59 - O bosque e o estranho

Arifa, Josselyn e Kerdon seguiram rapidamente para dentro do bosque. Ele era composto por árvores de aparência estranha, havia algo como folhagens na base delas, como se fossem arbustos, mas do centro, os caules subiam para o alto se ramificando até formar galhos finos e moles que balançavam facilmente ao sabor do vento. Os galhos finos tinham uma espécie de penugem cinza, quase branca que se movia constantemente como se estivessem submersas. No fim, ainda se pareciam com árvores, como se estivessem plantadas de ponta cabeça.

O número delas e a densidade foi aumentando à medida que entravam no bosque até que já não podiam enxergar o rio ou a contraparte netérea de Kamanesh.

O interior do bosque tinha o solo úmido e fofo, mas numa tonalidade de vermelho esmaecido. Nada do que viram naquela dimensão parecia ter cores fortes, mesmo o estranho brilho esverdeado nos olhos de Arifa e Josselyn era pálido como o de um musgo seco esbranquiçado.

— Vejam — Arifa indicou no chão — Pegadas! O Ed foi por ali.

Seguindo aquela pista andaram por alguns minutos. Pelo que viram de fora, se estivessem mesmo em linha reta, teria sido tempo suficiente para cruzarem a extensão do bosque duas vezes.

— Já deveríamos ter saído — Observou Josselyn.

— Não conte com isso — retrucou Kerdon — as aparências enganam por aqui. Poderíamos andar duas horas antes de sairmos do outro lado...

— Não que eu queira ver todos aqueles demônios novamente, mas esse lugar é muito sinistro. Eu queria votar para casa logo. — disse Arifa sentindo algo a oprimindo, esmagando seu peito.

— Esperem — Kerdon se agachou — eu conheço isso aqui. Dá para comer. — Arrancou uma boa quantidade de coisas parecidas com cogumelos pretos com riscas alaranjadas em tom pastel. Provou um — Eca, é aquela coisa mesmo.

Josselyn fez uma careta ao observar a boca de Kerdon. Seus dentes estavam pretos e a substância pegajosa fazia linhas grudentas toda vez que ele abria a boca.

— A consistência é horrível, mas o gosto não é tão ruim. Querem um pouco?

Arifa e Josselyn recusaram, ambas torcendo os lábios com nojo.

— Vamos logo, Kerdon! — pediu Josselyn.

— Calma Joss, você não sabe como é difícil arrumar comida decente por aqui.

Arifa puxou Josselyn pela trilha, seguindo as pegadas no solo fofo. Kerdon as seguiu, guardando o máximo que podia daquelas coisas em seu bolso. Daria tudo para estar com uma mochila, ou sacola. As memórias dos anos que viveu naquela dimensão foram retornando mais vívidas. Ah, como ele passara fome ali.

— Arifa, Joss! Fiquem paradas. — ele avisou assim que viu umas bolotas penduradas no alto de algumas árvores no caminho.

— Aquelas coisas ali são bichos daqui, mas estão dormindo. Melhor darmos a volta.

— Mas vamos perder a pista de Edwain... — argumentou Arifa.

— Aquelas coisas podem ser perigosas, venham por aqui.

Elas o seguiram por outra trilha. O silêncio do local, também incomodava.

— Tem algo se mexendo ali — mostrou Josselyn.

Kerdon deu uma olhada. Eram algumas lagartas andando pelo chão, não eram maiores que um palmo.

— São só algumas lagartinhas. As pequenas são inofensivas. Em todo caso, evitem pisar nessas coisas.

Arifa passou por elas. Eram cinzentas, exceto por algumas finas linhas azuladas no dorso. Diferente das lagartas que já vira, estas tinha uma cabeça grande e branca com dois pares de antenas peludas.

— São até bonitinhas — Arifa observou.

— É, espero que não encontremos algumas das grandes.

Andaram por mais algum tempo até que Arifa deixou escapar, frustrada! — Droga, Kerdon! Nunca mais vamos encontrar o Ed!

— Calma garota. Se ele ainda estiver vivo nós vamos encontrá-lo.

