava andando na trilha do jardim, de um lado para o outro, bastante inquieto.

— Ele continua em conferência com o Arquiduque Gerone.

Arifa mudou de assunto passando as mãos pelos cabelos — Professor, sobre aquela dimensão esquisita... Bem, o que quero dizer é... Não sobre a dimensão em si, mas o comportamento estranho do Ed, digo, do rei. Ele saiu sem nos dar ouvidos e o encontramos conversando com aquele cara...

— É... aquilo foi mais esquisito que as coisas estranhas do plano netéreo. — concordou Kerdon.

— Eu acredito que sei quem ele era — disse Josselyn — Você não o viu Kerdon, mas quando estávamos resgatando a Capitã Ailynn necrópole, apareceu um sujeito estranho. Ele era um mentalista muito forte e deu cabo de uma horda de mortos-vivos nos favorecendo. Usava uma espada montante para atacar os mortos-vivos, girando-a muito rápido com a força da mente. Eu fiquei curiosa e tentei ler seus pensamentos. Ele reagiu na hora me expulsando, mas pude ouvir um de seus pensamentos. Ele queria se apossar de uma bússola.

Arifa disse — É... Não teríamos salvado Whiteleaf se não fosse por ele, e também, ele mencionou ter um plano para salvar Lacoresh. Esse é aquele sujeito que você disse que o Príncipe Kain acreditava se tratar de seu filho, o Barão Calisto, não é mesmo?

— Sim. Ele é um sujeito sombrio...

— Será que podemos confiar nele?

— Eu não confiaria, mas pode ser que não tenhamos alternativa senão ouvir o que ele tem a dizer. — disse Josselyn.

— Acha que o veremos de novo? — indagou Kerdon.

— Tenho certeza — retornou Josselyn. — E suspeito que o que vimos no plano netéreo não era ele, em carne e osso, mas uma projeção astral dele. Eu vi claramente que ele não era sólido e não tinha volume. Parecia mais uma sombra projetada.

— Me incomoda pensar que a salvação de nosso reino possa estar nas mãos de um sujeito assim, as histórias a respeito dele são perturbadoras. — retrucou Arifa.

— Dizem que ele foi o primeiro filho do eclipse a surgir antes do período imperial. Ele jurou vassalagem ao velho Duque Dwain e se estabeleceu na região de Situr e Wuri. Se for mesmo ele, deve ser um velho.

— Um velho perigoso. — anuiu Josselyn — Poderoso e perigoso.

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