Antes que Arifa ficasse desanimada demais, viram uma clareira. No centro dela, havia uma árvore grande muito diferente das demais. Parecia uma árvore normal, o tronco grosso e torto saindo do chão e se ramificando até formar uma copa arredondada e alta. Vários frutos esbranquiçados e bojudos, com uma lembrança de amarelo estavam pendurados de forma espaçada junto aos galhos. Lá perto do tronco, viram a silhueta cinzenta de Edwain. Havia alguém perto dele, mas não se via bem quem era. Dava para ver duas pernas e uma massa escura acima. Eles estavam conversando, mas não dava para ouvir nada.

Arifa sentiu o coração disparar.

O Ed está em perigo!

Kerdon tentou segurá-la pelo braço, mas ela se desvencilhou e correu na direção dele.

— Ed! Ed! — ela gritou.

— Ela poderia sim... — escutou uma voz umbrosa dizer.

Edwain e a sombra pararam de conversar naquele instante. Uma mão e um braço escuro se destacaram do corpo apontando para Arifa. No mesmo instante seus pés deixaram de tocar o solo e ela flutuou veloz na direção deles. Ao pousar ao lado de Edwain, Arifa pode ver melhor os contornos daquele estranho. Era um rapaz magro vestindo um capuz largo. Não se via seu rosto e nem podia ver muitos detalhes, pois a luz não refletia muito nele. Era como uma imagem negativa recortada contra o tronco cinzento e claro da árvore que estava atrás dele.

— Você tá bem, Ed?

— Estou, obrigado.

— Que bom que chegou, Lady Arifa, eu estava dizendo ao seu rei, que vocês talvez possam evitar que uma de suas cidades seja destruída.

— Kamanesh? — ela indagou.

— Não, Whiteleaf.

— Quem é você?

— Sou alguém que quer o bem de toda Lacoresh, assim como vocês. E também, que sabe uma forma de mandar vocês de volta.

— Mas qual é o seu nome? — ela indagou, sem sentir um pingo de confiança nele.

— Meu nome não importa. O que importa apenas é que posso ajudar vocês.

— É e o que ganha com isso?

— Eu já disse, sou um lacorês, assim como vocês. Mais que isso, sou protetor de Lacoresh.

Kerdon e Josselyn correram para chegar ali.

— Ah, sejam bem-vindos, Josselyn e Kerdon. É bom vê-los novamente.

Josselyn disse desconfiada — Eu te conheço?

— Não de verdade, mas eu a conheço, muito bem, Josselyn de WaterBridge.

— Você é um fantasma, ou coisa do tipo? — indagou Kerdon.

— Antes fosse, Sr. Tassip. Mas vamos ao que interessa. Vocês quatro desejam retornar, certo? E logo aqui atrás de mim, está uma das estações dos antigos que irá levá-los à Torre do Suplício, na Cidadela Alva.

— Por que iríamos querer ir para uma prisão? — indagou o rei.

— Sua pergunta é justa. A Torre do Suplício vem sendo usada há algumas gerações como prisão, pois os habitantes de Whiteleaf ignoram sua verdadeira natureza e propósito. Parte de Whiteleaf foi construída sobre os escombros de uma antiga cidade Vetmös. Havia um sistema de transporte que ligava cada uma delas. Enfim, não quero chateá-los com detalhes, mas se quisermos impedir que Whiteleaf seja destruída, vocês devem ir para lá.

— E como apenas nós quatro poderemos impedir tal coisa?

— Ora, usando a força dos medalhões, eu pude ver isto.

— Como pode ver? — quis saber Arifa.

— Isso não vem ao caso agora, Lady Desbrin. Mas posso afirmar não haver muitas alternativas viáveis para a salvação de Lacoresh e seu povo. Acreditem em mim, o que vimos até agora é apenas uma demonstração duma fração do poder das hordas demoníacas. Eu tenho um plano para salvar Lacoresh, mas não temos tempo agora para discuti-lo, sei que não me conhecem, mas vão acreditar em mim, assim que viajarem até Whiteleaf para confrontar a legião de Necranxelfer.

— Necranxelfer? Eu estive estudando a respeito deste demônio.

— Verdade? Pois, saiba que o cerco a Whiteleaf já está em curso. Vocês precisam ir logo, ou a cidade estará perdida. E então?

Os quatro olharam uns para os outros, Arifa, Josselyn e Kerdon estavam extremamente desconfiados, aquilo poderia ser uma armadilha. Porém, o Rei Edwain disse, — Você está dizendo a verdade, posso ver isso e nós estamos com poucas alternativas, então, aceitaremos sua proposta. Leve-nos para Whiteleaf.

— Perfeitamente, venham comigo. — O estranho voltou-se para o tronco da árvore e tocou-o com a palma de sua mão. Um selo de energia circular surgiu formando um círculo com o diâmetro de duas vezes a altura deles. Ele andou para dentro do tronco da árvore que parecia um túnel de paredes claras. Ali dentro, o chão era sólido, limpo e lustroso. A figura sombria do estranho era refletida e podiam ver mais alguns detalhes. As botas escuras, bem limpas e comuns, com fivelas na lateral. O manto com capuz que ele usava apresentava uma textura de tecido fiado com linhas grossas. Ele caminhou até o centro de um salão circular, seus passos ecoando um pouco. Edwain o seguiu na frente com os demais vindo atrás deles.

No salão, ainda de costas, o estranho caminhou até um pedestal cujo topo emitia alguma luz e fez alguns gestos. Podiam perceber que ele operava algum tipo de magia. Arifa chegou ao lado dele e observou fascinada uma trama de linhas desenhadas no painel luminoso.

Isso é incrível!

Então, um feixe de luz saiu do pedestal na direção da parede circular do salão. O feixe se espalhou até formar uma porta de luz oval. Arifa olhou para o rosto do estranho, mas pode apenas ver o queixo, lábios e parte do nariz. Ele tinha uma pele muito pálida e havia uma série de estrias, ou mesmo, cicatrizes ao redor de sua boca.

— Sigam-me — o estranho caminhou até a frente do portal. — Concentrem-se em me seguir e não se desviem do caminho, caso contrário, poderão se perder para sempre.

Ele entrou não dando margem para perguntas. Arifa o seguiu. Logo atrás, vieram os outros. Uma sensação de frio na barriga, como se estivessem caindo veio assim que cruzaram o limiar do portal. Era confuso, mas dava para ver que estavam subindo e depressa. O bosque foi tomando forma, logo abaixo e ao lado dele, viram o rio que cruza Kamanesh serpenteando para cada vez mais longe. A parte antiga da cidade primeiro apareceu grande, mas foi ficando cada vez menor até virar uma mancha. No horizonte, podiam ver o planalto de Or e no topo dele, a floresta de Shind.

— Sigam-me — disse o estranho. Havia um caminho em linha reta, feito de luz leitosa que seguia adiante indo na direção de Shind. A cada passo que davam, o terreno abaixo deles parecia se deslocar, muito rapidamente, como um borrão. Depois de uns poucos passos, puderam ver que estavam caminhando sobre um imenso manto verde. A linha do horizonte se curvava para todos os lados. Cada um deles conseguia perceber algo singular naquela experiência, mas Arifa, sentiu as pernas fraquejarem e alguma vertigem.

— Concentrem-se em me seguir e evitem olhar para baixo — instruiu novamente.

Com mais alguns passos, atravessaram Shind e puderam ver uma cordilheira no horizonte adiante. Começaram a descer. Bem no início da cordilheira havia uma cidade incrustada numa montanha. Suas construções estavam dispostas em três grandes plataformas adjacentes e sobrepostas. O final da estrada levava para uma torre no alto, na beira de um precipício. Antes que pudessem ver mais alguma coisa, saíram numa sala oval, semelhante à anterior. A única fonte de luz era o portal atrás deles.

— Chegamos — ele informou.

Arifa caiu no chão, tonta. E Josselyn apoiou-se nos joelhos. Kerdon consegui sair do portal sem maiores problemas, assim como Edwain.

O estranho ajudou Arifa a ficar de pé. Ela notou que ele usava luvas de couro longas que iam até os cotovelos. Em sua mão, um pequeno anel de metal escuro foi oferecido.

— Vocês podem usá-lo para comunicar comigo — ele o ofereceu a Arifa.

Devo confiar nele?

A sala parecia ser feita de rocha sólida. Arifa olhou para os demais e notou que as cores pareciam normais novamente. Então, perceberam que não estavam mais no plano netéreo.

— Boa sorte para vocês — ele disse e caminhou para dentro do portal novamente.

Quando o portal se fechou, o salão mergulhou no mais completo breu.

— Como vamos sair daqui? — indagou Kerdon.

Arifa colocou o anel e depois usou seu medalhão para produzir uma pequena chama dançante na palma de sua mão. Levantou-a no alto e disse, — Parece haver uma porta ali.

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